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Revisão da Lei de Anistia cabe ao Legislativo, diz relator

Raquel Maldonado*<br>Do UOL Notícias<br>Em São Paulo

28/04/2010 19h38

Mais sobre o relator da ação

  • O relator da ação, o ministro Eros Grau, foi o único dos 11 membros do STF a ter sofrido tortura durante o regime militar. Ele foi preso e torturado nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, por advogar em defesa de opositores do regime.

 

 

 

 Durante a leitura de seu voto, de 76 páginas, o ministro disse que, no Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário não está autorizado a alterar e reescrever a Lei da Anistia. “Quem poderia revê-la seria exclusivamente o Poder Legislativo”, disse Eros Grau. O relator citou decreto do Chile que concedeu anistia naquele país e posterior pedido de alteração no Senado. “Como se vê, a revisão da Lei da Anistia será feita pelo Poder Legislativo.”

Eros Grau disse ainda que "a decisão pela improcedência da ação não exclui o repúdio a qualquer tipo de tortura. Há coisas que não podem ser esquecidas”, complementou.

Na ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), a OAB pede que o Supremo dê uma interpretação mais clara ao artigo 1º da lei, defendendo que a anistia não deveria alcançar os autores de crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, abuso de autoridade, lesões corporais, desaparecimento forçado, estupro e atentado violento ao pudor, contra opositores ao regime político da época.

O ministro José Antonio Dias Toffoli está impedido de votar no caso, pois estava na AGU quando o órgão deu parecer contrário à ação. Outra baixa é o ministro Joaquim Barbosa, que está de licença.

Argumentos
No início do julgamento, o jurista Fábio Konder Comparato, professor emérito da USP e defensor da punição aos torturadores, fez a sustentação oral da ação em nome da OAB. Comparato citou em seu discurso uma frase do ex-ministro do STF Evandro Lins e Silva: “O que o povo brasileiro espera dessa Corte Suprema não é o perdão, é a boa, simples e cabal justiça”.

Ele defendeu ainda que este julgamento é a oportunidade que o Supremo tem para que seja recuperada a honorabilidade das Forças Armadas, “maculada por atos arbitrários e delitos do regime militar”.

Na sequência, quatro entidades que participam da ação como amicus curiae (amigos da Corte), ou seja, colaborando com o embasamento do processo, apresentaram seu entendimento. O primeiro a falar foi Pierpaolo Bottini, representando a Associação Juízes para a Democracia (AJD). “A sociedade brasileira não perdoou os crimes praticados contra os opositores do regime militar. Espero que possamos colocar um ponto final neste triste passado para que nunca mais alguém seja torturado por discordar de um regime político”, disse.

Em seguida, Helena de Souza Rocha, do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), pediu que o Supremo se espelhe no Chile, na Argentina e em outros países da América Latina que já estão punindo torturadores. Também defendeu a revisão da Lei de Anistia, a representante da Associação Democrática e Nacionalista de Militares, a advogada Vera Karam Chueiri, atualmente coordenadora do Núcleo de Constitucionalismo e Democracia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Já pela manutenção da Lei de Anistia conforme vigora atualmente, o atual advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, relembrou em seu discurso que, mesmo com a revisão da lei, já não haveria punibilidade possível por prescrição da prática dos crimes, uma vez que ocorreram há pelo menos 30 anos.

Também com um posicionamento contrário à ação da OAB, em nome do Congresso Nacional, a advogada Gabrielle Tatih Pereira disse que a anistia produziu efeitos concretos, limitados no tempo e irrevogáveis.

Mais sobre a Lei de Anistia

O movimento que levou ao projeto e à sanção da Lei de Anistia começou logo após a instituição do regime militar, em 1964. No início, apenas intelectuais e lideranças políticas que tiveram seus direitos cassados faziam parte do movimento. Depois, a proposta ganhou a sociedade conforme aumentava a repressão por parte da ditadura. No final da década de 70, sob forte pressão popular e já em processo de liberalização, o então presidente general João Baptista Figueiredo encaminhou o projeto de lei ao Congresso, que o aprovou. A lei foi sancionada no dia 28 de agosto de 1979.

O último a falar antes da leitura do voto do relator da ação foi o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele defendeu que a ação da OAB estaria propondo a desconstituição da anistia como foi concebida no final da década de 70, o que poderia significar um rompimento com o compromisso feito naquele contexto histórico. “Reconhecer a legitimidade da Lei de Anistia não significa apagar o passado”, disse Gurgel. 

Manifestação
Durante o julgamento, familiares de desaparecidos políticos fizeram protesto em frente à sede do STF.

Manifestantes do grupo Tortura Nunca Mais penduraram fotos de diversos militantes, mortos ou desaparecidos durante a Ditadura Militar (1964-1985), entre eles David Capistrano da Costa, dirigente do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e sequestrado juntamente com José Roman em março de 1974.

Membros do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) também participaram do protesto gritando “Justiça sim, Anistia não!”.

Além disso, simpatizantes da AJD entregaram manifesto contra a anistia aos torturadores, que pede assinaturas para petição a ser encaminhada ao STF. “O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os carrascos da ditadura militar”, dizia o texto.

*Com informações do Última Instância