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Menino Bernardo procurou ajuda, mas auxílio só chegou depois de sua morte

Do UOL, em Porto Alegre

17/04/2014 11h16Atualizada em 17/04/2014 12h33

Quando Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, procurou ajuda no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), de Três Passos (cidade no norte gaúcho), pegou todos de surpresa.

Um menino de classe alta, que não sofria violência física, chegar sozinho em busca de ajuda gerou estranheza. Entretanto, o caso já era de conhecimento das autoridades - que haviam recebido havia dois meses antes relatos de problemas na família Boldrini - e foi levado adiante.  

Nesse meio tempo, antes que o desejo do menino de mudar de família fosse realizado, ele desapareceu. A Justiça ordenou que, no momento em que ele reaparecesse, fosse retirado da casa em que vivia com o pai, o cirurgião Leandro Boldrini, 38, e a madrasta, Graciele Ugolini, 32. Mas era tarde demais. Bernardo já estava morto. 

Bernardo foi encontrado no último dia 14, enterrado em um saco plástico em um matagal à beira de um rio na cidade vizinha de Frederico Westphalen (434 km de Porto Alegre). A principal suspeita recai sobre o pai, a madastra e uma terceira pessoa, Edelvânia Wirganovicz, assistente social e amiga de Graciele.

O pai nega. A madrasta ainda não tem advogado constituído.

O sistema de amparo à criança da cidade de Três Passos tomou conhecimento do caso ainda em novembro de 2013. Depois de relatos colhidos na comunidade do suposto abandono afetivo do menino, uma assistente social da prefeitura comunicou à promotora da Infância e da Juventude da cidade, Dinamárcia de Oliveira, o que estava ocorrendo.

No fim do mês, a promotora recebeu o Conselho Tutelar, que indicava que o menino precisava de ajuda, já que havia fortes indícios de negligência familiar.

A escola em que Bernardo estudava, por exemplo, afirmou que o menino apresentava dificuldades, que poderiam ser explicadas por problemas afetivos. Já a família não respondia aos chamados dos professores para debater a situação do garoto.

Aos conselheiros tutelares Leandro teria dito para que cuidassem "das crianças maltratadas", mostrando desinteresse pelo caso do filho.  

Em dezembro, uma assistente social da prefeitura encaminhou um relatório à promotora Dinamárcia, no qual explicitava o dia a dia de Bernardo sem a participação do pai. No documento, a assistente comentou a dificuldade de relacionamento do menino com a madrasta e o explícito desinteresse de Leandro.

Ela disse, por exemplo, que Bernardo procurava refúgio na casa de amigos, onde comia e até dormia, sem o pai aparecer para procurá-lo. Ao mesmo tempo, Leandro não comparecia às reuniões marcadas pelo Conselho Tutelar.  

A família materna de Bernardo tomou conhecimento de que o MP estava preocupado com o menino. A avó do garoto, Jussara Uglione, se apresentou para ser ouvida. Idosa e doente, pediu que a audiência fosse na sua cidade domicílio, Santa Maria. No encontro com o MP, Jussara formalizou interesse na guarda do neto.  

No fim de janeiro, em Três Passos, Bernardo, sozinho, procurou o Cededica, no fórum da cidade. Ele disse que queria sair de casa e ir morar com outra família. Os motivos seriam as constantes brigas com a madrasta e o fato de o pai não tomar providências em relação a isso.

O garoto foi encaminhado à promotora Dinamárcia, a quem confirmou os problemas em casa, como os xingamentos por parte da madrasta e o desinteresse do pai.

A família apontada por Bernardo como de seu interesse em viver junto foi, então, procurada. Disseram que não podiam cuidar do garoto, pois não queriam problemas com seu pai - Leandro é o único cirurgião da cidade, condição que o torna de extrema influência no pequeno município.  

Era o último dia de janeiro quando o MP ajuizou uma medida protetiva, solicitando à Justiça que passasse a guarda do menino à avó materna. Na ocasião, foi marcada uma audiência entre Leandro e o juiz da Infância e da Juventude, Fernando Vieira dos Santos.

Dez dias depois, diante o juiz, o pai de Bernardo afirmou que não queria entregá-lo, e pediu uma chance de reaproximação com o filho. O juiz aceitou, e marcou uma nova reunião para 13 de maio, com a presença dos dois.

Enquanto isso, a rede de proteção infantil deveria observar a família e reportar à promotoria, o que não aconteceu.  Até o menino ser encontrado morto, nenhum relatório chegou à mesa de Dinamárcia.  

O MP, quando soube do desaparecimento de Bernardo, já no dia 7 de abril, pediu à Justiça que o menino fosse imediatamente levado à avó, em Santa Maria.

O juiz, por sua vez, alegando que não tinha elementos que comprovassem que a avó poderia dar abrigo ao garoto, determinou que, assim que ele reaparecesse, fosse levado a um abrigo.

Uma semana depois, o corpo de Bernardo era encontrado.    

"Nesse caso, como não houve violência, por tratar-se de questão afetiva, nós apostamos na preservação dos laços familiares. Chamamos o pai e suspendemos o processo por 60 dias, esperando que houvesse reconciliação. Infelizmente, aconteceu o pior", lamentou, visivelmente abalado, o juiz da Infância e da Juventude, Fernando Vieira dos Santos.