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Trump deu força aos radicais que se denominam antifascistas, diz sociólogo

19.ago.2017 - Manifestante segura placa com a palavra "Antifa" (antifascistas) durante protesto em Boston, Massachusetts - Stephanie Keith/ Reuters
19.ago.2017 - Manifestante segura placa com a palavra "Antifa" (antifascistas) durante protesto em Boston, Massachusetts Imagem: Stephanie Keith/ Reuters

Eduardo Graça

Colaboração para o UOL, de Nova York

09/09/2017 04h00

Com raízes na Europa Central dos anos 1930 e inspiração tanto no grupo radical norte-americano Partido dos Panteras Negras quanto nos black bloc, os antifas, ou antifascistas, se tornaram a nova obsessão da mídia americana depois de duas ações de destaque nos EUA.

Em Charlotesville, na Virgínia, eles enfrentaram radicais de direita em um confronto que terminou com a morte de uma manifestante de esquerda. Em Berkeley, no final de agosto, cerca de 100 pessoas identificadas como "anarquistas e antifa", usando bandanas negras e gorros, escondendo seus rostos, impediram, com o uso de força física, um grupo de simpatizantes do presidente Donald Trump de se juntar a uma marcha contra o racismo na Praça Martin Luther King Jr. Em fevereiro, na mesma cidade, 150 antifas destruíram parte da propriedade da Universidade da Califórnia em protesto contra a palestra do ativista de direita Milo Yannopoulos.

O comediante sul-africano Trevor Noah, do popular "The Daily Show", apelidou os antifas de "Estado Islâmico Vegano". O jornal Washington Post, em editorial, sugeriu a troca de seu nome para Profa, já que suas táticas seriam pró-fascistas e acabam por depor contra seus próprios objetivos, explicitados no batismo do grupo.

Preocupado com a radicalização política nos EUA, o professor da Universidade de Columbia Todd Gitlin publicou um artigo nas páginas de Opinião do "New York Times" intitulado "Quem tem medo dos Antifas?". O sociólogo, autor de "The Sixties: Years of Hope, Days of Rage", conversou com UOL sobre a emergência dos antifas  - cuja presença já existe em São Paulo - na cena sociopolítica americana e defendeu a denúncia, pela esquerda, do "conglomerado de indivíduos descrentes do sistema político atual e dispostos a mudá-lo com o uso da violência". Caso contrário, ele acredita, a oposição a Donald Trump vai sofrer nas urnas o avanço da esquerda radical. Leia abaixo trechos da conversa:

UOL: Quando o senhor passou a se interessar pelos antifas?

Gitlin: A primeira vez que me deparei com os antifas foi no verão passado, na Grécia, onde estava a trabalho. Eu me deparei com grafites com o nome deles. Iniciei uma pesquisa e descobri que grupos usam este nome há décadas para protestar contra a extrema-direita na Europa, especialmente na Alemanha. Eles se reinventaram recentemente, em todo o mundo ocidental, a partir da ideia de que a política, em sua forma ortodoxa, falhou. Eles não se sentem representados em nenhum nível de governo, partido político ou cargo eletivo.

Todd Gitlin - Universidade de Columbia - Universidade de Columbia
O sociólogo Todd Gitlin
Imagem: Universidade de Columbia

UOL: E o que os une?

Gitlin: Eles não têm uma coesão ideológica específica, ou organização formal tal qual outros movimentos radicais do passado. O que os une é o combate ao fascismo, à direita. E o fato de eles acreditarem no uso político da violência, que chamam de contra-ataque, ou seja, defendem a reação de forma violenta aos métodos igualmente violentos da extrema-direita. Alguns se identificam como anarquistas, outros como herdeiros do movimento punk, muitos vieram do universo punk dos anos 1990, outros iniciaram sua militância tentando fazer barulho contra cúpulas como as do G-20 e G-7 na Europa. São parte de uma linhagem histórica que vem lá dos anos 1920 na Alemanha da República de Weimar. Para muitos deles é como se fosse uma ordem de cavalaria medieval, com o bastão sendo passado. Esta é a nova Távola Redonda da esquerda radical ocidental.

UOL: Aqui nos EUA eles também se inspiram nos Panteras Negras, que defendiam, não?

Gitlin: Exato. Eles falam abertamente sobre esta inspiração do grupo radical defensor do nacionalismo negro. E, como escrevi no texto para o "Times", eles parecem não se importar com o fato histórico de que, no caso das milícias alemãs de esquerda, elas terem sido esmagadas por Hitler quando ele tomou o poder em Berlim. Ou do fato de os Panteras Negras terem se tornado alvo fácil da polícia e entrado em decadência justamente depois de começarem a defender o uso de armas como forma de enfrentamento político. Para eles, os Panteras precisaram se radicalizar em um movimento de autopreservação e conseguiram, assim, se defender das autoridades, o que é um equívoco. Eles foram dizimados, esta mística romântica não coaduna com a realidade.

UOL: Mas em termos de números, aqui nos EUA, seria leviano comparar os Panteras Negras com os antifas...

Gitlin: Você está certo. Não há uma estatística fechada em torno dos antifas, mas os Panteras chegaram a milhares de membros em seu auge, devidamente documentados. E eles foram uma organização social real, os antifas são fragilmente conectados uns aos outros e se unem pela negação da atual situação política, da recusa radical a aceitar o establishment do que por qualquer catecismo político-social.

UOL: O senhor concorda com [o pensador americano] Noam Chomsky, muito provavelmente o nome mais reconhecível da esquerda acadêmica nos EUA, quando ele diz que "os antifas são uma minúscula porção dos setores progressistas e um enorme presente para a direita"?

Gitlin: Sim. Ele está certo. Uma das principais cabeças da extrema-direita americana, que até pouco estava na Casa Branca, Steve Bannon, afirmou que tudo o que mais quer é o acirramento das chamadas "políticas diretas de identidade cultural". Ele quis dizer que, quanto mais figuras se identificando como parte da esquerda americana encontrarmos em batalhas abertas nas ruas do país, menos popular eles serão para o grosso da população e melhor para esta ala da direita decididamente pró-Trump. Acredito que ele também esteja certo: não importa quem começou a violência, se foi a direita. No momento em que se veem os dois lados nas ruas, praticando atos violentos, a maioria da população os condena. Os iguala.

UOL: Há uma relação direta entre a emergência dos antifas e o trumpismo?

Gitlin: Sem dúvida nenhuma. O trumpismo é percebido como grupo que inclui a extrema-direita, há muito afastada do centro político nos EUA. Daí a reação, daí o anti, daí o equívoco de se propor violência contra violência. Mas eles já estavam por aí, sem adotarem o nome mais relacionado aos europeus, e Trump os energizou, exatamente como fez com os neonazistas. Estes creem que o presidente dos EUA funciona como uma espécie de recrutador para a extrema-direita, os fez parecerem respeitáveis, aceitáveis no jogo democrático americano. Os antifas, por sua vez, veem a necessidade de estarem mais visíveis, de mostrar que o outro lado não vai deixar, se necessário pela força, a ultradireita ganhar espaço. Mas a semente dos modernos antifas está nos black blocs, que se destacaram nos protestos antiglobalização e no Ocupem Oakland, em 2011, na Califórnia. Lá, eles acabaram monopolizando a atenção da mídia, modificando a narrativa idealizada pelos líderes do movimento.

UOL: Eles também foram protagonistas nos enormes protestos de 2013. Também já há indivíduos, em São Paulo, se identificando como antifas...

Gitlin: Isso não me surpreende. E você nunca sabe, pela própria natureza dos antifas, se há infiltração, se há agitadores profissionais, servindo a outros interesses, em suas aparições.

UOL: O senhor termina seu artigo de modo pessimista, afirmando que mais choques violentos como os vistos em Charlotesville irão acontecer nos próximos anos...

Gitlin: Sim, é a previsão de alguém que estuda o tema. Quanto mais Trump seguir na presidência, veremos mais desespero na cena política americana. A atenção dada, inclusive e especialmente pelo próprio presidente, como no caso de Charlottesville, encoraja os dois lados. Para os antifas, Berkley foi um grande sucesso. Eles repetiam em coro estar "vigando Charlotesville", já estão criando seus mártires.

UOL: Estamos de volta aos anos 1960 nos EUA?

Gitlin: Não, estamos vivendo uma distorção política perigosa do que se viveu naquele tempo histórico. É um ponto de partida, uma tentativa de legitimização dos dois lados, os complexos anos 1960.

UOL: Para o senhor, a esquerda precisa denunciar com mais força os antifas?

Gitlin: Sim, mas vou além: é preciso que os setores progressistas comecem a monitorar suas manifestações nas ruas dos EUA de modo mais efetivo. E deveriam, ao mesmo tempo, conter os antifas e usar mais de sarcasmo e deboche, ridicularizando a extrema-direita, tratando-os como palhaços, bufões. Humor, neste momento, seria uma boa ajuda. A esquerda está com uma tremenda batata-quente nas mãos. Os antifas estão aí e não vão voltar para casa tão cedo. E quanto mais barulho fizerem, mais afetarão os democratas, a oposição, nas eleições de meio-termo do ano que vem, cruciais para decidir quem controlará o Congresso. Se não agirem logo os democratas estarão, para voltarmos à sua tese dos anos 1960, em uma armadilha parecida com a de 1968, quando os Republicanos foram às urnas com a bandeira de serem o "partido da ordem" e deram a vitória a Richard Nixon. Do outro lado, via-se a violência em episódios como a Convenção Democrata de Chicago e o enfrentamento de provocadores com a polícia, quando se firmou a imagem do caos, da oposição à lei e à ordem. A retórica, naquele momento, foi muito bem usada pelos republicanos. Precisamos prestar atenção se eles se moverão na mesma direção a fim de salvar sua maioria, e seu governo, no ano que vem.