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Guerra sem fim: "UPP é o terror", diz mãe que perdeu filho com tiro de fuzil e virou ativista

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

04/06/2017 04h00

Teresinha de Jesus, 42, viu o filho Eduardo, 10, morrer após levar um tiro de fuzil na cabeça enquanto brincava em frente à sua casa durante operação da polícia no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, em abril de 2015. De lá para cá, deixou o complexo de favelas, o Estado e mesmo o país pela primeira vez e se viu frente a um mundo que até conhecia, mas preferia ignorar: o da violência do Estado.

A história de Terezinha é a primeira da série de reportagens do UOL "Guerra sem fim", que dará voz a vítimas da violência no Estado do Rio de Janeiro.

À época, o caso ganhou repercussão após a divulgação de um vídeo que mostra Teresinha confrontando policiais, aos gritos, logo após a morte da criança. Eduardo foi uma das 645 pessoas mortas pela polícia em 2015. Número que não para de crescer. Em 2016, foram 920 mortos; em 2017, apenas nos primeiros quatro meses do ano, dado mais recente do Instituto de Segurança Pública, 383 --e, se continuar no mesmo ritmo de crescimento, pode ultrapassar mil vítimas neste ano.

Diarista e mãe de outros quatro filhos e agora cinco netos --incluindo um Eduardo, nascido no fim de 2015 e batizado em homenagem ao tio assassinado--, ela conta que via por alto as notícias sobre mortes em favelas, sentia algum medo, mas mal tinha tempo para pensar a respeito. “Eu via passar na TV, mas nunca imaginei que isso fosse chegar na minha porta”, diz.

Após a morte, cogitou voltar de vez para a sua cidade natal, Corrente, no Piauí, mas preferiu retornar ao Rio para esperar pela resposta do processo que corria na Justiça contra os policiais acusados de terem matado Eduardo --a ação foi arquivada por falta de provas em novembro.

Separou-se do marido, que preferiu deixar de lado o processo, conheceu dezenas de mães e familiares de jovens mortos e passou a intercalar as faxinas com a ida a manifestações contra a violência policial.

“Agora são as mães que perderam seus filhos que me dão força. Percebi que a minha luta vai além do Eduardo.”

Para Teresinha, que se mudou para o Alemão pouco antes de a polícia ocupar o complexo, em 2010, o projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) se desviou do objetivo e nunca chegou a pacificar o local de fato. “Lá dentro [da favela] eles fazem tudo o que querem. Invadem a casa de morador, batem em morador... Não vejo como uma base para fazer segurança. Eu vejo o terror.”

Até então desacostumada a falar em público --“nem é que eu gostasse ou deixasse de gostar, só nunca tive motivo”--, viajou a convite de organizações internacionais de direitos humanos para a Espanha, Alemanha e Inglaterra e agora se prepara para ir aos Estados Unidos denunciar a violência policial no Brasil.

“Cada jovem que morre eu sinto, eu vejo meu filho de volta. Aquela garota [Maria Eduarda, 13, vítima de uma bala perdida durante um confronto entre PMs e criminosos] que morreu dentro do colégio me desesperou. A atuação da Polícia Militar é a pior de todas. Eles não querem saber quem é quem, já chegam nos lugares atirando”, diz.

Ela também aprendeu a ler o “jurisdiquês” dos processos envolvendo o filho e fez questão de ficar com cópias tanto da sentença que pôs fim ao processo quanto do inquérito realizado pela Polícia Civil. Conta que cansou de ouvir o defensor dizer algo e depois não saber explicar exatamente o que era. “Passei a entender um pouco e quero entender ainda mais.”

Agora conversa com a Defensoria Pública do Estado, que a representa, para recorrer contra a decisão da 2ª Câmara Criminal do TJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). “Todo mundo tem um sonho de ganhar na Mega-Sena. Eu sonho em ver esse policial julgado e preso.”

Junto com outras dezenas de mães e da Anistia Internacional, ela passou o dia 19 de abril em frente ao Ministério Público em protesto pelos casos de mortos pela polícia não denunciados pelo órgão. “Eu não sonhei em me ver assim [como ativista], agora eu sou. Por causa do meu filho e das outras pessoas que morreram”, diz.

“Antes eu me apresentaria assim: ‘Meu nome é Teresinha Maria de Jesus, sou diarista, tenho cinco filhos para criar’. Hoje eu não posso dizer o mesmo. Hoje eu digo: ‘Meu nome é Teresinha Maria de Jesus, sou mãe do Eduardo de Jesus, assassinado no Complexo do Alemão com um tiro de fuzil na cabeça dado por um policial do Estado.”