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Enquanto britânicos decidem sobre guerra, ex-premiê, em SP, evita falar de política

Tony Blair durante palestra concedida para alunos, educadores e empresários, em SP - Paulo Lopes/Futura Press
Tony Blair durante palestra concedida para alunos, educadores e empresários, em SP Imagem: Paulo Lopes/Futura Press

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

02/12/2015 20h29Atualizada em 02/12/2015 20h42

Nesta quarta-feira (2), o Parlamento dominou as atenções no Reino Unido enquanto seus representantes votavam se o país deveria ou não bombardear as posições do Estado Islâmico na Síria, ao lado de Estados Unidos e França. Depois de mais de dez horas de debate, a decisão foi pelo sim, conforme defendia o atual premiê, o conservador David Cameron. Apesar da aprovação, a proposta dividiu opiniões entre os partidários e oposicionistas de Cameron e passou longe de formar um consenso.

Figura central da guerra do Iraque ao lado de George W. Bush, Tony Blair, premiê britânico entre 1997 e 2007, estava longe do Parlamento britânico nesta quarta para demonstrar apoio ou contrariedade à proposta. Afastado da política, o ex-primeiro-ministro veio ao Brasil para conceder uma palestra em uma universidade de São Paulo, onde não falou uma palavra sobre o assunto.

Um dos principais argumentos contrários aos bombardeios na Síria girou em torno do trauma sobre a participação britânica na guerra do Iraque, onde a invasão, considerada ilegal pela ONU, não conseguiu garantir estabilidade política ao país após a queda do ditador Saddam Hussein. Além disso, o domínio atual do Estado Islâmico, novo alvo do Reino Unido, em parte do território iraquiano reafirma que o terrorismo se manteve presente e encontrou terreno fértil para crescer na região.

Citado frequentemente por opositores dos bombardeios na Síria como um exemplo a não ser seguido, Blair já admitiu sua responsabilidade no conflito atual iraquiano e na ascensão do EI na região, e até pediu perdão por ter justificado a invasão de 2003 com base em um suposto programa de armas químicas de Saddam que, tempos depois, se mostrou inexistente.

Num dia tão crucial para a Grã-Bretanha, no entanto, o ex-premiê não apareceu nas manchetes.

A palestra de Blair de aproximadamente 40 minutos, concedida em uma unidade da FMU na zona sul de São Paulo, teve o tema “Desafios e oportunidades da globalização”. Blair concedeu um breve discurso de abertura e respondeu a algumas perguntas de alunos, previamente selecionadas pela FMU e centradas principalmente em educação. Não falou com a imprensa, e em nenhum momento citou a guerra no Iraque ou comentou a decisão que estava sendo debatida no Parlamento naquele momento.

No mais perto que chegou a falar sobre terrorismo, Blair citou o extremismo religioso como um exemplo de limitação para o sistema educativo. “Passei muito tempo da minha vida indo duas vezes ao Oriente Médio, e o grande problema lá é que jovens são criados a partir de uma visão fechada sobre nós [ocidentais]. Então eles dizem que esse é seu destino, essa é sua religião.”

“Hoje, o mundo é o oposto. O fato de você ser diferente enriquece a minha própria experiência. A educação não é apenas aprender, mas também ser aberto a outros, superando barreiras de raça, cultura, religião e buscando oportunidades na diversidade da sociedade.” Mais tarde, Blair afirmou que a educação é uma das respostas para o extremismo religioso, “diferentemente do que acontece hoje”.

A palestra curta de Blair terminou com um agradecimento e palavras otimistas do ex-premiê britânico em relação ao Brasil. “Falei com algumas pessoas mais cedo, e elas estavam meio para baixo com a situação aqui. E eu perguntei, então, em qual lugar elas gostariam de morar, e eles responderam ‘aqui mesmo no Brasil’. Então, acho que vocês têm um ótimo país por aqui”, afirmou.

Mas se Blair ficou longe dos holofotes britânicos nesta quarta, ele não foi esquecido. “Philip Hammond [secretário britânico das Relações Exteriores, que defende os bombardeios na Síria] utilizando algumas frases exatamente iguais às que Tony Blair usou em 2003. A história se repete como uma tragédia, para depois se tornar uma farsa. Deprimente”, escreveu o jornalista Michael Gray, do escocês “Scot National”, um dos que criticaram o ex-premiê pelo Twitter durante a votação dos parlamentares.