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Esquema de Cachoeira era "máfia mais lucrativa que empresa", diz procuradora à CPI; procurador vê trabalho "paliativo"

Do UOL, em Brasília*

21/08/2012 11h42Atualizada em 21/08/2012 13h05

A procuradora Léa Batista de Oliveira afirmou na CPI do Cachoeira nesta terça-feira (21) que a organização criminosa comandada pelo contraventor Carlinhos Cachoeira ainda não foi desarticulada e é uma "máfia mais lucrativa que uma empresa".

Em sua fala à comissão, a procuradora fez um breve resumo do seu trabalho à frente das operações da Polícia Federal que, em fevereiro deste ano, resultaram na prisão do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e alguns dos seus comparsas. Em seguida, falou à comissão o procurador Daniel Rezende Salgado.

Segundo Léa, a organização "mafiosa" do grupo de Cachoeira está clara pela estratégia adotada pelos acusados, de permanecer em silêncio na comissão, e pelas ameaças a autoridades. "O silêncio é um direito de todos, mas o código de silêncio adotado nos depoimentos à CPI e à Justiça Federal é típico de organizações mafiosas, quando um membro de grupo, com seu silêncio, quer defender o grupo e ser leal ao chefe", declarou.

“O certo é que a operação desvelou uma máfia, uma sociedade bem estruturada e mais lucrativa que uma grande empresa. Um grupo profissionalizado, estável, permanente e habitual, montado para o cometimento de crimes de natureza grave. A sua existência por mais de uma década foi suficiente para montar uma estrutura estável e entranhada no seio do Estado”, afirmou a procuradora. “Enquanto não conseguirmos sufocar a organização ela continuará atuando, independente da prisão do chefe dela ou não”, afirmou Léa.

“Foi deflagrada a Operação Monte Carlos que resultou em oito decretos de prisões preventiva, 28 decretos de prisões temporárias, 82 mandados de busca e apreensão, 45 mandados de condução coercitivas e 45 agentes estatais foram afastados da função”, detalhou a procuradora.

Apesar das prisões, na avaliação da procuradora, as atividades do grupo continuam devido ao “silêncio orquestrado” dos integrantes do grupo em depoimentos na CPI e no Conselho de Ética do Senado, que levou o pedido de cassação do mandato do senador Demóstenes Torres (sem partido, ex-DEM-GO) à aprovação no conselho e depois em plenário, por quebra de decoro parlamentar pela relação dele com o bicheiro. 

A procuradora relembrou o fato de ter sido ameaçada de morte por duas vezes via e-mail, teve uma visita indesejada em sua casa às 5h45 da madrugada. Sua equipe de segurança foi abordada por PMs e seu carro foi marcado. Léa Batista também destacou que os episódios obrigaram o reforço da segurança dela bem como do outro procurador, Daniel Rezende Salgado, e dos juízes do caso, o que reforça sua argumentação de que a organização de Cachoeira "continua atuando", ainda que seu chefe esteja preso.

De acordo com Léa Batista, ficou clara a estrutura piramidal do esquema de atividade criminosa do grupo comandado por Cachoeira que pretendia cartelizar o funcionamento de jogos de azar no Estado de Goiás, com o apoio de policiais e servidores das “esferas estadual, municipal e federal”.  

A procuradora lembrou ainda que, no início deste ano, as escutas telefônicas mostraram que integrantes da quadrilha haviam descoberto que estavam sendo investigados. Sabiam o nome da operação da PF e a Vara Federal responsável pelas investigações, por isso foi preciso antecipar a deflagração da operação Monte Carlo.

Histórico

A procuradora fez um relato da atuação do Ministério Público, lembrando que as investigações da Operação Monte Carlo começaram em Valparaíso de Goiás – cidade localizada no entorno do Distrito Federal. As primeiras irregularidades foram detectadas em 2008, pela Operação Vegas. A Operação Monte Carlo foi iniciada em 2010.

Em março de 2011, o caso foi transferido para a Justiça Federal, em razão do envolvimento de um policial rodoviário federal.

Segundo Léa, a exploração de jogos ilegais ocorria em locais conhecidos e de modo explícito. Para que isso fosse possível, a organização criminosa de Cachoeira contava com a colaboração de servidores públicos nas esferas federal, estadual e municipal.

Como se isso não bastasse, disse ela, agentes do Estado eram utilizados para eliminar a concorrência, num claro controle territorial. “O recrutamento de policiais pela organização criminosa é claro e inconteste”, afirmou.

Segundo depoimento

O procurador Daniel Rezende Salgado, segundo a depor hoje na CPI, afirmou que as investigações do Ministério Público Federal ficaram restritas à exploração de jogos de azar pela organização de Cachoeira, a partir da cooptação das autoridades para eliminar a concorrência e instalar uma “espécie de cartel” comandado por Cachoeira.

Os procuradores admitiram que não avançaram nas investigações  em relação a outros dois pontos que a CPI investiga: o tráfico de influência dele no governo de Goiás e no uso de empresas fantasmas para a lavagem de dinheiro do jogo e da relação destas empresas ligadas a Cachoeira com a construtora Delta.

"A antecipação da Operação Monte Carlo, em razão do vazamento de informações, fez com que deixássemos de investigar outras áreas. Tinha uma parte empresarial do grupo criminoso e não conseguimos investigar. Temos um material bruto que precisa ser submetido a análise", disse.

Salgado também falou das dificuldades em investigar por causa da presença de policiais militares, civis e federais na organização criminosa. "Como era difícil o trabalho de campo, tivemos de usar as interceptações telefônicas", disse.

De acordo com ele, os depoimentos de hoje pouco podem ajudar no avanço do trabalho da CPMI.

Salgado afirmou que o Estado faz um trabalho meramente paliativo. “Você fecha uma casa de jogos e ela logo migra para outra cidade”, disse.

Até o início da reunião, havia a expectativa entre os parlamentares de que os depoimentos dos dois procuradores fossem feitos em reunião fechada, a exemplo do que correu no Conselho de Ética. Eles já haviam chamados pela comissão em maio para depor, mas pediram o adiamento da presença deles na CPI até que participassem de audiência na Justiça de Goiás para tratar do caso.

Ao juiz, o procurador pediu que Cachoeira seja condenado por “17 eventos de criminosos”, entre eles: formação de quadrilha,  quebra de sigilo e tráfico de influência. A expectativa de Daniel Rezende é que a pena máxima de reclusão de Cachoeira seja 15 anos de prisão, levando em conta a possibilidade de redução de pena.

Durante a sessão, o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), ressaltou o pedido que fez à presidência da CPI para quebrar o sigilo de outras 12 empresas, além das seis que já foram quebradas. Com relação as 18 empresas que destacou, o senador aponta elas atuavam como “laranjas” de Cachoeira e que serviriam para lavar dinheiro e que juntas, teriam repassado R$ 413 milhões para a empresa Delta.

O assunto só será votado juntamente com outros requerimentos durante a reunião administrativa da comissão, que ainda não tem data definida, mas deverá ser no início do mês.

*Com informações de Camila Campanerut e Agência Câmara