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Falta de funcionários e fila: conheça a rotina da delegacia líder em estupros no Rio

A 35ª DP, em Campo Grande, zona oeste do Rio, foi a delegacia que mais registrou ocorrências de estupro em 2015 - Paula Bianchi/UOL
A 35ª DP, em Campo Grande, zona oeste do Rio, foi a delegacia que mais registrou ocorrências de estupro em 2015 Imagem: Paula Bianchi/UOL

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

17/06/2016 13h53

Localizada no bairro de Campo Grande, a cerca de 60 quilômetros do centro do Rio de Janeiro, a 35ª DP ostenta um título funesto. Foi a delegacia que mais registrou casos de estupro no Estado do Rio de Janeiro em 2015 – 223, ao todo. Em 2016, os números seguem altos. Cinquenta e três casos até o fim de maio, de acordo com dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).

Na segunda-feira (13) em que a reportagem visitou o local, os moradores da região faziam fila porta afora para serem atendidos. A delegacia é a única do bairro, que possui cerca de 328 mil habitantes, segundo o Censo 2010, o equivalente à população da cidade de Petropólis, na região serrana do Estado.

Enquanto os moradores disputavam as 15 cadeiras espalhadas pelo pequeno saguão de teto baixo e paredes com reboco desabando, uma única atendente fazia a triagem dos casos e quatro policiais se revezavam no registro das ocorrências. Em média, diz o delegado Vinicius Miranda, são registradas 80 ocorrências por dia no local, e o atendimento leva de quatro e cinco horas.

Um inspetor chegou a pedir para que, quem pudesse, retornasse para casa e fizesse o registro online. Sem resposta, chamou nome por nome, explicando quais casos poderiam ser resolvidos pela internet --entre eles, ocorrências de violência doméstica.

Miranda diz que trabalha com menos da metade da equipe necessária e culpa a crise. "A Polícia Civil está defasada em todo o Estado." 

Apesar do alto número de registros de estupro e “Marias da Penha”, como são conhecidos os casos de agressão contra mulheres, o delegado diz que não há nenhum protocolo específico para o atendimento. “Quem quiser, se sentir mais confortável, pode esperar para ser atendida por uma funcionária mulher”.

De acordo com dados Dossiê Mulher, publicado nesta sexta-feira (17) pelo ISP (Instituto de Segurança Pública), 4.612 mulheres registraram ocorrência por casos de violência sexual no Rio de Janeiro em 2015. Os números mostram que uma mulher foi vítima de estupro ou tentativa de estupro no Estado a cada duas horas no ano passado. Também nesta sexta, a Polícia Civil do Rio indiciou sete pessoas pelo estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos no fim de maio passado, em uma favela da zona oeste da cidade. 

"Único jeito da gente ter um pouco de segurança"

13.jun.2016 - Adriana Bahia foi até a 35ª DP (Campo Grande) registrar ocorrência contra a família do ex-marido - Paula Bianchi/UOL - Paula Bianchi/UOL
Adriana teve o braço imobilizado após brigar com a ex-sogra
Imagem: Paula Bianchi/UOL
Com o braço imobilizado depois de ter entrado em uma briga com a ex-sogra, que mora no andar de baixo de sua casa, Adriana Bahia, 38, esperava sua vez desde às 10h30. Ela tentou fazer a ocorrência ainda no domingo à noite, mas a delegacia estava fechada. 

A manicure mostra uma pasta com todos os Boletins de Ocorrência que já registrou e diz que possui uma ordem de restrição de 100 metros contra o ex-marido, que já quebrou um espelho em seu rosto e a atacou a facadas enquanto dormia. Ela conta que teve a mãe foi morta por um companheiro aos 42 anos e, por isso, sempre fez “questão de denunciar”.

Esperava para ir dali até o fórum onde iria solicitar também uma ordem de restrição contra os familiares do antigo companheiro. “É o único jeito da gente ter um pouco de segurança”, diz. Acabou deixando a delegacia às 15h50, após ser atendida por um agente homem em uma das mesas do saguão.

A poucas cadeiras de distância, a dona de casa Maria Teresa Vieira, 68, também esperava o atendimento. Ao lado da filha, grávida de sete meses e com o neto de um ano no colo, ela diz que apanhou do proprietário da casa em que morava ao voltar para buscar as plantas que não couberam no frete que fez a sua mudança. 

Enquanto acalmava o neto e guardava o lugar, a filha, Monique, enfrentava a fila. "Ele me jogou no chão e tentou me enforcar. Um homem altão, gordão. Reclamou que levei embora as lâmpadas. Só parou quando os vizinhos ouviram a gritaria e vieram acudir", diz.

Delegacia da Mulher? A 20 km

Deam Oeste - Paula Bianchi/UOL - Paula Bianchi/UOL
Deam Oeste está fechada para obras e não há previsão de reabertura
Imagem: Paula Bianchi/UOL
A 850 metros da 35ª DP fica a Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher) Oeste, que deveria centralizar as ocorrências envolvendo mulheres em toda a região. Quem chega até lá, no entanto, encontra um prédio abandonado, com as janelas quebradas e portões trancados com uma corrente. Segundo a Polícia Civil, a delegacia “está passando por obras realizadas pela Secretaria de Obras para melhor atender às mulheres vítimas de violência”.

Na parede, uma folha de ofício colocada com fita adesiva orienta como chegar, via transporte público, até a 43ª DP, a cerca de 20 km do local, para onde foram deslocados os serviços da especializada. A Polícia Civil não soube informar quando será concluída a reforma, iniciada no segundo semestre de 2015.

Por enquanto, é possivel enxergar apenas as bases da fundação do prédio. Um outdoor em frente à Deam indica que a obra emprega 30 pessoas, mas nenhuma delas trabalhava no local na segunda-feira (13), e vizinhos dizem não lembrar quando foi a última vez que viram alguém no terreno da delegacia.