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Turquia fecha fronteira com Síria, e zona vira "faixa da morte"

1.nov.2016 - Unidade patrulha muro na fronteira entre a Turquia e Síria, próximo ao vilarejo turco de Besarslan - Umit Bektas/Reuters
1.nov.2016 - Unidade patrulha muro na fronteira entre a Turquia e Síria, próximo ao vilarejo turco de Besarslan Imagem: Umit Bektas/Reuters

Riham Alkousaa e Maximilian Popp

Na fronteira entre Síria e Turquia

12/12/2016 06h02

Assad e a Rússia estão destruindo Aleppo, e dezenas de milhares de sírios deixaram a cidade em busca de segurança. Mas a Turquia, sofrendo pressão da Europa, fechou sua fronteira com a Síria. Aqueles que tentam atravessá-la muitas vezes não sobrevivem.

Bashar Mustafa, 14, guiava uma família de Aleppo pela área do limite entre a Síria e a Turquia, e ainda estava a algumas centenas de metros da fronteira quando ele ouviu soldados turcos gritando através de seus megafones: “Parem!”

De repente, Bashar ouviu o barulho de disparos de metralhadora e se jogou no chão. Ele viu seu primo Ali, 15, caído imóvel na poeira a alguns metros de distância, com sangue escorrendo pelo rosto. Ele havia sido atingido na cabeça por uma bala e Bashar queria correr para ajudá-lo, mas os soldados continuaram disparando. Ele foi obrigado a passar várias horas se escondendo entre arbustos espinhosos, e só quando os guardas da fronteira pararam de atirar na manhã seguinte é que ele foi capaz de recuperar o corpo de seu primo.

Enquanto se senta à sombra de uma oliveira nos campos do norte da Síria, ele relata a história de sua dramática experiência, que aconteceu no começo do verão de 2016. Seu cabelo é curto e preto, e ele usa uma camisa polo velha. Seus olhos se enchem de lágrimas enquanto ele conta a história do que aconteceu com ele e Ali. É o tipo de coisa que tem acontecido com as pessoas na fronteira entre Síria e Turquia quase todos os dias, nos últimos meses.

Em seu quinto ano, a guerra na Síria alcançou um novo nível de brutalidade. Com a ajuda da Rússia e do Irã, o ditador Bashar Assad intensificou seus bombardeios contra a população civil da Síria, e seu regime está prestes a assumir controle do que restou de Aleppo. Milhares de pessoas fugiram da cidade nos últimos dias, mas os caminhos para países vizinhos estão bloqueados em sua maior parte. O embaixador da França para a ONU até alertou recentemente que esse é “um dos maiores massacres de civis desde a Segunda Guerra Mundial.”

A Turquia, que recebeu quase 3 milhões de refugiados sírios nos últimos anos, selou suas fronteiras após o acordo de refugiados da primavera de 2016 com a União Europeia. Os sírios que tentam entrar na Turquia de avião ou navio a partir de um terceiro país, como o Líbano ou a Jordânia, precisam de um visto, mas raramente os oficiais os emitem. E a rota por terra está bloqueada.

1.nov.2016 - Veículo militar passa por muro na fronteira entre a Síria e Turquia, próximo ao vilarejo turco de Besarslan - Umit Bektas/Reuters - Umit Bektas/Reuters
Veículo militar passa por muro na fronteira entre a Síria e Turquia
Imagem: Umit Bektas/Reuters

A nova crise de refugiados

O governo alemão alega que foi o acordo com a Turquia que gerou a crise dos refugiados. No entanto, na verdade a crise só foi desviada. O muro na fronteira alemã que a chanceler Angela Merkel queria evitar a todo custo acabou sendo erguido pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, na fronteira de seu país com a Síria: uma barricada de cimento de 3 metros de altura que se estende por centenas de quilômetros e impede que refugiados entrem no país.

As pessoas podem não estar mais se afogando no Mar Egeu, onde o número de barcos partindo da costa turca para as ilhas gregas caiu significantemente como resultado do acordo, mas agora elas estão morrendo na fronteira entre Turquia e Síria.

Nos últimos meses, o Spiegel Online falou com várias pessoas na Síria e na Turquia que testemunharam guardas fronteiriços atirando contra pessoas que buscavam proteção enquanto a Human Rights Watch documentou sete casos similares em maio. A fronteira entre Síria e Turquia se transformou em uma faixa da morte.

Bashar Mustafa e seu primo Ali cresceram em Al-Duriya, um vilarejo sírio na fronteira turca. Ali era o mais velho de cinco filhos e sustentava a família, colhendo azeitonas nos campos do norte da Síria, depois que seu pai foi levado por capangas de Assad.

Às vezes ele e Bashar conseguiam ganhar um dinheirinho extra guiando sírios que fugiam para a Turquia —que é o que eles estavam fazendo naquela noite de agosto quando os soldados turcos abriram fogo. “Sabemos que os turcos são extremamente rigorosos na fronteira”, diz Bashar. “Mas senão do quê vamos viver?”

Organizações de auxílio estimam que meio milhão de sírios está aguardando atualmente na região da fronteira, na esperança de conseguirem fugir para a Turquia. Os acampamentos na fronteira estão superlotados, mulheres e crianças dormem no meio do mato e há poucos suprimentos.

28.11.2016 - Funcionários levam ajuda humanitária para caminhão na fronteira entre a Síria e a Turquia, em Hatay - Ozan Kose/AFP - Ozan Kose/AFP
Funcionários levam ajuda humanitária para caminhão na fronteira entre a Síria e a Turquia
Imagem: Ozan Kose/AFP

Um em cada mil

Desde que a Turquia fechou a fronteira, uma indústria de contrabando se formou no norte da Síria. Até o começo deste ano, coiotes levavam as pessoas para atravessar a fronteira e entrar na Turquia por menos de 100 euros. Agora custa mil euros para se entrar na Turquia, e a maioria das tentativas fracassa. De cada mil tentativas, de acordo com as estimativas de um comandante do Exército Livre da Síria (ELS), estacionado no norte da Síria, somente uma é bem-sucedida, no máximo.

O líder rebelde se conecta com combatentes do ELS, ativistas, coiotes e paramédicos através do WhatsApp e recebe informações regularmente sobre sírios que se feriram ou foram mortos enquanto tentavam fugir. Ele diz que os soldados turcos agora atiram em cada imigrante que se aproxima da fronteira. Enquanto isso, o Exército turco nega as acusações e diz que só dispara “tiros de alerta”.

Aqueles que conseguem atravessar a fronteira correm o risco de serem apreendidos pela força de segurança turca e houve relatos de abusos durante custódia. Um estudante de engenharia de Deir ez-Zor, no leste da Síria, diz que ele foi trancado por dois dias em um quartel militar perto da cidade de Reyhanli, que faz fronteira com a Turquia, e não recebeu nada para comer ou beber. Ele conta que soldados turcos bateram nele, roubaram seus pertences e depois o colocaram em um ônibus cheio de outros refugiados de volta para a Síria.

Acusações como essas não se adequam exatamente com a política de “portas abertas”, anunciada oficialmente por Erdogan. O muro na fronteira síria, ele diz, é para proteger a Turquia do terrorismo e não para evitar que refugiados atravessem a fronteira. Os combatentes do Estado Islâmico (EI) perpetraram diversos ataques na Turquia nos últimos meses, matando 55 pessoas em um desses ataques, cometido em um casamento no final de agosto, no sudeste da Turquia.

Pouco tempo depois, o Exército turco marchou para dentro da Síria para tirar milícias curdas e do EI da região de fronteira. Erdogan por muito tempo quis estabelecer uma “zona segura” no norte da Síria e disse que os refugiados poderiam se abrigar ali também.

“Quem se importa conosco?”

Por muito tempo Erdogan gostou de seu papel como protetor dos muçulmanos da Síria, diz Metin Çorabatir, diretor do Centro de Pesquisas sobre Asilo e Migração (IGAM), sediado em Ancara. Contudo, ultimamente as tensões entre imigrantes sírios e o povo na Turquia têm se elevado, e o desemprego está em seu nível mais alto dos últimos sete anos. “Erdogan não tem interesse em permitir que mais refugiados entrem no país”, diz Çorabatir.

Enquanto isso, a Europa tolera as violações dos direitos humanos que estão sendo cometidas na fronteira entre Síria e Turquia. Nem o governo alemão, nem a Comissão Europeia fizeram uma tentativa de descobrir mais sobre os tiros que estão sendo disparados no local. A chanceler Merkel está contando com Erdogan para manter os refugiados longe da Europa, não importa como ele o faça.

Bashar Mustafa acompanha sua tia Mariam até o túmulo de Ali, no topo de uma encosta sobre o vilarejo. Os dois se ajoelham diante de um pedaço de pedra decorado com arbustos e Mariam Mustafa segura o rosto com as mãos. Ela diz que não sabe como vai fazer para continuar, para alimentar sua família. Ela diz que quer a punição do assassino de Ali, mas não tem a quem recorrer. Ela sacode a cabeça, incrédula. “Quem se importa conosco?”