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Há 20 anos, começava derrocada de Collor, único presidente a sofrer impeachment no Brasil

Já na iminência de sofrer impeachment, Fernando Collor de Mello participa da cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Telecomunicações Rurais, no Palácio do Planalto, em setembro de 1992 -
Já na iminência de sofrer impeachment, Fernando Collor de Mello participa da cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Telecomunicações Rurais, no Palácio do Planalto, em setembro de 1992

Maurício Savarese

Do UOL, em Brasília

23/05/2012 06h00

“Quem não sabe virar a página não merece ler o livro.” É com essa citação, atribuída a seu pai, que o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), 62, costuma se referir ao seu afastamento da Presidência da República. Nesta quarta-feira (23), completam-se 20 anos das denúncias que acabariam por remover do Palácio do Planalto o primeiro mandatário eleito em quase três décadas.

Quando a revista “Veja” publicou acusações que o empresário Pedro Collor fazia ao irmão presidente, as reações dos parlamentares da democracia brasileira estavam longe da descrença nas denúncias, mas perto da tese de que o jovem sucessor de José Sarney continuaria no cargo mesmo que enfraquecido. Se realmente o tesoureiro Paulo César Farias movimentava dinheiro no exterior para beneficiar o presidente, uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) descobriria.

Apesar de a CPI surgir, muitos dos homens mais poderosos do Brasil não defendiam a saída de Collor nem com o agravamento das denúncias. “O doutor Ulysses Guimarães achava uma má ideia defenestrar logo o primeiro que foi eleito”, disse ao UOL o senador Pedro Simon (PMDB-RS), um dos principais articuladores da oposição naquele período. “Muitos outros também não compraram a possibilidade, por medo de retorno dos militares. Ninguém queria.”

A maioria dos aliados de Collor em 1992 prefere não desagradar o senador de hoje. Mas, nos bastidores, afirmam que ex-presidente foi arrogante e menosprezou os efeitos que a CPI traria. O secretário de governo, Jorge Bornhausen, não teria recebido nenhum pedido enfático para evitar a abertura da comissão. Também a deixou fluir na maior parte do tempo, até que os governistas se tornaram minoria, por conta de uma manobra política.

Quando Bornhausen agiu, uma rivalidade local pesou sobre a CPI. O senador Esperidião Amin (PDS-SC) foi persuadido por semanas a abrir mão de sua vaga na comissão em favor do ex-desembargador José Paulo Bisol (PSB-RS). Com 12 membros, a oposição já podia aprovar convocações e quebras de sigilos. “Foi aí que Collor começou a ver que era sério”, disse o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ).

Relembre a trajetória que levou Collor a sofrer impeachment

Apoio diminui, mas não acaba

Foi essa mudança de clima na CPI que viabilizou a convocação do motorista Eriberto França, que trabalhava para a secretária de Collor. O funcionário provou que pagava contas da Casa da Dinda, onde mora até hoje o ex-presidente. Em seguida, apareceu um cheque vindo de uma conta fantasma, emitido por um funcionário de PC Farias, para a compra de um carro Fiat Elba para a primeira-dama. Suspeitava-se que houvesse até US$ 50 milhões de Collor no exterior.

A base de Collor no Congresso estava solapada. A saída inicial foi buscar o apoio de governadores poderosos, como o paulista Luiz Antônio Fleury Filho (então no PMDB) e o gaúcho Leonel Brizola (PDT), que administrava o Rio de Janeiro e tinha sido seu adversário nas eleições de 1989. Surpreendentemente o esquerdista seguiu com o presidente até o fim. “Dividiu o partido, mas ele foi respeitoso”, diz Miro. “Mas nunca houve uma autocrítica.”

O movimento trouxe poucos resultados. E até aliados próximos já lhe davam as costas – não necessariamente por conta das denúncias, mas também por disputas por espaço político. Era o caso de seu ex-líder na Câmara dos Deputados, o hoje senador Renan Calheiros (PMDB-AL), já reatado com Collor. “Aquilo é passado, nem vale discutir”, resume o peemedebista. O recado mais duro, no entanto, veio de um parlamentar de perfil discreto.

“Percebemos que o governo tinha se isolado quando o líder do governo no Senado, Marco Maciel (PFL), subiu à tribuna”, diz o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que propôs a CPI. “Ele esperou muito. Todos estavam cobrando um pronunciamento. Aí o Marco vai lá e diz que estava esperando que Collor desse os argumentos para defendê-lo. Foi um constrangimento incrível, não era qualquer um dizendo que ele devia explicações à sociedade.” Procurado, Maciel não foi encontrado para comentar.

Entre seus últimos aliados fieis, estava o deputado federal Roberto Jefferson (PTB), que anos depois se tornaria pivô do escândalo do mensalão, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

“No fim deu tudo certo”, relembra o senador Simon, sobre o primeiro presidente afastado de acordo com o rito democrático e substituído sem percalços na história brasileira. “Itamar Franco assumiu a Presidência, houve um governo de união nacional, com a exceção do PT, e os militares não voltaram. Talvez não tenha dado tudo certo para o Collor. Mas também é fato que ele voltou.”

RELEMBRE A QUEDA DE FERNANDO COLLOR