Não podemos achar normal ver crianças atuando em novelas
Na última semana, presenciamos diversas notícias sobre o trabalho artístico de crianças e adolescentes, fato que reacendeu a discussão em torno dessa forma de trabalho. Pelo dito popular, “lugar de criança é na escola”. Pode, ainda assim, existir trabalho artístico infanto-juvenil?
Nosso ordenamento jurídico prevê uma ampla barreira de proteção à criança e ao adolescente, especialmente por se tratar da fase de desenvolvimento intelectual, moral e físico do ser humano. Essa barreira protetora tem como norte o princípio da proteção integral, que garante “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer”.
Nessa linha, de modo a resguardar a proteção integral, a Constituição proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. Dessa maneira, temos que o trabalho do menor é exceção.
Inserido nesse mesmo cenário, surge a modalidade de trabalho artístico do menor. Nossa legislação possibilita o seu trabalho artístico e prevê a necessidade de autorização judicial específica e individual para a atuação artística, como, por exemplo, em teatros, filmes, circos e televisão.
Assim, deve a empresa interessada apresentar pedido de autorização para cada trabalho infanto-juvenil. Na capital de São Paulo, por exemplo, por força da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, esse pedido será apreciado pelo Juízo Auxiliar da Infância e Juventude do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Para a concessão do alvará, ouvido o membro do Ministério Público do Trabalho e, caso necessário, a equipe de apoio multidisciplinar do Tribunal, o Juízo Auxiliar da Infância e Juventude analisará as especificidades de cada caso, podendo autorizar a participação do menor desde que “a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe não possa ser prejudicial à sua formação moral” e “ser a ocupação do menor indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral”.
Vale lembrar, ainda, que caso o juiz verifique que o trabalho executado pelo menor seja prejudicial à sua saúde, ao seu desenvolvimento físico ou à sua moralidade, poderá obrigá-lo a abandonar o serviço. Cabe também ao magistrado fixar o número de horas de duração do trabalho e estabelecer as condições em que tal trabalho será permitido.
Em resumo, o Juízo Auxiliar da Infância e Juventude apreciará a solicitação, sempre tendo em conta que o trabalho a ser realizado não poderá por em risco qualquer direito ou princípio protetor da construção moral e do desenvolvimento intelectual e físico do menor.
E no caso de indeferimento de alvará para o trabalho artístico do menor, caberá recurso ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho, podendo a decisão anterior ser mantida ou reformada. Voltemos, agora, ao nosso questionamento inicial: se lugar de criança é na escola, pode existir trabalho artístico infanto-juvenil?
Como vimos nas linhas anteriores, a regra geral é a garantia ao crescimento saudável do menor, do ponto de vista moral, físico e psíquico, de modo que o seu trabalho artístico somente poderá ser autorizado se não houver violação à essa proteção integral, ou seja, desde que não seja prejudicial à sua formação moral, não atrapalhe seus estudos nem lhe subtraia seu tempo de lazer, por exemplo.
Não nos deixemos cair na tentação midiática de que é normal ver menores atuando em qualquer filme, peça ou na televisão. Há limites constitucionais, legais e morais que devem ser respeitados, sob pena de invertermos a lógica natural da vida e agravarmos, ainda mais, o nível da educação de nosso país.
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