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Mãe de dançarino da Globo defende que filho foi torturado pela polícia

Maria de Fátima Silva, mãe do dançarino morto, chega à 13ª DP (Copacabana) com o advogado - Gustavo Maia/UOL
Maria de Fátima Silva, mãe do dançarino morto, chega à 13ª DP (Copacabana) com o advogado Imagem: Gustavo Maia/UOL

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio de Janeiro

23/04/2014 12h43Atualizada em 23/04/2014 19h50

A mãe de Douglas Rafael da Silva Pereira, 26, o dançarino DG do programa "Esquenta" da TV Globo, encontrado morto na terça-feira (22) em uma escola municipal no morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, afirmou na manhã desta quarta-feira (23) que tem certeza de que ele foi torturado por policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) instalada na comunidade e declarou que vai processar o Estado pela morte do filho.

"A UPP é uma farsa, uma mentira", disse a enfermeira Maria de Fátima Silva, 56, enquanto esperava para prestar depoimento na 13ª DP (Copacabana). Ela chegou à delegacia às 10h45 levando um documento obtido no IML (Instituto Médico Legal) na noite de terça, que aponta uma "hemorragia interna decorrente de laceração pulmonar decorrente de ferimento transfixante do tórax" como causa da morte. De acordo com o documento, Douglas foi vítima de uma "ação pérfuro-contundente".

"Ele não morreu de queda, como disse a polícia. Foi alguma coisa pontiaguda. Eu fiquei com o corpo do meu filho até as 3h30 da madrugada e vi que ele tem um afundamento no crânio, um corte no supercílio e está com o nariz roxo. Eu acredito que mataram ele. Tenho certeza que ele foi torturado pelos policiais da UPP", disse a enfermeira.

De acordo com Maria de Fátima, a ex-namorada de Douglas, com quem ele teve uma filha, que tem 4 anos, viu o corpo do dançarino ainda na escola. "Ela contou que ele estava em posição de defesa. Tiraram fotos do local e tinha marcas de sangue na parede", relatou.

Segundo a mãe de DG, que soube da morte do filho apenas às 18h de ontem, os relatos dos moradores do morro levam a crer que os policiais tentaram desfazer a cena do crime. "A escola onde ele foi encontrado está desativada e os moradores disseram que desde as nove da manhã viram um entra e sai de policiais lá. Aí colocaram uma criança em cima do muro e ele viu que o meu filho estava lá deitado, morto", contou Maria de Fátima.

Ainda de acordo com a enfermeira, os documentos de Douglas, devolvidos a ela ontem à noite, na delegacia, estavam molhados. "Eu acredito que os policiais tentaram limpar a cena do crime. Ele estava todo molhado e os documentos também. E não choveu segunda de noite", disse Maria de Fátima. "Eu vou processar o Estado. A morte dele não vai ficar por isso mesmo que eu não vou deixar."

A mãe do dançarino também afirmou que Douglas havia ensaiado com o grupo na noite da segunda e iria entregar R$ 800 para a mãe da filha dele, de 4 anos. Segundo ela, o dinheiro desapareceu.

Em nota, a Polícia Civil afirmou que “as investigações para apurar as circunstâncias das mortes de Douglas Rafael da Silva Pereira e Edilson da Silva dos Santos [morto durante o protesto contra a morte do dançarino] estão em andamento. Policiais militares estão sendo ouvidos  e familiares e testemunhas estão sendo chamados para prestar depoimento. A delegacia aguarda ainda o resultado dos laudos das perícias para esclarecer a causa das mortes.”

Enterro "sem maquiagem"

Segundo Maria de Fátima, o enterro de DG vai acontecer às 15h desta quinta-feira (24), no Cemitério São João Batista, em Botafogo, na zona sul do Rio. Ela afirmou que o velório está previsto para começar às 17h de hoje. "Tive que pedir pra embalsamarem o corpo dele porque a irmã dele mora na Espanha e só vai conseguir chegar hoje à noite. Também têm caravanas que vêm de outros Estados. Ele era muito querido", disse a enfermeira.

Ela disse ainda que pediu aos responsáveis pela preparação do corpo que não maquiassem o rosto machucado do filho. "Eu quero que vejam o que fizeram com ele. Não quero que maqueiem ele", afirmou.

A enfermeira agradeceu a mobilização dos moradores do Pavão-Pavãozinho na noite de ontem. "Agradeço imensamente a coragem do povo de lá. Nem eu nem meu filho moramos lá, mas as pessoas gostavam muito dele. Se não fosse pela população, ele poderia ter sido enterrado como indigente", declarou. Sobre o confronto entre moradores e policiais, ela disse que o "povo gritou como sabe gritar".

Maria de Fátima disse que prefere ficar com a lembrança do filho vestido de coelhinho de Páscoa, entregando ovos de chocolate, no programa Esquenta do último domingo. "Eu até brinquei com ele porque a fantasia era rosa e ele disse que era em homenagem à filha [Layla, de 4 anos]. Ele era muito, muito alegre".

Depoimento

Pouco antes do meio-dia, Maria de Fátima começou a prestar depoimento, acompanhada do advogado Rodrigo Mondego, que é integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro). Mondego é presença habitual nos protestos que ocorrem constantemente na cidade desde junho do ano passado.

Na noite de terça-feira, depois do protesto que resultou na morte de outro homem, ela foi à delegacia outras duas vezes, mas foi orientada por um inspetor a voltar para prestar depoimento hoje. "Me disseram para cuidar do corpo dele e voltar hoje de manhã", disse.

A enfermeira saiu da delegacia às 14h40 e disse que o delegado titular Gilberto da Cruz Ribeiro "se comprometeu a apurar a verdade". Ela fez ainda um apelo para que moradores que possam ter visto PMs entrando na creche antes da chegada da perícia denunciem. A mãe do dançarino disse ainda que recebeu informações de que haveria dois projéteis ao lado do corpo do filho.