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Manobras de Cunha são 'golpe' no processo político? Especialistas avaliam

2.jul.2015 - Com uma manobra regimental, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, colocou em votação novo texto da PEC que reduz a maioridade penal - Pedro Ladeira/Folhapress
2.jul.2015 - Com uma manobra regimental, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, colocou em votação novo texto da PEC que reduz a maioridade penal Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

03/07/2015 06h00

As decisões do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de reverter decisões da Casa sobre duas PECs (Propostas de Emendas Constitucionais) no dia seguinte à votação original, como ocorreu em maio no financiamento privado em campanhas eleitorais, e na última quarta-feira (1º) na redução da maioridade penal para 16 anos, poderão ter repercussões que enfraquecerão o processo político brasileiro, dizem cientistas políticos ao UOL.

Para conseguir a reversão dos resultados, Cunha empregou uma interpretação própria do regimento da Câmara (que regulamenta as votações no plenário) e o agendamento urgente de propostas de lei similares às que foram derrotadas. Dessa forma, conseguiu burlar o trecho da Constituição que determina que a matéria seja rediscutida apenas no ano seguinte à votação anterior. Juristas e parlamentares criticaram severamente a atitude de Cunha e prometem recorrer ao STF para reverter as manobras.

Os professores de ciência política ouvidos pela reportagem se dividiram sobre considerar um "golpe" as "pedaladas regimentais" de Eduardo Cunha, como falaram alguns deputados. 

Wanderley Reis

  • "Apesar de um exagero na palavra, a Ordem dos Advogados do Brasil já vai pedir ao Supremo analisar essas manobras se forem aprovadas. A sugestão de golpe é apropriada"

    Wanderley Reis, do departamento de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

Roberto Romano

  • "Não diria que é golpe, mas um procedimento golpista. Quando ele impõe a pauta, está agindo como líder da facção que está momentaneamente no poder da presidência da Câmara"

    Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

Leonardo Avritzer

  • "Golpe é um pouco exagerado, mas acho importante o Supremo Tribunal se pronunciar sobre o assunto"

    Leonardo Avritzer, do departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

Crise política enfraquece Dilma

Os especialistas são unânimes, porém, em afirmar que a situação é reflexo do momento político vivido pelo país. A formação de um parlamento mais conservador após as eleições de 2014, que por sua vez está levando ao enfraquecimento da presidente reeleita Dilma Rousseff, permitiram a ascensão de Cunha e de sua postura mais agressiva à frente do Congresso.

Argelina Cheibub Figueiredo

  • "Outros líderes da Câmara já realizaram manobras regimentais antes, mas não a ponto de causar uma resposta considerável, como ocorreu com Eduardo Cunha. Sinto que ele está usando o interesse próprio para marcar a presença dele e aumentando a insatisfação no plenário"

    Argelina Cheibub Figueiredo, professora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)

Michel Zaidan Filho

  • "As bancadas não obedecem a liderança de ninguém e e fácil cooptá-las. Isso ocorre por causa do troca-troca entre deputados. É uma das formações mais fisiológicas que já vi"

    Michel Zaidan Filho, cientista político da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)

Futuro

Tal situação poderá ser o início de uma crise de Estado mais profunda. "Quando se tem uma presidência falha, um Judiciário que se preocupa com as próprias benesses, como esses 78% de aumento salarial, e um Legislativo que age sob os atos de um dirigente ocasional, são sintomas que indicam que a soberania do Estado está em xeque", declarou Romano.

No entanto, o próprio Cunha poderá se dar mal por conta de sua postura, no entender de Romano. "Ele não percebe que esse instrumento de poder é complexo e poderá se voltar contra ele mais tarde, se por acaso ele se candidatar a presidente em 2018, como andam dizendo, e ele perca a eleição. Fora das eventuais alinaças do PT e do PSDB, ele com certeza vai perder essa hegemonia e sentir as dores do parto", especula o professor.