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Análise: em 30 dias no poder, Temer fica entre recuos e pressão por mudanças

O presidente interino, Michel Temer, em cerimônia no Palácio do Planalto - Marcelo Camargo - 2.jun.2016/Agência Brasil
O presidente interino, Michel Temer, em cerimônia no Palácio do Planalto Imagem: Marcelo Camargo - 2.jun.2016/Agência Brasil

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

12/06/2016 06h00

Michel Temer (PMDB) completa neste domingo (12) um mês como presidente interino da República do Brasil. Assumiu o posto no dia 12 de maio, logo depois que o Senado aprovou por 55 votos a 22, no início da manhã do mesmo dia, o afastamento provisório da presidente Dilma Rousseff (PT) no processo de impeachment que agora está sendo julgado em definitivo pelos senadores.

De acordo com cientistas políticos ouvidos pelo UOL, os 30 primeiros dias do governo interino foram marcados por recuos, mas também por pressões -- da sociedade por mudanças, e dos aliados, por cargos.

Se o governo interino é mal avaliado pelos especialistas, uma possível volta de Dilma ao poder também é vista com pessimismo: segundo os cientistas políticos, ela não teria condições de governar.

Para eles, Temer ainda tem de provar, em prazo curto (o julgamento de Dilma deve ser encerrado em até 180 dias), que é capaz de promover mais mudanças, principalmente na economia. "Ele é o príncipe novo. Todo o problema dele advém daí. O príncipe antigo já tem todas as aprovações, do povo, da Igreja etc. O príncipe novo precisa conquistar isso tudo por meio da virtude", analisa Roberto Romano, professor de filosofia e ética da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), citando o clássico da ciência política "O Príncipe", de Nicolau Maquiavel.

Por enquanto, como mostrou pesquisa CNT (Confederação Nacional de Transportes)/MDA divulgada na quarta-feira (8), a impressão da maioria dos brasileiros é de mais do mesmo: 54,5% consideram que o desempenho de Michel Temer está igual ao de Dilma, isto é, ruim.

Pouca virtude, má fortuna

Contudo, na opinião do professor Romano, o interino tem mostrado pouca virtude na condução do cargo, uma vez que escolheu pessoas pouco qualificadas para compor seu ministeriado e algumas ainda citadas ou envolvidas em denúncias de corrupção. "Passamos da promessa de um ministério de notáveis para a realidade de um ministério de enjauláveis", afirma Romano. As exceções seriam a equipe do Ministério da Fazenda, sob o comando de Henrique Meirelles, e a figura de José Serra, no Ministério das Relações Exteriores.

Passamos da promessa de um ministério de notáveis para a realidade de um ministério de enjauláveis

Roberto Romano, filósofo

Romano aponta outra situação importante no primeiro mês do interino: as investigações e denúncias da Operação Lava Jato, que enredam as principais figuras do partido de Temer, os senadores Renan Calheiros (AL) e Romero Jucá (RR) e o ex-presidente da República José Sarney, além do deputado afastado Eduardo Cunha (RJ).

Elevado à condição de homem forte do governo Temer, Jucá foi flagrado em conversas telefônicas que sugerem uma operação coordenada para barrar as investigações por meio do impeachment de Dilma e foi o primeiro dos ministros a cair. Depois seria a vez de Fabiano Silveira, do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (que substituiu a Controladoria-Geral da União, sob muitos protestos), também flagrado em gravações sobre a Lava Jato.

Ouça trechos das conversas

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A situação de Temer no Congresso também tem desafios. Lá, ele enfrenta a pressão exercida pelo bloco parlamentar chamado de "centrão", formado pelos partidos PP, PR, PSD, PTB, PROS, PSC, SD, PRB, PEN, PTN, PHS e PSL, com a contribuição da bancada do PMDB, a maior do Congresso. Este bloco representa, de acordo com Romano, os interesses da oligarquia. "O PMDB é uma das raízes dessa crise, porque atua no Congresso Nacional na base do ‘é dando que se recebe’ desde Sarney [Presidência de José Sarney, 1985-1990]. E o centrão não é uma entidade física, mas forma de pressionar o Executivo por recursos e cargos e, portanto, um 'modus operandi'."

Daí a conclusão do professor da Unicamp de que "a grande questão no governo Temer não é tanto do presidente, mas do partido que o sustenta e o parasita".

Conflito entre prática e discurso

Malco Camargos, professor de ciência política da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), identifica três marcos do governo Temer até aqui: a sensibilidade à pressão de grupos; o caráter errático, devido às constantes idas e vindas; e a falta de sintonia entre o Ministério da Fazenda, formado por técnicos, e os demais ministérios, formados por políticos com mandatos. "O governo tem um discurso numa direção e uma prática na outra", sublinha.

O governo tem um discurso numa direção e uma prática na outra

Malco Camargos, cientista politico

Camargos cita, entre os recuos, o da extinção do Ministério da Cultura e depois sua recriação, diante da reação furiosa da classe artística; e a ausência inicial de mulheres nos ministérios seguida do convite a muitas delas, para posições-chave no governo.

"O governo, até aqui, mesmo para quem tinha lido a 'Ponte para o Futuro' [um pré-programa de governo do PMDB] e ouvido o áudio vazado de Temer [em que ele falava como presidente já em exercício, mesmo antes do afastamento de Dilma], está muito aquém da expectativa", resume.

Para o professor, a chance de Temer está na melhoria da situação econômica do Brasil. "Se a área econômica prosperar, o governo pode chegar bem até o seu final. Caso ela fracasse, a crise política ficará cada vez maior."

Além de considerar o PMDB ameaça real ao futuro de Temer, o cientista político nota uma mudança de caráter da legenda, ao sair da posição de coadjuvante para a de protagonista. "Impressiona como ele se torna sensível a ações do Ministério Público, a grupos de pressão. Essa fragilidade tem se revelado mais suscetível a várias práticas do que quando ele era apenas um partido de sustentação."

Um mês de governo Temer, no discurso e na prática

UOL Notícias

Despreparo e engano

Para Aldo Fornazieri, professor de teoria política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o começo de Temer foi difícil: "Ele se mostrou completamente despreparado para enfrentar a crise grave que o país vive".

Corrupção - Christophe Simon/AFP - Christophe Simon/AFP
Imagem: Christophe Simon/AFP

Lembra que Temer se colocou como alguém que conseguiria unificar o Brasil, mas tem na realidade alimentado e aprofundado a divisão, quando escolheu, por exemplo, os nomes de seu ministério de forma oposta ao desejo das pessoas. "Não teve nenhuma sensibilidade de perceber aquilo que a sociedade esperava, que era o combate à corrupção."

Ele se mostrou completamente despreparado para enfrentar a crise grave que o país vive

Aldo Fornazieri, professor de teoria política

Fornazieri avalia que o governo titubeia, pois não mostra o que quer, a que veio. Além disso, a partir das gravações envolvendo a cúpula do PMDB, a desconfiança de que Dilma foi subtraída por motivos pouco louváveis aumentou ainda mais, segundo ele. "Cresceu a sensação de que houve uma conspiração."

O professor observa que, pelas numerosas pressões que sofre, o governo Temer é um governo sitiado. "De um lado, pela Lava Jato, que pode, inclusive, atingir Temer pessoalmente, uma vez que já foi citado em depoimentos. De outro lado, pelo chamado centrão. E ainda pelas ruas e pela opinião pública", descreve.

Ilegalidade e ilegitimidade

Fora Temer - Peter Leone/Futura Press - Peter Leone/Futura Press
Imagem: Peter Leone/Futura Press

O professor de ciência política Francisco Fonseca, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo), é mais contundente nas críticas a Temer: "É um governo que se caracteriza por ilegalidades e ilegitimidades".

A principal ilegitimidade viria do fato de os ocupantes interinos do Palácio do Planalto não terem sido escolhidos pelo povo para a tarefa e se expressaria na reação popular aos pronunciamentos e atos oficiais do novo governo e seus ministros, marcados por um uníssono "fora, Temer".

As ilegalidades residiriam na revisão de políticas e programas sociais e na extinção e fusão de ministérios, como a Controladoria-Geral da União. "A CGU é uma referência em controle interno da administração pública. O fim dela é uma ilegalidade, porque vai totalmente contra tudo o que o Brasil vem acordando internacionalmente em relação à gestão pública transparente", critica. "É um sinal de que o governo não quer ser transparente."

É um governo que se caracteriza por ilegalidades e ilegitimidades

Francisco Fonseca, professor de ciência política

Para Fonseca, são até agora 30 dias de tragédia, autoritarismo, barbárie e obscurantismo. "Esse governo não representa a pluralidade e a complexidade do Brasil."

Aprimorar controle e novas eleições

Para Roberto Romano, a permanência de Temer ou o retorno de Dilma não alteram, entretanto, a situação de gravidade do país: "O problema é do Estado brasileiro, que está rachando de cima a baixo". Segundo ele, isso se reconhece por meio do Congresso Nacional com seu presidente com prisão pedida, caso de Renan; do presidente afastado da Câmara com prisão pedida, caso de Cunha; do presidente interino que não sabe se fica; e da presidente afastada que não sabe se volta. Além disso, haveria a Justiça que não trabalharia no mesmo sentido. "Um juiz que pede condenações [Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba] e outros que não pedem? Por quê?", questiona.

Para o professor, um problema grave, e pouco discutido, está na origem do sistema político nacional: a aprovação das prestações de contas dos partidos pelos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais). "Esse é um dos maiores escândalos da política brasileira. A forma de agir é até legalista, mas não opera segundo padrões mais profundos de investigação. E a pesquisa sobre a fonte dos recursos? Não foi feita."

Francisco Fonseca diz que só há alternativa à crise com a saída de Temer da Presidência. "Ele significa instabilidade política, convulsão social, insegurança jurídica e isolamento internacional. Essas quatro características impedem Temer de governar."

Eleições gerais - Paulo Ermantino/Raw Image/Estadão Conteúdo - Paulo Ermantino/Raw Image/Estadão Conteúdo
Imagem: Paulo Ermantino/Raw Image/Estadão Conteúdo

Para ele, Dilma deve reaver o cargo e, na impossibilidade de exercê-lo, poderia ser avaliada a hipótese de convocação de novas eleições gerais, incluindo para o Congresso Nacional -- proposta defendida por Dilma. Outra opção seria a cassação da chapa Dilma-Temer. "Até o momento, não há saída no atual cenário, nem moral, nem ética, nem jurídica", diz.

"O Brasil está num beco sem saída", concorda Aldo Fornazieri. "Se Dilma voltar, não conseguirá governar. Se Temer ficar, será um governo que se arrastará até 2018. Nesse caso, com o aumento dos conflitos políticos e sociais no Brasil e com aceno de aumento da repressão. Numa escalada imprevisível de radicalização dos conflitos."

Para ele, a possível pacificação viria do compromisso de renúncia coletiva de Dilma e Temer. Eles assinariam uma carta conjunta, reconhecendo a gravidade da crise e convocando novas eleições. O professor denomina esse movimento de acordo de responsabilidade com o Brasil. Fornazieri defende que a sociedade pressione por isso e lembra que a renúncia da chapa automaticamente obrigaria a convocação de eleições, como determina a lei.