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Momento é extremamente propício para as Farc negociarem acordo de paz, dizem especialistas

Andréia Martins

Do UOL, em São Paulo

18/10/2012 12h25

Pela terceira vez em 50 anos, o governo da Colômbia sentará lado a lado do grupo paramilitar Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) para tentar negociar um acordo de paz que encerre os conflitos no país. A primeira fase de negociação começa nesta quinta-feira (18), em Oslo, na Noruega, e depois segue para Cuba.

Para especialistas, as Farc devem aproveitar seu atual momento político na América Latina para buscar a paz e, ao mesmo tempo, apontam que tal negociação não pode negligenciar as vítimas desse conflito.

"As Farc estão em um bom momento histórico e devem aproveitar isso. O Equador e a Venezuela não reconhecem o grupo como terrorista, e sim como guerrilheiro, a mesma postura do Brasil. As Farc nunca tiveram sinais de compreensão como têm agora. O céu está azul para os dois lados", diz Argemiro Procópio, professor titular de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília) e especialista em segurança em países amazônicos.

Para o analista político colombiano Carlos Medina Gallego, historiador do Centro de Investigação de Segurança e Democracia da Universidade Nacional da Colômbia, o momento também mostra um “esgotamento militar”, de ambos os lados.  Ele sinaliza que os pontos principais deste acordo devem ser segurança e confiança, participação da sociedade civil e da comunidade internacional, além do apoio da imprensa.

A participação política, a posse das terras e a questão do narcotráfico devem ser os pontos chave do diálogo. “A ideia é de que tudo é negociável nesse diálogo. A única coisa que não pode ser negociável é a dignidade das vítimas”, completa o analista colombiano.

Diferente de tentativas anteriores, o governo vai manter suas operações militares, para pressionar e impedir que a guerrilha se reorganize. O governo diz que só abandonará as ações armadas quando um acordo final for atingido.

A atual iniciativa é criticada por Álvaro Uribe, ex-presidente colombiano, que alega que o presidente não pode negociar questões políticas com o grupo revolucionário e erra ao não iniciar a conversa exigindo que o grupo encerre suas atividades. Mas uma pesquisa feita pelo jornal colombiano “El Tiempo” logo após o anúncio do início das conversas, em 4 de setembro, apontou que 74,2% dos colombianos apoiam a possibilidade de diálogo entre governo e as Farc.

Já a aprovação do presidente foi a 51%. "Santos é um representante da direita, mas está se aproximando da esquerda, fazendo um governo independente, esse diálogo é uma prova disso", analisa Procópio.

Medina, por sua vez, acredita que o presidente colocou “todo o seu capital político neste acordo”. “Se der certo, ele assina sua reeleição, mas, além disso, envia uma mensagem de otimismo.”

O atual processo de paz foi iniciado em 2010, quando Santos chegou ao poder. Em abril deste ano, as Farc libertaram os últimos 10 policiais e militares que mantinham em seu poder, sinalizando disposição para o diálogo. Santos reconheceu então que a guerrilha tinha dado um passo para o estabelecimento de um diálogo, apesar de considerá-lo insuficiente. Em setembro de 2012, as partes chegaram a um acordo sobre como conduzir as negociações de paz.

As Farc hoje

Fundadas em 1964 como milícias camponesas, as Farc são a guerrilha mais antiga da América Latina e, hoje, vivem um momento mais vulnerável, mas nem por isso menos forte.

“Eles estão com o efetivo mais baixo de sua história, mas não enfraquecidos. Teriam ficado apenas com os melhores guerrilheiros, optando mais qualidade em vez de quantidade", diz Procópio. "No entanto, a redução aponta algum problema, principalmente na manutenção desses guerrilheiros. O custo para mantê-los na selva é alto.”

Procópio relembra que antes, a fonte de renda das Farc vinha da extorsão de narcotraficantes, o que passou a ser praticado por grupos radicais de extrema direita. Foi aí que começaram os atentados e sequestros. "Isso acabou com o apoio que a organização tinha de estudantes, intelectuais e grupos de esquerda, que passaram a enxergá-los como criminosos."

Se tiver êxito, os analistas acreditam que possa surgir um cenário de negociação com outros grupos armados da Colômbia. “Mas cada questão deve ser analisada em seu tempo. Primeiro as Farc, depois o ELN [Exército de Libertação Nacional da Colômbia]. Na sequência é preciso enfrentar o paramilitarismo, organizações criminosas e o tráfico de drogas. O conflito colombiano é complexo e difícil e precisa ser lentamente desmantelado”, diz Medina.

Além de estabelecer a paz, um eventual acordo avança na questão do combate ao narcotráfico, na opinião de Procópio. "Hoje se vê uma cooperação regional para tratar da questão com as drogas, e esse acordo de paz entre Colômbia e Farc é parte disso. Esse passo aproxima a Colômbia dos vizinhos."

Para os colombianos, Medina diz que é um tempo de otimismo. “A sociedade colombiana em geral olha com otimismo o processo. A Colômbia tem vivido uma longa guerra, com um alto custo social, econômico e político. Os colombianos estão cansados do confronto.”