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"Servi de cobaia para aula de tortura", diz historiadora à Comissão da Verdade no Rio

A historiadora Dulce Pandolfi afirmou em depoimento à Comissão da Verdade do Rio que foi "cobaia" em aulas de tortura para agentes do Estado - Gabriel Telles/Alerj
A historiadora Dulce Pandolfi afirmou em depoimento à Comissão da Verdade do Rio que foi "cobaia" em aulas de tortura para agentes do Estado Imagem: Gabriel Telles/Alerj

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

28/05/2013 14h14Atualizada em 28/05/2013 16h32

A historiadora Dulce Pandolfi, presa e torturada na década de 1970, durante a ditadura militar, afirmou em depoimento à Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, nesta terça-feira (28), que foi “cobaia” em aulas de tortura para agentes do Estado. "Dois meses depois da minha prisão e já dividindo a cela com outras presas, servi de cobaia para uma aula de tortura. O professor, diante de seus alunos, fazia demonstrações com o meu corpo. Era uma espécie de aula prática com algumas dicas teóricas”, disse, ao contar que um médico chegou a examiná-la depois que ela começou a passar mal para garantir que ela resistiria até o fim da aula.

Dulce, que fazia parte do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da Universidade Federal de Pernambuco quando foi presa, contou que levava choques elétricos pendurada em um pau de arara, enquanto o professor dizia que aquela era a técnica mais eficaz. Ela foi levada para o quartel do Exército da rua Barão de Mesquita, na Tijuca, zona norte do Rio, onde funcionava o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna). Depois, foi transferida para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), na rua da Relação, no centro. Ela ficou um ano e quatro meses presa.

Para a historiadora, o principal papel da comissão é garantir que a existência da tortura por parte do Estado não seja esquecida. “É muito duro lembrar toda essa situação, mas é fundamental para que possamos construir um país mais justo e humano”, disse.

A cineasta Lúcia Murat também depôs nesta terça e disse que tentou várias vezes se matar. “A tortura era prática da ditadura, e nós sabíamos disso pelo relato dos companheiros que tinham sido presos antes. Mas nenhuma descrição seria comparável ao que eu vim a enfrentar. Não porque tenha sido mais torturada do que os outros, mas porque o horror é indescritível”, afirmou.

Além de ter sido presa no pau de arara, a cineasta disse que foi submetida a choques elétricos, espancamentos, entre outras técnicas que envolviam inclusive o uso de baratas sobre as feridas. Ela também foi levada primeiro para o DOI-CODI na Barão de Mesquita. Depois. foi encaminhada para o quartel de Barbalho, em Salvador. Ela ficou três anos e meio presa.

“Não aceitei dar esse depoimento nem por vingança nem por masoquismo, mas porque acho fundamental contar essa história. Revelar que foram, sim, praticados crimes de lesa-humanidade durante a ditadura”, afirmou Lúcia.

Ainda não foi definido quem serão as próximas pessoas ouvidas pela comissão publicamente. Os depoimentos desta terça-feira serão publicados na íntegra na edição de quarta-feira (29) do Diário Oficial da Assembleia Legislativa.

Lei da Anistia

Para o diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil, Atila Pereira Roque, que acompanhou os depoimentos, as discussões geradas pela instauração da Comissão da Verdade, tanto a nacional quanto as estaduais, levarão a uma revisão da Lei da Anistia.

“A comissão trata de crimes que não prescrevem, considerados de lesa-humanidade, que a legislação de tratados de direitos humanos internacionais dos quais o Brasil é signatário obriga que sejam responsabilizados. Não vai ter como evitar essa conversa, num segundo momento teremos que revisitar a própria lei da anistia”, afirma. 

Roque diz acreditar que, apesar de não ter a prerrogativa de apontar culpados, a comissão é um grande avanço para o país, ao trazer o tópico de volta ao debate e incentivar a criação de outros grupos de discussão sobre o que aconteceu durante a ditadura. “Esse exercício de olhar para o passado sem medo e entender qual foi o papel do Estado na instauração do terror é muito importante”, afirmou.

Criada em maio do ano passado, a Comissão da Verdade tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 e tem até dezembro de 2014 para entregar um relatório com o resultado dos trabalhos.

"Eu mereci", diz Amado Batista

Em entrevista ao programa "De Frente com Gabi", do SBT, que foi ao ar na madrugada desta segunda (27), o cantor Amado Batista disse não se sentir vítima do Estado por ter sido torturado durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Ainda comparou seus torturadores a "uma mãe que corrige um filho".

De acordo com o cantor, quando os militares investigaram seus clientes na livraria, acabaram chegando até ele. Batista ficou preso por dois meses. "Me bateram muito. Me deram choques elétricos", disse.

"Um dia me soltaram, todo machucado. Fiquei tão atordoado. Queria largar tudo e virar andarilho."

Questionado pela entrevistadora se teria vontade de confrontar seus torturadores, o cantor foi enfático: "Não. Eu acho que mereci. Fiz coisas erradas, eles me corrigiram, assim como uma mãe que corrige um filho. Acho que eu estava errado por estar contra o governo e ter acobertado pessoas que queriam tomar o país à força. Fui torturado, mas mereci".