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Projetos para regular aborto misturam teoria da conspiração e suposições

Jovem protesta contra projeto de lei antiaborto de Eduardo Cunha usando a frase "Cunha vaza do meu corpo" em manifestação em SP em novembro de 2015 - Nelson Antoine/FramePhoto/Ag O Globo
Jovem protesta contra projeto de lei antiaborto de Eduardo Cunha usando a frase "Cunha vaza do meu corpo" em manifestação em SP em novembro de 2015 Imagem: Nelson Antoine/FramePhoto/Ag O Globo

Do "Aos Fatos"*

10/03/2016 06h00

Projetos de lei que tramitam na Câmara com objetivo de limitar práticas abortivas apresentam justificativas com pouco amparo factual. Levantamento de "Aos Fatos" sobre as propostas revela que membros do Legislativo brasileiro usam argumentos que vão desde a futurologia à mera suposição. Embasam dessa forma uma série de matérias que poderão afetar as vidas de milhões de mulheres no país.

O caso mais recente é o projeto de lei 4.396/2016, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE). Ele propõe aumentar a pena para quem realizar abortos de fetos com má-formação --notadamente aqueles diagnosticados com microcefalia.

A estratégia do congressista é incluir o termo “microcefalia” no Código Penal para vetar as tentativas dos movimentos sociais pró-aborto de receberem autorização para a prática em casos de fetos com a doença. A ideia é não repetir o caso da permissão do aborto de fetos anencéfalos, autorizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2012. Ferreira é o mesmo autor do polêmico projeto do Estatuto da Família.

"Hoje é a microcefalia, amanhã outro mal (...) autorizará o extermínio da vida como uma espécie de álibi estatal", vaticina o deputado no texto, sem dar qualquer outro subsídio factual para sua afirmação.

"Aos Fatos" procurou checar a afirmação, mas não encontrou subsídios na realidade brasileira que permitissem chegar a qualquer conclusão. No Brasil, não há histórico de ampliação das leis que autorizam aborto em caso de doenças específicas. O projeto, entretanto, está pronto para ser analisado em plenário.

Outra justificativa sem amparo na realidade está no projeto de lei 3.983/2015, da autoria do deputado Gilvaldo Carimbão (Pros-AL), que pretende anular a permissão de aborto legal decorrente de caso de estupro, sob a alegação de que a mulher grávida violentada não é inocente. O texto diz que o Código Penal "considera o nascituro como pessoa inocente" caso uma mulher seja violentada, e não "a pessoa da gestante". Por isso, "se assim fosse, o legislador somente tipificaria o aborto como crime quando realizado contra a vontade da gestante", afirma.

O Código Penal é claro: estupro é "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".

Carimbão justifica a matéria "considerando também que a história fornece inúmeros exemplos de quão facilmente uma injustiça leva a outra". "E esta, sucessivamente, a outras maiores, e o quão difícil posteriormente torna-se identificar o ponto em que se havia iniciado o erro." O projeto de lei está pronto para ir a plenário.

O projeto 5.069/2013, de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), propõe punições mais duras a quem fornecer substâncias abortivas segundo critérios com pé em teorias conspiratórias. Na justificativa para a aprovação da proposta, Cunha diz que o estímulo à prática do aborto surgiu com a tentativa de fundações norte-americanas de disseminar práticas de controle populacional usando a militância feminista como instrumento.

"As poderosas entidades internacionais e supercapitalistas, interessadas numa política neomalthusiana de controle populacional, não hesitam em fomentar o aborto ilegal para alcançar seus objetivos", diz o texto. "Desde a década de 1970, os meios para o controle e redução da população mundial passaram a ser apresentados com uma roupagem feminista, sob o paradigma dos chamados 'direitos sexuais e reprodutivos'", continua.

À BBC, o professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE José Eustáquio Alvez disse que países desenvolvidos de fato incentivaram políticas de redução da fecundidade em nações pobres no século passado.

Porém, disse, é uma ideia "maluca" a de Cunha, de acusar "interesses supercapitalistas" de estarem por trás de campanhas a favor do aborto e do controle populacional. Segundo ele, a queda da natalidade está diretamente ligada ao desenvolvimento, ao aumento do acesso à educação e às migrações para centros urbanos.

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