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'Seria bom para o PT ir para a oposição', diz Cristovam Buarque

Foto de dezembro de 2002 mostra o então presidente eleito Lula entre Dilma Rousseff (ministra de Minas e Energia) e Cristovam Buarque (ministro da Educação) - 20.dez.2002 - Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
Foto de dezembro de 2002 mostra o então presidente eleito Lula entre Dilma Rousseff (ministra de Minas e Energia) e Cristovam Buarque (ministro da Educação) Imagem: 20.dez.2002 - Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

05/04/2016 06h00

O impeachment da presidente Dilma Rousseff pode não ser de todo ruim para o PT, avalia o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que foi filiado ao partido entre 1990 e 2005. "Seria a única forma de sair disso: ir para a oposição", disse ao UOL.

Para o parlamentar, os problemas do partido na administração do país começaram na metade de 2003, o primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na época, Cristovam era ministro da Educação. "Lula, a partir de um certo momento, perdeu o vigor de transformar a sociedade. E aí optou pelo que a Dilma também optou, que é o poder pelo poder.”

A seguir, leia os principais trechos da entrevista concedida pelo senador por telefone.

UOL - O senhor, quando ainda era do PT (1990-2005), foi tirado do cargo de ministro da Educação no começo do segundo ano de gestão de Lula. O aviso foi feito por telefone, durante sua viagem de férias por Portugal. A justificativa, nos bastidores, era de que o então presidente não queria mais acadêmicos e suas ideias, mas gente que apresentasse resultado em seus ministérios. Por isso, Lula pegaria uma "turma boa da Câmara". Pesou também o fato de o senhor ter feito críticas à gestão de Lula. O que essa situação mostrou ao senhor sobre o que seria, a partir daquele instante, a administração petista na presidência?

Cristovam Buarque - Creio que houve uma inflexão em meados do primeiro ano do governo. O ministério do Lula perdeu o vigor transformador. Lula perdeu isso. Lula, a partir de um certo momento, perdeu o vigor de transformar a sociedade. Transformar a sociedade na direção de escola de qualidade para todos, na busca de uma indústria baseada em alta tecnologia. E daí perdeu a perspectiva do vigor transformador e de fazer uma política sem corrupção. E aí optou, pelo que a Dilma também optou, que é o poder pelo poder. Então, em vez de querer compor uma base política de parlamentares que ajude a fazer as reformar, quis compor uma base a ficarmos no poder. Você vê a diferença? E o Lula resolveu optar por como ficar no poder. Percebi isso quando ele não ia dar apoio para reformas na educação, que o que ele queria mesmo era facilitar a entrada de pessoas na universidade. Isso não transforma. Isso é bom, mas não transforma. O que transforma é colocar o filho do pobre em uma escola tão boa quanto a do filho do rico.

A situação do país muda com uma possível saída de Dilma da administração do país? E se ela continuar?

Eu acho que o PT torce para que o impeachment passe porque… imagine 2018: eu acho que seria bom para o partido, para o Lula. Essa seria a única forma de sair disso: ir para a oposição. Mas, então, por que a Dilma não renuncia? Porque, se renunciar, não vai ter a bandeira do golpe. Isso tem que acontecer passando a ideia de que eles lutaram o máximo possível. A Dilma, não. Acho que ela quer continuar.

Eu sou pessimista tanto com a Dilma quanto com o [vice-presidente Michel] Temer, com uma diferença: com o Temer entrando, haverá um alívio. Temer poderá vir a ser um alívio. Eu não estou dizendo que será.

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Mas, terminado esse processo de impeachment, ele é o presidente. Aí podem dizer que ele foi isso. Aí é o PT, na oposição, que pode dizer isso. Ele poderá deixar claro que é presidente, nesse período curto, para preparar as próximas eleições. Mas o Temer terá contra ele a força do PT na oposição, que vai parar o Brasil em greves. Além disso, ele vai ter que enfrentar uma guerrilha na Justiça porque os processos de impeachment contra ele vão continuar. E vão aparecer outros pedidos de impeachment.

Eu, hoje, não sou otimista, seja com impeachment ou sem impeachment. Por isso, eu defendo essa ideia de nova eleição. Eu não vejo outra alternativa para recomeçarmos. Poderia ser um presidente eleito com mandato tampão, de dois anos, e não precisaria mudar a data de 2018. É o que o país mais precisa hoje. Há momentos em que o país precisa de chuva, há momentos que precisa de paz, há momentos que precisa de capital. Hoje, o Brasil precisa de credibilidade.

A saída do PMDB do governo prova que, no sistema político brasileiro, as coligações entre partidos não têm como objetivo um programa em comum, mas ter tempo de propaganda eleitoral e cargos no governo?

Ficou provado isso e mais um agravante: que nem mesmo dentro de cada partido existe unidade. A prova é que, dos sete ministros do PMDB, só um saiu. Os outros estão com a Dilma, não estão com o PMDB. E mostra também a vergonha que é para salvar o mandato, ela está negociando cargos de uma maneira absolutamente irresponsável. Como é que ela pode, em um momento em que o país está vivendo uma epidemia tão grave de dengue, zika, ela jogar o Ministério da Saúde na negociação? O ministro [Marcelo Castro] pode até ficar dependendo do número de deputados que ele irá trazer. Ela deveria definir [a permanência] com base no número de mosquitos que ele vai destruir.

O senhor, por meio de uma PEC, sugere que, se 5% dos eleitores quiserem retirar um político de um cargo executivo, eles poderão fazer isso coletando assinaturas, que resultariam em uma consulta popular sobre a questão. Por que o senhor acha isso importante?

Ela não tem nada a ver com a crise que vivemos, com esse impeachment. Eu creio que o eleitor, primeiro, tem que ter direito a avaliar o seu candidato um tempo depois de ele ter ganho. E é uma maneira de você trazer um pouco de parlamentarismo para o presidencialismo. E, no presidencialismo, você não pode mexer no mandato. No parlamentarismo, os parlamentares mexem a cada hora que quiserem. Eu estou propondo --imitando outros países--, um modo em que o eleitor possa avaliar e destituir um político eleito. Essa é a ideia.

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Considerando o público dos últimos protestos contra Dilma, temos, segundo os organizadores, 6 milhões de pessoas favoráveis à saída da presidente. Ou seja, hoje, se valesse, a PEC não atingiria Dilma. O país tem cerca de 145 milhões de eleitores, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Para a consulta acontecer, seria necessária a adesão de ao menos 7,25 milhões de eleitores pela saída de Dilma. O que esses números mostram ao senhor? 

Eu quis deixar bem difícil. Eu quis botar bem alto para mostrar que eu não estava facilitando. E, então, possa vir uma discussão querendo diminuir o percentual ou propondo diferentes porcentagens para presidente, governador e prefeito. A ideia é não facilitar a troca, ver se a maioria quer mesmo mudar.

Há grupos que são favoráveis à saída de Dilma, mas ficam temerosos ao verem que quem ergue a bandeira do impeachment na Câmara tem sérios problemas com a Justiça. O problema da política não está além da Dilma?

Está. Por isso mesmo eu disse que a saída dela não vai resolver o problema do Brasil, é só um alívio. Aliás, traz alívio se puder dizer, com certeza, que teve crime. A saída dela, ficando claro que não é golpe, traz alívio, mas não mudanças sérias. Agora, a saída dela passando a ideia de que houve manipulação política, de que ela não cometeu crime, de que o cheiro de golpe está aí, aí vai ser muito ruim.

O Tribunal de Contas funciona como um investigador, que envia as provas que ele colheu para o Tribunal de Júri. Mas é o Tribunal de Júri quem julga. Não é a polícia que julga. Cabe a nós [congressistas] ver se o que o TCU nos mandou caracterizar crime. Para isso, precisamos ouvir a defesa da Dilma.

O que o senhor pensa sobre o processo contra a presidente?

Eu acho que está seguindo a legalidade. Não dá para chamar de golpe. Agora, há muitas suspeitas de crimes da presidente. Existem suspeitas, começando pela unanimidade do Tribunal de Contas [da União, o TCU] que ela cometeu ilegalidade no caso das chamadas pedaladas. O que eu não vou me adiantar, uma vez que eu vou ser um dos juízes [caso o processo vá ao Senado], é se isso, de fato, pode-se dizer que é crime ou não. "Mas o Tribunal de Contas fez isso, está decidido?" Não. O Tribunal de Contas funciona como um investigador, que envia as provas que ele colheu para o Tribunal de Júri. Mas é o Tribunal de Júri quem julga. Não é a polícia que julga. A polícia faz relatório, indica provas. Agora, cabe a nós ver se o que o TCU nos mandou caracterizar crime. Para isso, precisamos ouvir a defesa da Dilma.

A educação é a principal marca do senhor. O que as brigas --sejam verbais, físicas ou virtuais-- entre pessoas de “verde e amarelo” e as de “vermelho” mostram sobre a educação no país?

Eu temo muito que nós estejamos caminhando para uma espécie de guerra civil que vá além da que já acontece. Hoje, nós temos uma guerra civil do que chamo de “desesperados”, os que estão na violência urbana, desesperados com a realidade social deles. Eu temo que, a eles, juntem-se os "desencantados". Tanto os desencantados com a continuação do governo Dilma como os desencantados por uma saída dela. E aí nós vamos ter um processo talvez de violência, como entre torcedores do Corinthians e do Palmeiras, entre bandidos e polícia, e entre os impeachmistas e os anti-impeachmistas. E essas brigas podem sair do verbal e ir para um murro. Depois, pode um dia alguém estar com uma arma e usar essa arma.

Acho que esse não é um problema de falta de educação. Até porque, se você for olhar os que estão brigando, de “vermelho” ou “verde e amarelo”, são os educados desse país, pelo menos instruídos. Mas a briga mesmo… eu acho que a culpa é mais até nossa, dos políticos, que temos deixado o nosso debate ficar tão vazio e contaminou as ruas com um debate vazio também.

No meio de toda essa confusão que vive, o que o país está precisando?

A médio e a longo prazo, educação. O que o Brasil precisa mesmo é não desperdiçar nenhum talento. Que o mais pobre estude numa escola com a mesma qualidade da do mais rico. É isso que o Brasil precisa. E, no imediato, credibilidade, acreditarem nas suas lideranças.

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