Topo

Criado como alternativa à praia suja, Piscinão de Ramos tem lodo e lixo

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

29/01/2015 06h00

Com a promessa de criar no local uma alternativa à praia de Ramos, na zona norte do Rio de Janeiro --banhada pela Baía de Guanabara, poluída e imprópria para banho há décadas--, o governo do Estado inaugurou, em dezembro de 2001, um lago salgado artificial de 26 mil m², preenchido com 30 milhões de litros de água do mar tratada. O Piscinão de Ramos teria “as águas mais limpas do Rio de Janeiro”, segundo a propaganda oficial.

Mais de 13 anos depois, apesar de a Rio-Águas (Fundação Instituto das Águas do Município do Rio) informar que o tratamento da água do piscinão ocorre diariamente e garantir que o lago está próprio para banho, o que se vê a olho nu indica o contrário. Lodo está impregnado no fundo e nas margens do piscinão. Lixo boia no espelho d’água, principalmente embalagens de alimentos industrializados e copos descartáveis. A água tem coloração escura, “barrenta”.

Alheios a este cenário, milhares de banhistas parecem não se importar com a sujeira aparente e continuam a lotar o piscinão neste verão de altíssimas temperaturas. Mas, entre quem frequenta o local desde sua criação, há quem prefira evitar entrar em contato com a água do lago salgado.

“Tem mais de um ano que eles não fazem a limpeza geral. Eu não entro porque tem muito lodo que se junta com o tempo”, afirma o comerciante, Raphael Santos Oliveira, 31, morador de Ramos. A “limpeza geral” citada por Raphael ocorre quando o piscinão é totalmente esvaziado e tem a lona de polietileno que reveste o fundo do lago retirada, limpa e recolocada. A última manutenção deste tipo aconteceu em novembro de 2013, após um longo período de abandono do piscinão. O processo durou 30 dias.

Segundo a Rio-Águas, todo o volume de água do lago salgado é trocado entre sete e dez dias. Já a troca da “manta” ocorre “em média de dois em dois anos”. Raphael diz entender que é complicado deixar a população sem o piscinão durante um mês durante o verão, mas defende que a limpeza seja feita pelo menos uma vez por ano, “no inverno, por exemplo”.

Durante as férias escolares, o estudante Renan Neves, 11, que mora em Olaria, também na zona norte, frequenta o Piscinão de Ramos quase todos os dias. Mas não para tomar banho. “Eu tenho nojo de entrar. Como eu solto muita pipa, às vezes fico com o dedo machucado, e tenho medo de pegar uma infecção com essa água”, diz o jovem.

Banheiros "sem dono", cocô no piscinão

A reportagem caminhava pela areia no entorno do piscinão, próximo à a água, quando uma frequentadora alertou: “cuidado com o cocô ali, é de criança”. O olhar mais atento descobriu outros “exemplares” nas margens do lago.

No entorno do piscinão, a condição precária dos três banheiros públicos do espaço ajuda a explicar por que alguns banhistas preferem fazer suas necessidades ao ar livre. "Os banheiros estão todos entupidos, quebrados. Precisa de manutenção. Na água, até que fazem manutenção regularmente, mas precisa fazer manutenção nos equipamentos do entorno", reclama a comerciante Lizete da Silva, 69.

Um odor forte de urina e fezes toma conta do interior e do entorno dos banheiros e chega a provocar náusea. Grandes vazamentos fazem pais terem que carregar seus filhos para entrar nos espaços.

Por que essa situação não se resolve? Não há qualquer resposta dos órgãos que administram o Parque Ambiental Carlos Roberto de Oliveira ‘Dicró', onde fica o piscinão.

Isso porque, segundo a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, gestora do parque, a responsabilidade da limpeza do entorno e dos banheiros é da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana). Procurada pelo UOL, a asssessoria de imprensa do órgão, por sua vez, informou que essa não era uma atribuição da companhia. A reportagem procurou a ONG Ecos (Espaço, Cidadania e Oportunidades Sociais), contratada para gerir os espaços esportivos do parque, que também se isentou de responsabilidade.

Sobre a limpeza e coleta de lixo no piscinão, a Comlurb informou que o serviço é realizado diariamente e é feito por 10 garis --"o efetivo pode aumentar conforme a frequência e quando acontece eventos". Segundo a companhia, a quantidade de lixo recolhido em dias de maior frequência é de aproximadamente nove toneladas.

Banho na Baía de Guanabara

Se a sujeira aparente no Piscinão de Ramos levanta dúvidas sobre a qualidade da água no lago, na Baía de Guanabara a poluição é uma certeza. Mesmo sendo apontada como imprópria para banho em todas as medições disponíveis no portal do Inea (Instituto Estadual do Ambiente) desde 2000, a praia de Ramos continua a atrair banhistas, geralmente os mais jovens.

Na último dia 20, a reportagem conversou com três meninos de Duque de Caxias, de 12, 14 e 15 anos, que nadavam e brincavam na água suja e fedorenta entre peixes mortos e diversos tipos de resíduos. Na areia, o lixo incluía sandálias, caixas, latas, garrafas, embalagens e até um carrinho de bebê velho.

Durante a aventura pela Baía de Guanabara, o mais novo, João Victor da Silva, pegou um peixe morto e o exibiu para a reportagem. “Não tenho medo de doença”, respondeu o menino, ao ser questionado se temia os efeitos da poluição da água. Acompanhado dos dois primos e da mãe, que estava no piscinão, ele ainda disse que a sujeira "só fica na beira da praia”. “É melhor que o piscinão porque a água é mais gelada e lá é toda quente”, tentou justificar. “Se os moleques pulam no valão de [Duque de] Caxias, por que eu não poderia entrar aqui?”

O bombeiro guarda-vidas Valdinei Ferreira, 45, que trabalha no local desde sua inauguração, conta que orienta os frequentadores do piscinão a não entrarem a nas águas turvas da praia de Ramos. “Quando o piscinão está muito cheio, algumas pessoas entram na água suja da Baía de Guanabara. A gente sempre orienta para não ir, até porque, além de ser poluído, é profundo e tem lama, fica perigoso. Às vezes a gente tem que entrar lá para resgatar alguém", conta.