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Denúncias de excessos da PM em abordagens crescem 106% em SP

Gil Alessi

Do UOL, em São Paulo

01/11/2013 08h26Atualizada em 01/11/2013 18h05

As denúncias de excessos cometidos por policiais militares durante abordagens cresceram 106% no primeiro semestre de 2013 em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 66 reclamações registradas neste ano ante 32 em 2012, de acordo com dados da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo.

No domingo (27), o adolescente Douglas Rodrigues, 17, morreu após ser baleado por um PM durante uma abordagem na Vila Medeiros, zona norte da capital paulista.

A defesa afirmou que houve o disparo acidental da arma do policial no momento em que descia do carro para iniciar a revista. O soldado será indiciado por homicídio culposo (quando não há intenção de matar).

De acordo com moradores do bairro ouvidos pela reportagem do UOL durante a semana, abordagens nas quais PMs "já chegam colocando a arma em nossas cabeças" são comuns.

A prática --que supostamente provocou a morte de Douglas-- contradiz os manuais da própria PM, segundo os quais a pistola deve mirar o chão durante o procedimento.

Procurada, a PM se manifestou por meio de sua assessoria de imprensa. Afirma que "números pequenos são estatisticamente irrelevantes e não permitem qualquer tipo de conclusão"

"Num universo de 6,5 milhões de abordagens realizadas no período apontado, apenas 66 reclamações chegaram à Ouvidoria (0,001 % do total de abordagens realizadas). Isso, no mínimo, deve recomendar um cuidado na análise, pois não configuram, sequer, uma amostra científica", informa o comunicado enviado ao UOL, que pode ser lido na íntegra ainda nesta reportagem.

“A abordagem com excesso não dignifica a polícia, é uma lástima, é inadequado e faz com que o cidadão se sinta humilhado. O procedimento fora do padrão afasta a população da PM”, disse Luiz Gonzaga Dantas, ouvidor da Polícia do Estado desde 2009.

O ouvidor credita o aumento no número de denúncias a uma maior confiança da população no órgão, e também à disseminação de comportamentos inadequados dentro corporação.

Para o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Martim Sampaio, “esse crescimento é alarmante, especialmente quando se considera que ele deve ser ainda maior, já que existe o fenômeno da subnotificação das denúncias, uma vez que muitas pessoas tem receio de registrar um boletim de ocorrência ou de fazer uma reclamação na Ouvidoria”.

Denúncias envolvendo a POLÍCIA MILITAR EM SÃO PAULO

 1º semestre de 20121º semestre de 2013Variação
Excessos durante abordagem3266106%
Má qualidade no atendimento32953964%
Ameaças324241%
Infrações disciplinares28334321%
Prevaricação739530%
Homicídios197140- 29%
Corrupção passiva6254- 13%
Lesão corporal1610- 38%
  • Fonte: Ouvidoria da Polícia de SP

Na opinião do advogado, o aumento de 106% pode ser considerado um número “conservador” se levado em conta os casos que não chegam ao conhecimento da polícia.

Sampaio disse acreditar que existe uma relação direta entre a violência sofrida pelos jovens nas periferias e protestos como os que irromperam na zona norte desde o final de semana.

O ouvidor informou que as denúncias são apuradas e encaminhadas para a Corregedoria da PM. “A partir daí nós monitoramos para ver quais as providências tomadas”, afirmou. “Mas esse processo demora. Alguns casos demoram mais de três anos."

Dantas não soube dizer quantos policiais foram afastados por excessos nas abordagens. “Ainda não temos esses dados”, disse.

Desde o final de semana  ao menos três pessoas morreram em incidentes envolvendo PMs. Além de Douglas, o cabeleireiro Severino Paulo de Oliveira Filho, 49, foi morto no sábado (26) ao ser baleado durante uma perseguição da polícia a bandidos no bairro Parque Regina, zona sul da capital, e Jean Silva, 17, foi morto por um policial à paisana, após suposta tentativa de assalto.

Denúncias de homicídio

O número de homicídios com envolvimento de PMs denunciados à Ouvidoria no primeiro semestre caiu 29%, de 197 casos em 2012 para 140 este ano. Queixas envolvendo corrupção passiva também diminuíram: de 62 reclamações em 2012 para 54 este ano, queda de 13%.

Os casos de lesão corporal enviados ao órgão também caíram: de 16 em 2012 para dez este ano. 

Reformas

Para o ouvidor da polícia, "a instituição é antiga, tem mais de dois séculos. Muita coisa mudou desde que ela foi criada, e a sociedade pede uma reforma da corporação, para que ela se adeque às necessidades do processo democrático”.

Questionado sobre a desmilitarização da Policia Militar, defendida por movimentos sociais e especialistas, o ouvidor afirmou que “pode ser um caminho, parte da sociedade pede isso". "É preciso que haja uma discussão maior sobre o assunto."

Polícia Civil

Uma das maiores reclamações feitas com relação à Polícia Civil é com relação ao mau atendimento à população. Foram 141 queixas no primeiro semestre de 2012, ante 213 este ano, um aumento de 51%.

As infrações disciplinares reportadas à Ouvidoria aumentaram 47%, de 60 no ano passado para 88 em 2013.

Leia a íntegra do comunicado da PM enviado ao UOL

"A abordagem, ou busca pessoal, é uma das mais importantes ferramentas para a prevenção à violência. Por meio desse trabalho, são apreendidas armas de fogo, drogas e objetos ilícitos em geral, além de presos criminosos procurados pela Justiça. Por esse motivo, a Polícia Militar mantém continuado treinamento para todo o seu efetivo, de modo a desenvolver o trabalho de forma profissional, correta e dentro dos ditames da lei.

A maneira como os dados da Ouvidoria são trabalhados tenta induzir o interlocutor a acreditar que a Polícia Militar cometa excessos de forma constante e que esses excessos vêm aumentando sistematicamente.

Os números foram avaliados de maneira incoerente – para não dizer leviana –, não apresentam consistência, tampouco rigor estatístico. A Ouvidoria recebe queixas e as remete às corregedorias das polícias, mas não tem condições de avaliar o cenário mais amplo que envolve a atividade policial nem possui capacidade técnica para produzir estatísticas. A evidência mais contundente disso está na comparação de números pequenos, sem significância estatística, numa verdadeira tentativa de alarmar as pessoas para um fato inverídico.

Números pequenos são estatisticamente irrelevantes e não permitem qualquer tipo de conclusão. Num universo de 6,5 milhões de abordagens realizadas no período apontado, apenas 66 reclamações chegaram à Ouvidoria (0,001 % do total de abordagens realizadas). Isso, no mínimo, deve recomendar um cuidado na análise, pois não configuram, sequer, uma amostra científica.

Dessa forma, a Polícia Militar repudia qualquer tentativa de manipulação de dados numéricos e reafirma o seu compromisso com o respeito integral aos Direitos Humanos. Essa elevação percebida pela Ouvidoria pode indicar, até mesmo, uma modificação na forma como o órgão trabalha os dados, mas não implica, necessariamente, um problema na Polícia Militar.

Outro aspecto que é importante destacar é a incontestável competência da Polícia Militar em sua depuração interna. Todo e qualquer tipo de denúncia é pronta e rigorosamente apurado, pois a Instituição é implacável contra eventuais desvios de conduta. O que não se pode, entretanto, é tomar o todo pela parte, principalmente sendo uma parte insignificante, ou seja, um traço estatístico. Isso não revela profissionalismo, mas uma tendência a defender um ponto de vista ideológico não amparado na realidade."