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Para promotora, PMs que ouviram tortura de Amarildo não tinham como agir de outra forma

Contêiner onde oito policiais aguardaram enquanto Amarildo era torturado, segundo denúncia do MP - Alexandre Brum/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
Contêiner onde oito policiais aguardaram enquanto Amarildo era torturado, segundo denúncia do MP Imagem: Alexandre Brum/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Gabriela Voskelis

Do UOL, no Rio

28/10/2013 16h56

Quatro dos cinco PMs que mudaram suas versões sobre o sumiço do assistente de pedreiro Amarildo de Souza, 43, ao deporem para o Gaeco (Grupo de Atuação especial de  Combate ao Crime Organizado) contam que passaram cerca de 40 minutos dentro do contêiner da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha ouvindo o morador da favela ser torturado até a morte. Para a promotora responsável por 15 das 25 denúncias de PMs no caso, eles não tinham como ter agido de outra forma.

“Eles ficaram lá dentro e se resignaram. Ficaram insatisfeitos, mas não tiveram como agir de forma diferente”, afirmou a promotora Carmen Eliza de Carvalho. “Eles tinham medo de contar a história, seja pra quem fosse, e que alguma coisa de ruim pudesse acontecer.”

O Gaeco, órgão do MP-RJ (Ministério Público do Rio), assumiu as investigações após um inquérito da DH (Divisão de Homicídios) indiciar dez PMs pela tortura e morte de Amarildo. Em 12 dias, com os novos depoimentos de cinco PMs da UPP, mais 15 policiais foram denunciados e o local exato onde aconteceu o crime foi descoberto.

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"A coragem que tempera o inquérito do caso Amarildo é inversamente proporcional ao destaque diminuto que as conclusões policiais receberam nos meios de comunicação: parece que se trata apenas de mais uma peça produzida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro"

Para Carmen, o primeiro dos policiais que decidiu mudar o depoimento o fez porque estava “sob absoluta pressão”. “Ele relatou que estava começando a ser chamado de X-9. Ele se sentiu muito pressionado, alvo de perseguição, estava com medo de morrer e resolveu falar”, contou a promotora.

Segundo ela, foi este depoimento que encorajou as outras quatro policiais a mudarem suas versões sobre o ocorrido na noite de 14 de julho. “Depois que ele falou, o Gaeco foi à Rocinha, e as outras policiais se sentiram menos pressionadas. Porque o caminho do relato dos fatos verdadeiros já tinha sido aberto”, explicou. “Falaram para o Gaeco porque já tinha sido todo mundo denunciado. Como eles estavam presos, não tinha mais a pressão direta do major [Edson Santos] e do tenente [Luiz Felipe de Medeiros].”

A única PM entre os cinco que foi denunciada é a soldado Thaís Rodrigues Gusmão, que responderá por tortura e ocultação de cadáver. Segundo a promotora, ela ficou do lado de fora do contêiner da UPP, junto com mais 11 colegas, vigiando para que ninguém se aproximasse do local enquanto Amarildo era torturado. “Analisamos a conduta e entendemos que, no caso dela, ela teve uma conduta ativa, ela não trabalhou por omissão. Ela é a única que ficou do lado de fora do contêiner, com anuência do major, e ele só deixou do lado de fora policiais que eram da confiança dele”, afirmou Carmen.

A policial contou em depoimento que o major a mandou ir até o Parque Ecológico da Rocinha, que fica ao lado da UPP, para apagar as luzes da área. A PM contou que viu mais três colegas à paisana no local. A soldado também apontou o tenente Luis Felipe de Medeiros, então subcomandante da UPP, como um dos envolvidos no crime. Medeiros e Santos são acusados de tortura, ocultação de cadáver, formação de quadrilha e fraude processual.

Praticamente finalizada, a investigação feita pela Polícia Civil e pelo Ministério Público só não conseguiu responder a pergunta que ecoou em protestos por todo o Brasil: cadê o Amarildo? “A gente não tem nenhum dado de local do corpo do Amarildo. Seria excelente para o processo e para a família dele achar o corpo, mas a existência do crime está evidente pela prova testemunhal”, explicou a promotora, ressaltando que, no entanto, o Gaeco atuará sempre que houver pistas sobre o paradeiro do corpo.

 

  • Baseado em investigações da Polícia Civil e do Gaeco, o Ministério Público ofereceu denúncia à Justiça na qual acusa 25 PMs de participação no desaparecimento de Amarildo e descreve o que aconteceu com ele na noite em que foi morto

Ao todo, 25 policiais da UPP da Rocinha foram denunciados por tortura seguida de morte, 17 por ocultação de cadáver, 13 por formação de quadrilha e quatro por fraude processual. Entre os denunciados, 13 estão presos --entre eles o major Edson Santos, ex-comandante da UPP, e o tenente Luiz Felipe de Medeiros, ex-subcomandante da unidade--, e 12 vão responder em liberdade.

Para a Polícia Civil, Amarildo foi torturado e morto depois de ter sido levado por policiais para a sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na comunidade, um dia depois de a PM realizar a operação Paz Armada, que investiga o tráfico de drogas na Rocinha.

De acordo com o delegado Rivaldo Barbosa, que coordenou a investigação, as pessoas que se disseram vítimas de tortura de policiais da UPP da Rocinha foram ouvidas de março a julho deste ano para revelar detalhes do esquema do tráfico de drogas no local.

Todas as 22 testemunhas que narraram mecanismos de tortura apontam homens comandados pelo major Edson Santos (ex-comandante da UPP) como agressores. Pela linha de investigação da polícia, Amarildo seria a 23ª vítima do grupo - e a única que foi morta.