Há 20 anos, começava derrocada de Collor, único presidente a sofrer impeachment no Brasil
“Quem não sabe virar a página não merece ler o livro.” É com essa citação, atribuída a seu pai, que o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), 62, costuma se referir ao seu afastamento da Presidência da República. Nesta quarta-feira (23), completam-se 20 anos das denúncias que acabariam por remover do Palácio do Planalto o primeiro mandatário eleito em quase três décadas.
Quando a revista “Veja” publicou acusações que o empresário Pedro Collor fazia ao irmão presidente, as reações dos parlamentares da democracia brasileira estavam longe da descrença nas denúncias, mas perto da tese de que o jovem sucessor de José Sarney continuaria no cargo mesmo que enfraquecido. Se realmente o tesoureiro Paulo César Farias movimentava dinheiro no exterior para beneficiar o presidente, uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) descobriria.
Apesar de a CPI surgir, muitos dos homens mais poderosos do Brasil não defendiam a saída de Collor nem com o agravamento das denúncias. “O doutor Ulysses Guimarães achava uma má ideia defenestrar logo o primeiro que foi eleito”, disse ao UOL o senador Pedro Simon (PMDB-RS), um dos principais articuladores da oposição naquele período. “Muitos outros também não compraram a possibilidade, por medo de retorno dos militares. Ninguém queria.”
A maioria dos aliados de Collor em 1992 prefere não desagradar o senador de hoje. Mas, nos bastidores, afirmam que ex-presidente foi arrogante e menosprezou os efeitos que a CPI traria. O secretário de governo, Jorge Bornhausen, não teria recebido nenhum pedido enfático para evitar a abertura da comissão. Também a deixou fluir na maior parte do tempo, até que os governistas se tornaram minoria, por conta de uma manobra política.
Quando Bornhausen agiu, uma rivalidade local pesou sobre a CPI. O senador Esperidião Amin (PDS-SC) foi persuadido por semanas a abrir mão de sua vaga na comissão em favor do ex-desembargador José Paulo Bisol (PSB-RS). Com 12 membros, a oposição já podia aprovar convocações e quebras de sigilos. “Foi aí que Collor começou a ver que era sério”, disse o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ).
Relembre a trajetória que levou Collor a sofrer impeachment
Apoio diminui, mas não acaba
Foi essa mudança de clima na CPI que viabilizou a convocação do motorista Eriberto França, que trabalhava para a secretária de Collor. O funcionário provou que pagava contas da Casa da Dinda, onde mora até hoje o ex-presidente. Em seguida, apareceu um cheque vindo de uma conta fantasma, emitido por um funcionário de PC Farias, para a compra de um carro Fiat Elba para a primeira-dama. Suspeitava-se que houvesse até US$ 50 milhões de Collor no exterior.
A base de Collor no Congresso estava solapada. A saída inicial foi buscar o apoio de governadores poderosos, como o paulista Luiz Antônio Fleury Filho (então no PMDB) e o gaúcho Leonel Brizola (PDT), que administrava o Rio de Janeiro e tinha sido seu adversário nas eleições de 1989. Surpreendentemente o esquerdista seguiu com o presidente até o fim. “Dividiu o partido, mas ele foi respeitoso”, diz Miro. “Mas nunca houve uma autocrítica.”
O movimento trouxe poucos resultados. E até aliados próximos já lhe davam as costas – não necessariamente por conta das denúncias, mas também por disputas por espaço político. Era o caso de seu ex-líder na Câmara dos Deputados, o hoje senador Renan Calheiros (PMDB-AL), já reatado com Collor. “Aquilo é passado, nem vale discutir”, resume o peemedebista. O recado mais duro, no entanto, veio de um parlamentar de perfil discreto.
“Percebemos que o governo tinha se isolado quando o líder do governo no Senado, Marco Maciel (PFL), subiu à tribuna”, diz o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que propôs a CPI. “Ele esperou muito. Todos estavam cobrando um pronunciamento. Aí o Marco vai lá e diz que estava esperando que Collor desse os argumentos para defendê-lo. Foi um constrangimento incrível, não era qualquer um dizendo que ele devia explicações à sociedade.” Procurado, Maciel não foi encontrado para comentar.
Entre seus últimos aliados fieis, estava o deputado federal Roberto Jefferson (PTB), que anos depois se tornaria pivô do escândalo do mensalão, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
“No fim deu tudo certo”, relembra o senador Simon, sobre o primeiro presidente afastado de acordo com o rito democrático e substituído sem percalços na história brasileira. “Itamar Franco assumiu a Presidência, houve um governo de união nacional, com a exceção do PT, e os militares não voltaram. Talvez não tenha dado tudo certo para o Collor. Mas também é fato que ele voltou.”
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