Topo

Venezuelanos vão às urnas neste domingo escolher presidente; Chávez tem chance real de derrota

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o candidato da oposição, Henrique Capriles, se enfrentam nas urnas neste domingo (7) - UOL
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o candidato da oposição, Henrique Capriles, se enfrentam nas urnas neste domingo (7) Imagem: UOL

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

07/10/2012 06h00

Após seis anos, os venezuelanos voltam às urnas neste domingo (7) para eleger o próximo presidente do país, mas não com muitas opções de candidato. A disputa é acirrada entre Hugo Chávez, do Partido Socialista Unido da Venezuela, que está no poder há 13 anos (leleito pela primeira vez em 1998, assumiu a presidência no no seguinte] e pretende dar continuidade a seu sistema socialista, e o oposicionista Henrique Capriles do Mesa de Unidade Democrática, que promete reestabelecer a democracia na Venezuela e romper com o totalitarismo vigente no país.

Quase 19 milhões de venezuelanos foram convocados a votar, mas, como o voto não é obrigatório, espera-se que 14 milhões compareçam às urnas, segundo Leandro Consentino, professor de sociologia e política do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa). No Brasil, 1.085 venezuelanos se cadastraram para votar em um dos sete centros que estarão espalhados em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belém, Manaus, Boa Vista e Brasília, de acordo com informações do embaixada venezuelana em Brasília.

"Tudo indica que essa eleição será muito mais organizada do que a passada", diz Mario Gaspar Sacchi, professor do curso de relações internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) de São Paulo. Em 2006, dos 13.800 centros de votação da Venezuela 5.300 registraram problemas, diz Sacchi, que também citou a ocorrência de diversas tentativas de suborno e o desrespeito com a oposição.

A expectativa, segundo o governo venezuelano, é que cerca de 140 mil militares cuidem da segurança durante a votação. Mas, na opinião do professor da ESPM, essa segurança não garante que não haja fraude eleitoral. "Chávez detém o poder de todos os órgãos do Estado, inclusive o responsável pela contagem dos votos. Nada garante que, diante de qualquer ameaça à sua reeleição, ele não burle o sistema."

"Observadores internacionais garantem a idoneidade do processo. Sabe-se que a etapa do voto em si, em que o eleitor registra sua indicação na urna eletrônica, assina e carimba o comprovante com as impressões digitais é bastante segura. Mas, a dúvida está na contagem destes votos e na possível manipulação", explica Consentino. "Temos nossas desconfianças", completa ele.

Disputa acirrada

Ainda que Chávez se diga confiante, esta certamente será uma das eleições mais difíceis de sua vida política, diz Sacchi, que afirma que a possibilidade de derrota é real. "Não quer dizer, no entanto, que a vitória do opositor é certa."

Venezuela em números

  • 7.6%

    O desemprego caiu de 14,5% do total da força de trabalho em 1999 para 7,6% em 2009

  • 29.278.000

    População aumentou de 23.867.000 em 1999 para 29.278.000 em 2011

  • US$ 10.801

    PIB per capita passou de US$ 4.105 a US$ 10.801 em 2011

  • 31,6%

    A inflação da Venezuela tem oscilado desde 1999. A inflação é agora de 31,6% em comparação com 23,6% em 1999

  • 8,5%

    Em 1999, 23,4% da população vivia em situação de extrema pobreza, este número caiu para 8,5% em 2011

    Nas últimas três eleições presidenciais, Chávez derrotou seus adversários com grande vantagem, a maior delas em 2006, quando o presidente conquistou 26 pontos a mais do que o opositor. Em 1998 e 2000, as diferenças foram de 16 e 22 pontos, respectivamente. No pleito deste ano, no entanto, as pesquisas são menos otimistas, apesar de polarizadas.

    Enquanto os institutos de opinião mais próximos do governo afirmam que Chávez supera Capriles por uma diferença de 20 pontos, os que têm afinidade com oposição mostram o contrário. Já um terceiro grupo --tido como independente-- dá Chávez como vencedor com uma diferença quase idêntica ao número de indecisos. "É uma guerra de institutos de pesquisas que só dificultam a leitura do cenário real", relata Consentino.  

    Segundo a última pesquisa da empresa Hinterlaces, Chávez aparece com 16 pontos de vantagem sobre o candidato opositor. Os resultados desta pesquisa dão 50% de votos para o presidente contra 34% para Capriles. O número de eleitores indecisos, porém, chega a 14%. Já o resultado da pesquisa apresentada pela empresa Consultores 21 foi mais favorável a Capriles, que conquistou 48,9% das intenções de votos, contra 45,7% de Chávez e 4,8% de indecisos. Por fim, a sondagem da Datanálisis atribui a Chávez 49,4% das intenções de voto contra 39% para Capriles, estimando em 11,6% o índice de indecisos.

    Mas o medo dos venezuelanos de expressar abertamente suas preferências políticas é um fator que poucos mediram. Em 2001, o Centro Gumilla revelou que 42,6% da população mais pobre do país "têm medo de falar de temas políticos com seus vizinhos". "Sentimento bastante comum diante do regime totalitário de Chávez", explica Sacchi. Consentino afirma, no entanto, que esse medo vem se dissipando. "Esta campanha eleitoral é um exemplo vivo do encorajamento da população, que tem dado mais a cara para bater. Ela compareceu em massa nas primárias da oposição e também lotou os comícios de Capriles."

    Mesmo assim o especialista do Insper acredita que Chávez domina o favoritismo dos venezuelanos e ainda é o principal político da Venezuela. "Não podemos deixar de reconhecer, porém, que a oposição começa a ganhar confiança para mudar esse cenário, principalmente após o feito inédito de unir todos os partidos contra o presidente. E timidamente começa a ganhar corpo", destacou Consentino, que relaciona essa atuação mais agressiva da oposição à gradativa perda de apoio popular de Chávez.

    Sacchi também atribui essa mudança ao desejo de renovação do povo venezuelano. "Todos querem a liberdade e sentem falta dela. Muitos também perderam a confiança no presidente, que não tem cumprido a maioria de suas promessas ao longo dos últimos 13 anos. Alguns também começaram a perceber que o país não está funcionando", explica o professor de relações internacionais da ESPM. Segundo ele, as principais queixas dos venezuelanos estão relacionadas à alimentação, moradia e violência.

    Venezuela em números

    • 20 a cada 1.000

      A mortalidade infantil é agora menor do que em 1999 - a partir de uma taxa de 20 por 1.000 nascidos vivos, em seguida, a uma taxa de 13 por 1.000 nascidos vivos em 2011

    • 67 a cada 100 mil

      Em 2012, foram registrados 67 homicídios para cada 100 mil habitantes. A média mundial, em contrapartida, é de 8,8 para 100 mil

    • US$ 60 bilhões

      Em 2011, as receitas líquidas com a exportação de petróleo foi de US$ 60 bilhões; em 1999, foi de US$ 14,4 bilhões

      Mais de 70% dos cidadãos consideram que a insegurança é o pior problema da Venezuela. Segundo dados do governo, em 2011, foram registrados 50 homicídios para cada 100 mil habitantes. O número foi ainda maior este ano, que teve 67 casos para cada 100 mil habitantes, de acordo com o Observatório Metropolitano de Segurança Cidadã de Caracas. A média mundial, em contrapartida, é de 8,8 para 100 mil.

      O problema, conforme explica Sacchi, é agravado pelo volume de armas espalhado pelo país, que tem entre 9 e 15 milhões de armas legais e ilegais para uma população de 28,9 milhões, segundo dados oficiais de 2009.  "O desgaste com o governo chavista passa ainda pelo problema crônico da economia venezuelana, que elevou a inflação do país para em torno de 30%", acrescentou Consentino.

      Como agravante à queda da popularidade de Chávez, o subdiretor de relações internacionais do jornal "El País", M. Á. Bastenier, apontou o câncer do presidente venezuelano. Com a doença, segundo ele, Chávez fez muito menos campanha do que em eleições anteriores, enquanto seu rival, Henrique Capriles, percorreu meio país para que ninguém deixasse de ver o contraste. Mas, para Sacchi, o problema de saúde de Chávez também beneficiou o candidato. "O povo é sentimentalista e por pena acaba apoiando sua reeleição."

      A doença não afetará a gestão de Chávez, caso vença as eleições de 7 de outubro, segundo ele mesmo  afirmou em uma entrevista exclusiva à AFP. Na ocasião, o presidente disse estar curado do câncer e se sentir com forças para governar pelo menos até 2019.

      Entre os pontos a favor de Chávez também está o progresso social da Venezuela nos anos de seu governo. De acordo com a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), a pobreza, que em 1999 atingia 47% da população, caiu em 2010 para 27,8%, e a pobreza extrema passou de 21,7% para 10,7%. O analfabetismo também caiu, de 9,1% pata 4,9% em 2011, assim como a taxa de desemprego e a taxa de emprego informal.

      Incerteza pós-eleitoral

      Segundo os especialistas, muitas respostas sobre o possível resultado das eleições ainda não têm resposta. Será que se Capriles for eleito, Chávez reconhecerá a sua vitória? Qual será a reação dos países parceiros da Venezuela diante deste cenário? E se o presidente renovar mais uma vez o seu poder? O que mudará no país?

      Mais do que a preocupação sobre os rumos do debate eleitoral, os eleitores venezuelanos têm demonstrado temor sobre uma possível agitação civil frente aos resultados da eleição. Há um consenso de que uma vitória inquestionável de qualquer um dos lados será respeitada, mas uma disputa acirrada, voto a voto, poderia provocar confrontos, segundo analistas políticos.

      Para eles, há setores das Forças Armadas que são mais leais a Chávez do que à instituição governamental e podem não aceitar uma cara nova no poder. E se Capriles reivindicar a vitória, seus partidários vão exigir a transferência total de poder.

      Se Chávez perder, não se sabe como ficarão as relações comerciais e diplomáticas, segundo Sacchi. Uma derrota não agradaria Cuba, Bolívia, Equador, tampouco a Nicarágua, que são os principais aliados do governo chavista. "Atualmente, Chávez vende petróleo para esse seus parceiros a um preço bem em conta, sem contar o repasse anual de US$ 500 milhões para auxiliar a Nicarágua. O atual governo também financia projetos sociais em outros 17 países, que pertencem ao Petrocaribes", aponta ele, que diz que essas iniciativas podem não ter continuidade com a gestão de Capriles.

      Para o Brasil, segundo o professor do Insper, uma suposta derrota de Chávez não traria grandes consequências. "A mudança seria maior nos grupos em que Brasil e Venezuela fazem parte, como é o caso do Mercosul, que talvez deixaria de seguir em direção ao regime paternalista", diz Consentino.

      E caso a maioria das pesquisas eleitorais estejam corretas e o presidente vença pela terceira vez consecutiva, nenhuma mudança significativa aconteceria nem na Venezuela, nem em seus países parceiros. "Mas certamente levantaria a moral e a sensação de invencibilidade de Chávez", conclui o professor da ESPM. "E mesmo que Capriles perca essa eleição, ele é uma liderança importante [por conquistar 62% dos votos das primárias oposicionista] e que está se acendendo. Ele é bastante novo e a saúde de Chávez é incerta, portanto, nunca se sabe", conclui Consentino.

      Momentos importantes da vida política de Chávez

      1992- 4 de fevereiro: o tenente coronel Hugo Chávez fracassa em uma tentativa de golpe de Estado contra o presidente Carlos Andrés Pérez. Após permanecer dois anos na prisão, o então presidente Rafael Caldera concede anistia a Chávez.
      1998- 6 de dezembro: Chávez vence as eleições presidenciais com 56% dos votos.
      1999- 2 de fevereiro: assume a Presidência e convoca um referendo para designar uma Assembleia Constituinte com a missão de escrever uma nova Carta Magna, que foi aprovada em 15 de dezembro em um plebiscito com mais de 70% dos votos.
      2000- 30 de julho: Chávez, cumprindo com a nova Constituição, convoca eleições e é reeleito com 56,9% dos votos.
      2001- 10 de dezembro: enfrenta sua primeira greve nacional, convocada por empresários e apoiada pela maior central sindical, contra leis consideradas confiscatórias.
      2002- 11 de abril: o alto comando das Forças Armadas venezuelanas derrota Chávez, após um confronto nas imediações do Palácio presidencial de Miraflores que terminou com 19 mortos. O incidente ocorreu depois de uma grande manifestação em Caracas, convocada pelo setor empresarial e pela maior confederação de trabalhadores, para exigir a renúncia do presidente. A manifestação é desviada por dirigentes opositores para o Palácio presidencial, o que provocou o confronto.

      - 12 de abril: o líder empresarial Pedro Carmona assume o poder e dissolve os poderes do Estado.

      - 13 de abril: Chávez é restituído à Presidência por militares leais e por uma enorme mobilização popular.

      - 2 de dezembro: tem início uma greve petroleira, com o objetivo de tirar Chávez do poder.
       
      2004- 15 de agosto: Chávez vence com 59% dos votos um referendo revocatório convocado pela oposição para destituí-lo.
      2005- 4 de dezembro: a oposição decide boicotar as eleições parlamentares e o chavismo conquista todas as cadeiras da Assembleia Nacional.
      2006- 3 de dezembro: Chávez é reeleito presidente com 62% dos votos.
      2007- 2 de dezembro: uma reforma da Constituição proposta por Chávez, que inclui a reeleição ilimitada, é rejeitada em referendo.
      2008- 23 de novembro: o chavismo vence as eleições regionais e municipais, mas perde nos estados mais populosos e em Caracas.
      2009- 14 de janeiro: a Assembleia Nacional aprova uma emenda à Constituição, que permite a reeleição indefinida do presidente.

      - 15 de janeiro: essa emenda é aprovada em referendo.
      2010- 26 de setembro: a oposição dividida obtém mais votos nas eleições legislativas, mas os governistas conquistam 60% das cadeiras do Parlamento.
      2011- 30 de junho: em uma mensagem à nação, Chávez admite que foi operado em Cuba de um tumor cancerígeno.

      - 20 de outubro: Chávez diz estar curado de câncer, após receber tratamento de quimioterapia.
      2012-26 de fevereiro: Chávez é operado de um novo tumor na mesma região de onde foi retirado o primeiro.

      -Março-maio: é submetido a um tratamento de radioterapia em Cuba, que o faz se retirar da vida pública.

      -9 de julho: Chávez assegura que está "totalmente livre" do câncer.

      -31 de julho: o presidente assina em Brasília a entrada da Venezuela no Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai (suspenso), Uruguai).