Topo

Indicações controversas para comissões no Congresso colocam "prego no caixão da democracia", diz analista

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

08/03/2013 06h00

nomeação de um pastor de declarações racistas e homofóbicas para a Comissão de Direitos Humanos ou de condenados no julgamento do mensalão para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania --que abarca ainda um fugitivo da Justiça americana-- da Câmara dos Deputados é o tipo de medida que revela o poder dos colégios de líderes da Casa e do Senado e que "coloca um prego no caixão da democracia brasileira". As análises foram feitas pelo professor de ética e filosofia Roberto Romano, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pelo cientista político David Fleischer, da UnB (Universidade de Brasília).

Além do deputado Marco Feliciano, nomeado nesta quinta-feira (7) presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a escolha de nomes que despertaram ira e estranhamento na opinião pública para as comissões permanentes das duas casas legislativas tem ao menos outros oito nomes de envolvidos em polêmicas ou mesmo condenações.

São nomes como os de José Genoino e João Paulo Cunha (PT-SP), recém-condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão, ano passado, e de Paulo Maluf (PP-SP), já condenado por desvios de verbas públicas e listado como procurado pela Interpol, suspeito de lavagem de dinheiro. Os três são titulares na Comissão de Constituição e Justiça.

Ainda na Câmara, a Comissão de Educação é presidida por Gabriel Chalita --que já assumiu, por sinal, defendendo-se das acusações de desvios de recursos quando ocupou a Secretaria de Educação no governo de São Paulo, entre 2002 e 2006.

“Os parlamentares estão colocando, em longo prazo, um prego no caixão da democracia. Se ao menos houvesse agora adversários [do regime democrático] do lado de fora pregando fim do poder... mas são eles mesmos, lá dentro, que estão conduzindo o cortejo fúnebre da ordem democrática”, avaliou Romano.

Para o professor de ética, não raro integrantes das comissões permanentes agem como lobistas de interesses de suas bancadas ou partidos. “Se você não tem a legalização do lobby, esses deputados e senadores se transformam em lobistas e usam grande parte do mandato para defender interesses conflitantes aos de princípios éticos”, disse.

Na avaliação de Romano, a indicação de nomes que estão envolvidos em polêmicas ou, situação mais grave, em desvios de recursos públicos, afeta um dos pilares básicos da legitimidade do agente político: “o respeito às prerrogativas e deveres do cargo”.

“O caso do deputado Feliciano é emblemático: ele é um lobista da sua própria igreja [Assembleia de Deus], e ficou claro que tem uma visão muito particular do que sejam direitos humanos. Da mesma forma, como colocar alguém condenado pela mais alta corte de Justiça, em um processo político, em uma comissão de Justiça?”, indagou o estudioso, que completou: “Nem Câmara, nem Senado estão percebendo esses desvios em relação ao exercício correto do cargo. Basta ler a Constituição Federal, está lá, com todas as letras, no artigo 37: o poder precisa ser exercido segundo critérios de moralidade e competência –o que implica em ter, nessas comissões, a pessoa mais isenta possível, acima dos conflitos dos interesses.”

 

O analista disse achar curioso que comissões de assuntos historicamente defendidos por algumas siglas não tenham tido os cargos de chefia pleiteadas por esses partidos.

“O PT, por exemplo, tem em seu estatuto a obrigação de defender os direitos humanos, mas escolheu outras comissões. O que pode ser mais importante na defesa de um país do que mulheres que são mortas dentro de casa, empresas que mantenham trabalho escravo ou crianças sendo estupradas? É interessante notar não apenas quem assumiu essa comissão, mas aqueles todos que abriram mão dela”, advertiu.

"Malhação do Judas"

Por outro lado, Romano avaliou que a repercussão dessas nomeações em redes sociais, por exemplo --o caso de Feliciano na CDH foi o mais notório, nos últimos dias--, ainda carecem de consistência. Ele as comparou a uma espécie de “malhação do Judas” virtual, mas sem ações concretas.

“Os partidos estão se tornando ‘partidos dos dirigentes’ e perdendo militantes –que acabam indo para Twitter e Facebook se manifestar. Mas é como malhar o Judas: o fazem, ficam contentes e voltam para casa. São raros os movimentos que, a exemplo do que originou a Lei da Ficha Limpa, ultrapassam os limites virtuais”, assinalou.

Responsabilidade é dos líderes

Já o cientista político da UnB destacou que as opções por nomes como Feliciano, Genoino, Cunha e Chalita “fazem parte da democracia brasileira”, mas são “responsabilidade maior dos partidos, sobretudo dos líderes partidários”, do que das instituições propriamente ditas.

“Essa maneira de Câmara e Senado distribuírem as comissões entre os partidos é feito todo ano pelo colégio de líderes --com rodízio de um ano [Câmara] ou dois anos [Senado] no posto. Se a liderança do PSC tivesse sido minimamente inteligente, teria pensado que haveria uma reação muito forte ao nome do pastor e geraria esse desgaste para a instituição”, defendeu.

Fleischer lembrou que tanto o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), quanto o da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), assumiram seus postos de comando das Casas com discurso de melhorar a imagem delas. “Mas episódios como essas nomeações controversas vão na contramão da proposta e denigrem as Casas até fora do país --temos correspondentes internacionais no Brasil, afinal”.

“Mas, ao menos no episódio do pastor na CDH, pode-se dizer que ele assume sob brutal pressão: a mídia e as organizações sociais farão um forte monitoramento dele, o que é positivo”, ressalvou.

Se as reações da sociedade podem ser um aviso a seus representantes empossados? “Eles ficam de sobreaviso a respeito de suas decisões, mas só ficam mais vulneráveis a essas reações em ano eleitoral, fato”, disse Fleischer.

Proporcionalidade é critério de escolha

Pelos regimentos da Câmara, o número de membros efetivos das comissões permanentes leva em conta critérios como o princípio da proporcionalidade partidária. Assim, partidos com as maiores bancadas, como PMDB e PT, por exemplo, têm mais chance de emplacar presidentes nas comissões que partidos de menor representatividade.

Pelo regimento do Senado, também vale a proporcionalidade para as indicações dos comandos das comissões. Aqui, porém, os membros delas são designados pelo presidente, “por indicação escrita dos respectivos líderes”.

Na Câmara, os membros têm mandato de um ano; no Senado, de dois anos.

Comissões do Senado

Além dos nomes controversos em meio às 21 comissões permanentes da Câmara, parte das 11 comissões do Senado também comportam agentes públicos que já estiveram no centro de polêmicas.

É o caso da Comissão de Serviços de Infraestrutura, presidida pelo senador Fernando Collor de Melo (PTB – AL), único presidente alvo de processo de impeachment no Brasil, e da comissão de Ciência e Tecnologia –presidida pelo ex-dirigente do Cruzeiro Zeze Perrella (PDT – MG), que já foi indiciado pela Polícia Federal sob suspeita de lavagem de dinheiro. O vice do pedetista na comissão é o senador Alfredo Nascimento (PR- AM) --que deixou o Ministério dos Transportes, em julho de 2011, em meio a denúncias sobre um suposto esquema de superfaturamento em obras que envolviam servidores da pasta.

Também no Senado, a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle é presidida por Blairo Maggi (PR – MT) --integrante da bancada ruralista e considerado um dos maiores produtores de soja do Brasil, o que gerou insatisfação por parte de ambientalistas e políticos ligados ao setor ambiental.