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Exército venezuelano não tem escassez de produtos negados aos cidadãos

Da Bloomberg News

29/09/2014 12h59

A pista de desfile da base militar do Forte Tiuna na Venezuela apresenta uma cena com a qual os civis locais só podem sonhar: barracas carregadas de mercadorias e sem filas de espera.

O mercado tem de tudo, de carne subsidiada a carrinhos de bebê, além de empréstimos e carros e apartamentos novos. São regalias oferecidas às Forças Armadas em um momento em que a economia está encolhendo, a pobreza aumentando e a popularidade do presidente Nicolás Maduro mergulhando para um nível de baixa recorde.

Os benefícios ajudam a garantir a lealdade dos militares e ao mesmo tempo desviam as reservas para longe dos pobres, que têm visto o aumento salarial ficar para trás da inflação, segundo analistas, ativistas e acadêmicos.

Desde que Maduro chegou ao poder, 17 meses atrás, as Forças Armadas criaram seu próprio canal de televisão, programa de habitação e banco, o único de propriedade de militares fora do Irã e do Vietnã. Um terço dos 28 ministros da Venezuela e metade dos governadores estaduais são agora oficiais ativos ou aposentados, a maioria companheiros do falecido ex-comandante dos paraquedistas e ex-presidente Hugo Chávez.

“Os militares continuam sendo o único elemento a garantir a estabilidade política do fraco governo de Maduro”, disse Diego Moya-Ocampos, analista da empresa de consultoria IHS Country Risk, por telefone, de Londres. “Por ser de fora, Maduro teve que dar aos generais um papel mais importante na gestão do país para mantê-los a bordo. Ele tem uma política militarizada.”

No dia 2 de setembro, Maduro nomeou um general de brigada vice-presidente de Economia, o segundo cargo mais importante do gabinete. Ele tem agora oito oficiais ativos ou aposentados no gabinete, mais que os cinco de 2012, o ano anterior à morte de Chávez.

Carros novos

Quinze anos depois que Chávez iniciou sua revolução no “socialismo do século 21”, o maior produtor de petróleo da América do Sul está ficando sem dinheiro, sua economia está encolhendo e empresas e investidores estão desertando daquele que era o país mais rico da América Latina em 1980.

Os militares não têm de lidar com o caos econômico do resto do país. Os 43 caminhões e barracas do mercado na base militar, no dia 22 de agosto, estavam carregados com leite subsidiado, óleo de cozinha e detergente --produtos que estão sem estoque na maior parte das lojas.

No Forte Tiuna, no sul de Caracas, centenas de carros novos chineses brilhavam nas vagas de estacionamento depois que o ex-ministro da Defesa Diego Molero prometeu, em maio do ano passado, comprar 20 mil automóveis para as Forças Armadas.

A Venezuela teve nove grandes tentativas de golpe de Estado no século passado, incluindo o esforço fracassado liderado por Chávez em 1992 e um golpe contra ele, em 2002, segundo Daniel Hellinger, professor de Relações Internacionais da Universidade Webster, em St. Louis, Missouri (EUA).

O mais recente banco estatal a oferecer empréstimos para os militares foi o Banco das Forças Armadas Bolivarianas. O banco conhecido como Banfanb abriu 21 agências e elevou seus ativos para 4,2 bilhões de bolívares (US$ 670 milhões pela taxa oficial) no fim de junho, contra 170 milhões em sua criação, 12 meses atrás, segundo dados do órgão regulador do setor e do site do banco.

Porta-vozes do Ministério da Defesa, das Forças Armadas Venezuelanas, do Ministério da Informação e do gabinete de Maduro preferiram não comentar o papel do Exército na política e na economia do país.

“Essas Forças Armadas são chavistas”, disse o comandante do Exército, general Vladimir Padrino, em discurso televisionado no dia 5 de julho. Maduro pode “contar com a nossa lealdade”.

Enquanto os militares mantêm sua lealdade, os benefícios continuam. O governo entregou 2.821 apartamentos a soldados e oficiais no ano até maio, disse o vice-ministro do Planejamento, Paul Grillet, general de divisão, em discurso televisionado naquele mês.

“Existe um custo político que Maduro pagará por priorizar os soldados em vez dos bairros pobres”, disse Hugo Pérez Hernáiz, professor de Sociologia da Universidade Central da Venezuela, em Caracas, por telefone. “O tamanho desse custo será visto nas próximas eleições.”