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À espera de emprego, haitianos sonham em trazer famílias para o Brasil

Haitianos que chegaram a São Paulo nas últimas semanas vindos do Acre, após o fechamento de abrigo de Brasileia, aguardam em frente à Casa do Migrante, mantida pela paróquia Nossa Senhora da Paz (centro de SP), onde estão abrigados, para expedirem carteiras de trabalho - Rodrigo Capote/UOL
Haitianos que chegaram a São Paulo nas últimas semanas vindos do Acre, após o fechamento de abrigo de Brasileia, aguardam em frente à Casa do Migrante, mantida pela paróquia Nossa Senhora da Paz (centro de SP), onde estão abrigados, para expedirem carteiras de trabalho Imagem: Rodrigo Capote/UOL

Vanessa Corrêa da Silva

Do UOL, em São Paulo

01/05/2014 06h01

Com uma toalha cor de rosa pendurada no pescoço, Samuel Gracia, 20, caminha pelo pátio da igreja Nossa Senhora da Paz, no bairro da Liberdade, região central de São Paulo. Em um inglês truncado, Samuel explica que mora no local, onde, além da igreja, é mantida a Casa do Migrante, desde o dia 23 de abril, quando chegou à cidade em um ônibus vindo do Acre.

Seu último emprego no Haiti foi como professor de violino, um dos cinco instrumentos que sabe tocar. Ele deixou seu país em busca de trabalho no Brasil e sente saudades dos pais e de seus sete irmãos. “Você tem um telefone?”, pergunta à reportagem do UOL. “Preciso ligar para minha família.”

Samuel é um dos cerca de 800 haitianos que chegaram a São Paulo nas últimas semanas, após o fechamento do abrigo de Brasileia no Acre, principal porta de entrada no Brasil para quem sai do Haiti. Muitos vieram com destino ao sul do país, onde esperam conseguir trabalho, mas a maior parte desses imigrantes permanece em São Paulo.

Atualmente cerca de 280 deles encontram-se abrigados na Casa do Migrante, mantida pela paróquia Nossa Senhora da Paz. A casa tem capacidade para 110 pessoas, mas a chegada inesperada de centenas de haitianos fez com que os responsáveis do local improvisassem um abrigo no salão de festas da igreja, onde atualmente dormem 170 pessoas.

“Os ônibus começaram a chegar na segunda semana de abril e começamos a colocar as pessoas no salão. A prefeitura enviou cerca de cem colchões somente na semana passada, mas muitos ainda estão dormindo no chão sobre cobertores”, explica o padre mexicano Alejandro Cifuentes, um dos responsáveis pelo abrigo.

É ali que mora também Auguste Lubain, 28, que chegou a São Paulo há 20 dias, depois de passar 18 dias no abrigo de Brasileia, no Acre.

Auguste fala espanhol, idioma que aprendeu durante os dez anos em que morou na República Dominicana, onde trabalhava como vendedor em uma loja de roupas. Ele veio para o Brasil em busca de um emprego que lhe dê melhores condições de sustentar a mulher e seus dois filhos, de três e seis anos, que ficaram no Haiti.

Ele conta que pagou US$ 4.500 pela viagem, dinheiro entregue a um “coiote” em Santo Domingo, capital da República Dominicana. Dali, viajou de avião até o Equador e depois de ônibus até o Peru, onde ele e seus companheiros tiveram que pagar mais US$ 100 a oficiais da fronteira peruana para entrar no país.

Após seis dias, conseguiu chegar ao Acre. Do Estado no norte do país até São Paulo, foram mais quatro dias, tempo em que teve de se virar para arrumar comida, já que o governo do Acre não forneceu nenhum tipo de alimentação durante a viagem.

Mesmo em um abrigo superlotado, Auguste não reclama das condições no local. “Tenho comida e um lugar onde dormir aqui.”

Ele explica que os moradores da Casa do Migrante devem deixar os quartos por volta de 8h, após o café da manhã, e só podem voltar após as 16h. “Para matar o tempo, fico dando voltas na rua”, diz ele, que já conseguiu uma carteira de trabalho e agora aguarda uma oferta de emprego. 

Quando morava em Santo Domingo, Auguste costumava fazer visitas à família, mas ainda não conseguiu falar com a mulher desde que chegou ao Brasil. “Vim para trabalhar, preciso sustentar minha família. O governo brasileiro fez o acordo com o governo do Haiti e então criou uma oportunidade para a gente vir para cá, para melhorar a vida. Espero poder trazer minha família para cá daqui um tempo”, diz ele.

Essa também é a vontade de Mondesir Telasco, 27, que chegou a São Paulo no dia 11 de abril. Ao contrário da maioria dos imigrantes haitianos que vêm ao país, Mondesir não passou pelo Acre, pois veio direto de um voo saído de Porto Príncipe. Ele trabalhava como comerciante no Haiti, mas já estava desempregado há quatro meses quando decidiu vir para o Brasil, deixando a mulher e dois filhos, de quatro e dois anos.

Veio sozinho, mas logo fez amizade com outro haitiano, com quem está morando em uma pensão no bairro da Liberdade. Ele conta que o amigo arrumou um emprego nesta terça-feira (29), mesmo dia em que Mondesir recebeu sua carteira de trabalho. Agora ele espera ter a mesma sorte.

Em busca de emprego

Nesta quarta-feira (30) o Ministério do Trabalho realizou um mutirão para expedir carteiras de trabalho aos haitianos que têm chegado a São Paulo.

Organizados em fila, dezenas de imigrantes aguardavam para serem levados em vans a um posto da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo para a emissão do documento.

Entre eles estava Augustin Joceléne, 28, uma das poucas mulheres abrigadas na Casa do Migrante. Ela chegou ao Acre no dia 15 de abril e está em São Paulo há dois dias.

Formada em gastronomia e confeitaria, passou três anos sem emprego no Haiti, até decidir vir para o Brasil. Solteira, Augustin deixou os pais em Porto Príncipe e agora espera viver com uma amiga, que já conseguiu emprego na cidade.

Os imigrantes que aguardavam para receber suas carteiras de trabalho eram orientados com a ajuda de Pierre Benoit. Com 28 anos (“Não parece, né?”), Pierre está há um ano e três meses no Brasil e já trabalhou em São Paulo, Santa Catarina e Mato Grosso.

Seu último emprego foi em Brusque (SC), onde era auxiliar de produção em uma fábrica de eletrodomésticos, mas após três meses resolveu voltar para São Paulo por causa do clima. “Lá é muito frio, tem neve, eu não fico mais”, explica em português fluente, enquanto ajeita o casaco para se proteger do vento no pátio da igreja.

Em São Paulo, Pierre realizou cursos para trabalhar como pedreiro, azulejista e segurança em obras na construção civil e há dois meses procura um novo emprego. Ele mora em uma casa no Campo Limpo, na zona oeste de São Paulo, com dois primos e sua mulher, que procura trabalho há nove meses.

Também morando no Brasil há mais de um ano, Bodlin, 20, passou dois meses no Acre antes de se mudar para São Paulo e na tarde desta quarta-feira (30) aguardava atendimento na Casa do Migrante para renovar seu passaporte.

“Vim para cá porque preciso de um futuro”, explica o jovem, que preferiu não falar seu sobrenome. Em português, ele conta que estudou até o penúltimo ano na escola e que deixou os pais e quatro irmãos no Haiti. Além do pai, que é soldador, apenas um dos irmãos tem emprego atualmente. "Mas tem muita gente que não quer vir para o Brasil porque vê que as pessoas estão sofrendo, que não têm o que comer e onde dormir.”

Bodlin mora em uma pensão no bairro do Brás, onde divide um quarto com dois amigos haitianos. Já trabalhou em Santos e em Ribeirão Preto, sempre em vagas temporárias na construção civil, e voltou há dois meses para São Paulo.

Das três cidades, diz que a preferida é Santos, “porque tem praia”, e a de que menos gosta é São Paulo. “Tem muito ladrão e muita pessoa louca por causa de drogas. As coisas aqui são caras, o aluguel é caro e é mais difícil arrumar emprego”, enumera.

Ainda assim, ele acredita que sua situação no país é boa e, por isso, se recusa a tirar fotos para a reportagem. “Se apareço na foto e minha família vê, vão ficar preocupados, achando que estou passando dificuldades”, explica.