Impeachment de Dilma seria "estupro à Constituição", diz autor de 1992
O ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Marcelo Lavenère disse que, se aprovado, o impeachment da presidente Dilma Rousseff será um “estupro à Constituição”. "Espero que a Câmara tenha um lapso de lucidez e não faça isso", afirma.
Autor do pedido de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992 --ao lado do então presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Barbosa Lima Sobrinho--, Lavenère diz que nem mesmo a aprovação do conselho federal da OAB em apresentar um novo pedido de impeachment com os fatos revelados pela delação do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) ou os vazamentos dos grampos telefônicos entre Lula e Dilma convenceram o jurista a mudar de ideia. Ao contrário, o levaram a criticar a Ordem.
“Disse ao presidente da Ordem que a OAB entrou no mesmo barco dos golpistas; ela não é golpista, mas está acompanhada e está tomando o mesmo barco deles. Tomando as mesmas atitudes [dos golpistas], corre o risco de ser confundida como tal”, disse.
Lavenère participou da votação do conselho sobre o impeachment e se posicionou contra a medida. Acha a decisão da OAB “absolutamente equivocada” por se tratar de uma disputa político-partidária e contaminada pelo “conluio midiático com o pensamento único, com noticiários seletivo e distorcido”. “Não considero nenhum desses argumentos”, complementa.
“Primeiro a OAB não pode fazer um pedido com base em delação premiada, ainda mais nas condições em que estão ocorrendo hoje: prende, ameaça a pessoa e diz que, se ela não falar, ficará 30 anos na cadeia. Fazer isso é a negação do instituto da delação. Outra: não vejo nenhum motivo para que o ex-presidente Lula não possa ser ministro. É um ato de escolha dela [de Dilma]. Espero que o STF [Supremo Tribunal Federal] modifique uma decisão de um ministro [Gilmar Mendes] que não tem o mínimo de equilíbrio para julgar. Ele deveria, por uma questão de ética, se colocar impedido de julgar”, analisou.
Para o ex-presidente da Ordem, a decisão será uma mancha na história da entidade. “Não é adequado, nem compatível com a história, com a biografia, com sua luta a favor dos direitos e da legalidade aprovar uma coisa evidentemente abusiva”.
Lições de 1992
O jurista acredita que o impeachment de Collor deixou o país fortalecido e com grandes lições. "Depois do impeachment, o país saiu muito renovado nas suas convicções democráticas. O Itamar [Franco] assumiu o governo por dois anos, fizemos eleições sucessivas com muita disputa e mandatos de FHC e Lula. Foram quase 25 anos sem aperto, convulsão ou intolerância", afirmou.
Mas os tempos mudaram, diz Lavenère. "Quando é agora, o Brasil começa a ter essa convulsão, e vejo a democracia em risco. Temos um povo na rua em conflito; as garantias da Constituição violadas sistematicamente pelo abusos da Lava Jato; o vice conspirando contra o seu próprio governo; uma presidente que não pode governar perdendo sua base parlamentar; um pedido de impeachment usado abusivamente como se fosse uma coisa normal, sem crime --isso não é impeachment, é golpe", apontou.
Questionado, Lavenère diz que em 1992 não houve ataque à democracia e assegura que dois fatos marcam diferenças entre os processos de impeachment de Collor e de Dilma.
“O impeachment de Collor uniu do norte a sul, de rico a pobre, de preto a branco, de mulher a homem. Não teve ninguém que não ficasse feliz. E o de Dilma o país está dividido de maneira terrível. Segunda diferença: o centro das acusações era o Collor, não era o governo do Collor. Não foi o sequestro da poupança, não foi a reforma administrativa desastrosa; foi o irmão do Collor dizendo: 'Meu irmão é o chefe da gangue'. Agora, nem os que estão pedindo a saída acusam a presidente de ter cometido um crime, um dano ao erário, uma falta grave”, finaliza.
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