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PEC da redução da maioridade penal cita Bíblia e é criticada por teólogos

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

07/04/2015 06h00

Após a discussão sobre a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da maioridade penal ter avançado na semana passada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, o texto é criticado por teólogos religiosos e leigos (não-religiosos) por utilizar trechos da Bíblia como justificativa para a diminuição da idade penal. A PEC, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, faz citações a três personagens bíblicos para fundamentar a medida. A proposta ainda precisa ser votada na Câmara e no Senado para entrar em vigor. Para teólogos ouvidos pelo UOL, a Bíblia não deveria ser a única justificativa para a medida.

A PEC 171/93 foi apresentada pelo ex-deputado federal Benedito Domingos em 1993, à época no PP do Distrito Federal. O texto da PEC tem duas páginas (disponíveis nos arquivos digitais da Câmara dos Deputados).

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No campo “justificação”, destinado a explicar os motivos da emenda, o texto faz três referências a diferentes personagens da Bíblia: Salomão, Davi e o profeta Ezequiel. Não há nenhuma referência no texto sobre dados estatísticos ou pesquisas para embasar a redução da maioridade penal na PEC 171.

O texto argumenta que “o moço hoje entende perfeitamente o que faz e sabe o caminho que escolhe. Deve ser, portanto, responsabilizado por suas opções”. Para justificar esse ponto de vista, o texto relembra o profeta Ezequiel, do Velho Testamento.

“A uma certa altura, no Velho Testamento, o profeta Ezequiel nos dá a perfeita dimensão do que seja a responsabilidade pessoal: Não se cogita nem sequer de idade: ‘A alma que pecar, essa morrerá’”, diz o texto da PEC.

Em outro trecho, a PEC cita o rei Davi, um dos mais influentes da história do judaísmo. “Davi, jovem, moderno pastor de ovelhas acusa um potencial admirável com seu estro de poeta e cantor dedilhando a sua harpa, mas ao mesmo tempo, responsável suficiente para atacar o inimigo do seu rebanho”, continua o texto.

O terceiro personagem citado pela PEC é o rei Salomão. “Salomão, do alto de sua sabedoria, dizia: ‘Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velha não se desviará dele’”, diz o trecho.

Críticas

Para o pós-doutor em Teologia e professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Alex Vilas Boas, a utilização de trechos da Bíblia para justificar a redução da maioridade penal é vista com preocupação.

“Esse é um assunto extremamente delicado e os trechos da Bíblia não deveriam ser a única justificativa para a aprovação dessa matéria. O problema não é usar a Bíblia, mas é como ela é interpretada”, afirmou.

Vilas Boas diz que há grupos que se apropriam do discurso religioso para atuar de forma política. Ele diz que usar a Bíblia como base para justificar a redução da maioridade penal não é diferente do que alguns regimes islâmicos fazem ao usar a sharia (conjunto de leis baseada no Alcorão) para justificar penas como a aplicação de chibatadas ou a morte por apedrejamento.

“O mecanismo é o mesmo. Utiliza-se uma experiência religiosa de um segmento do povo para justificar práticas políticas impostas a toda população”, afirmou o professor.

As críticas em relação ao uso da Bíblia para justificar a redução da maioridade penal partem até mesmo de de religiosos. O padre Denilson Geraldo é professor da PUC-SP,  doutor em direito canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma e mestre pelo Instituto de Direito Canônico de São Paulo. Ele também é contrário ao uso de trechos da Bíblia como base para fundamentar a PEC da redução da maioridade penal. 

“Quando se tira um texto do seu contexto, o que se cria, na realidade, é um pretexto. E isso é muito perigoso. Não acho que a Bíblia deveria ser utilizada dessa forma para justificar a redução da maioridade penal. Na época em que a Bíblia foi escrita, não havia o entendimento que temos hoje sobre a infância e a adolescência. Não podemos desconsiderar isso”, afirmou.

O padre Denilson Geraldo aponta ainda a falta de embasamento científico da emenda. “Há inúmeros estudos sobre o assunto mostrando que o problema da criminalidade não recai exclusivamente sobre os jovens. Usar apenas a Bíblia para fundamentar isso seria um erro”, diz. A CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) já se manifestou contra a redução da maioridade penal.

O deputado federal Marcos Rogério (PDT-RO), relator do voto que baseou a aprovação da admissibilidade da PEC na CCJ da Câmara, diz respeitar a argumentação feita pelo ex-deputado federal Benedito Domingos em 1993, mas afirma que o argumento religioso não deverá pautar a discussão da redução da maioridade penal no Congresso.

"A Bíblia me orienta, mas não acho que o que será discutido é a argumentação religiosa. O que será discutido é uma questão que vai além das crenças religiosas", afirmou.  

O UOL tentou entrar em contato com o deputado federal João Campos (PSDB-GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso, mas ele não retornou os contatos feitos pela reportagem.