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Sem regulamentação, PEC do Trabalho Escravo está parada há 2 anos no Senado

Trabalhadores libertados de fazenda no interior do Ceará - Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Ceará
Trabalhadores libertados de fazenda no interior do Ceará Imagem: Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Ceará

Bárbara Libório e Tai Nalon

De "Aos Fatos"*

13/05/2016 09h10

Somente em 2015, o governo inspecionou 257 estabelecimentos em 143 operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo. Foram, nesse período, encontrados 1.010 trabalhadores em condições análogas à escravidão. No entanto, se a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Trabalho Escravo já tivesse sido regulamentada, as propriedades onde esses trabalhadores foram encontrados poderiam ter sido expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular. Em nenhuma, porém, isso aconteceu.

A origem do problema remonta à época da aprovação da PEC, em 5 de junho de 2014. A necessidade de regulamentação foi resultado de um acordo entre governo e ruralistas.

A partir dessa negociação, passou a constar do texto da emenda que só poderá ser alvo de expropriação o empregador em cujas propriedades for constatada exploração de trabalho escravo "na forma da lei". A lei em questão é a que regulamenta a emenda constitucional. Enquanto não há regulamentação, a PEC continua sem ser aplicada.

Quase dois anos depois, "Aos Fatos" checou se houve impacto da lei sobre a fiscalização de casos de trabalho escravo no país. O impasse estava sob influência do senador Romero Jucá (PMDB-RR), novo ministro do Planejamento no governo interino de Michel Temer. O projeto de lei que pretende regulamentar o conteúdo da emenda constitucional é de sua autoria.

O texto de Jucá pretende redefinir o conceito de trabalho escravo. Propõe retirar do texto as jornadas de trabalho exaustivas e as condições degradantes de trabalho como condições análogas às de trabalho escravo e incluir a manutenção de vigilância ostensiva no local de trabalho ou a apropriação de documentos ou objetos pessoais do trabalhador --o que pode retê-lo no trabalho.

Para o Ministério do Trabalho, a mudança no conceito é um retrocesso. “Restringir o conceito de trabalho escravo seria um retrocesso para o Brasil, que evoluiu nesta conceituação levando em conta as novas formas de escravidão no processo de exploração a que podem estar sujeitos os trabalhadores no país”, diz o secretário de inspeção do trabalho, Paulo Sérgio de Almeida.

Segundo o ministério, a lei nº 10.803, que alterou o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, já contempla o conceito de trabalho escravo. “Com essa mudança, o legislador passou a deixar claro que o crime de submissão de trabalhador a condições análogas às de escravo pode ocorrer pela sujeição da vítima a qualquer uma dessas quatro situações: trabalhos forçados; jornadas exaustivas de trabalho; condições degradantes de trabalho; e restrição, por qualquer meio, à liberdade de locomoção do trabalhador com o fim de manutenção no local de trabalho em razão de dívida contraída”, explica Almeida.

O projeto também encontra resistência no Senado. Depois de ter tido o regime de urgência aprovado e excluído pelos senadores em fevereiro deste ano, o projeto voltou para a Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça do Senado, sob relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS).

“Tivemos uma serie de reuniões com lideranças dessa área e todos estão preocupados. A minha impressão de cara é que o trabalho escravo a gente não regulamenta, a gente proíbe. O meu relatório será firme na linha de proibir o trabalho escravo e de [dizer] que jornada exaustiva e condições de trabalho degradantes são condições análogas a trabalho escravo”, afirmou Paim à reportagem.

Segundo ele, não há previsão de votação do relatório. “Eu só vou colocar em votação quando tiver certeza de que não haverá retrocesso. É inadmissível aceitar o projeto de lei como eles estão querendo”, diz o senador.

Antes de tomar posse, Jucá se disse aberto a sugestões. “Estamos abertos a contribuições, principalmente em relação a definições precisas na lei, de como caracterizar condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva. Acredito ser importante debatermos exaustivamente a matéria com todos os interessados e assim construirmos uma regulamentação justa e que garanta os avanços que foram conquistados na PEC”, afirma o peemedebista.

Em 1º de maio deste ano, a ONU lançou no Brasil um artigo técnico de posicionamento sobre o tema trabalho escravo. Entre suas recomendações está a manutenção do conceito atual de previsto no Código Penal.

Para Marcelo Toledo, diretor de vara do trabalho da Justiça do Trabalho, a proposta não necessita de regulamentação. “A PEC fala ‘na forma da lei’, mas o Código Penal é uma lei e o artigo 149 já caracteriza o crime de trabalho análogo ao escravo. Os órgãos competentes poderiam provocar a Advocacia-Geral da União para que ela pedisse o confisco dessas propriedades. A lei diz que não se excluirá da apreciação da Justiça lesão ou ameaça a direito”, explica.

Questionado pela reportagem, o Ministério do Trabalho afirmou que a provocação de ação é de competência do Ministério Público do Trabalho. Esse, no entanto, não respondeu o questionamento da reportagem, assim como a AGU.


* "Aos Fatos" é uma plataforma multimídia para checagem de fatos e do discurso público.