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OEA: PM facilita ou reprime protestos conforme a ideologia de manifestantes

O relator especial para a liberdade de expressão na comissão interamericana de Direitos Humanos da OEA, o uruguaio Edson Lanza - Janaina Garcia/UOL
O relator especial para a liberdade de expressão na comissão interamericana de Direitos Humanos da OEA, o uruguaio Edson Lanza Imagem: Janaina Garcia/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

05/10/2016 06h00

Desde 2013 que as ruas das cidades brasileiras têm sido palco dos mais diversos tipos de manifestações. Sempre a PM (Polícia Militar) está presente. No entanto, nem sempre a corporação age da mesma forma nessas ocasiões: em alguns casos, os policiais tiram selfies com os manifestantes; em outros, as passeatas terminam com jatos d´água, bombas de efeito moral e balas de borracha contra os participantes desses atos.

Consideradas essas situações, a polícia brasileira tem "caráter discriminatório", baseado na "expressão ideológica" de um ou outro grupo de manifestantes, segundo a análise do relator especial para a liberdade de expressão na comissão interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), o uruguaio Edson Lanza, 47, que esteve no Brasil em setembro para uma série de consultas sobre direitos civis infringidos no âmbito de manifestações.

As cenas ocorridas de confrontos entre policiais militares e manifestantes contra o governo Michel Temer nos últimos meses em diferentes capitais subsidiaram a abertura de investigação por parte do MPF (Ministério Público Federal). 

Advogado e jornalista, Lanza conversou com exclusividade com o UOL em São Paulo, pouco antes de falar com movimentos sociais ligados às causas de gênero –sobretudo feministas –e educação –no caso, estudantes secundaristas. O encontro foi promovido pela ONG Artigo 19.

Para Lanza, é “séria” a situação da liberdade de expressão no Brasil se constatada a maneira como, na avaliação dele, as polícias têm agido em situações semelhantes, mas de ideologias diversas no cerne dos atos.

OEA 1 - Amanda Perobelli/Estadão Conteúdo  - Amanda Perobelli/Estadão Conteúdo
"Se vê claramente como a polícia atua discriminatoriamente segundo ideologias políticas"
Imagem: Amanda Perobelli/Estadão Conteúdo

Ele defende que o papel do Estado deve ser o de “garantir que não haja uso excessivo da força capaz de causar danos à integridade física das pessoas que participam de uma manifestação”, já que a liberdade de expressão é fundamental para o fortalecimento das democracias.

“Quando há uma manifestação, se exerce um direito fundamental –não é que há um grupo de revoltosos atacando a estabilidade do Estado e a ordem pública: são pessoas que estão exercendo seu direito de se expressar, de associação, de reunião pacífica. Portanto, resta ao Estado respeitar esses direitos como qualquer outro direito fundamental”, afirmou o relator.

Mas temos observado que há um tratamento discriminatório da polícia segundo a expressão ideológica.

"Isso me pareceu grave, porque há um princípio geral do direito internacional de que não haja esse tipo de discriminação, e se vê claramente como a polícia atua discriminatoriamente segundo a expressão, as razões ou as ideologias políticas --como se dissessem que ‘essa manifestação eu a protejo e facilito, e essa outra, a reprimo’. Creio que isso envia uma mensagem muito séria para o sistema democrático”, define.

Lanza observa ainda que a violação à liberdade de expressão em protestos no Brasil fica evidente pelas agressões contra profissionais de imprensa, sobretudo os de imagem, como repórteres fotográficos e cinematográficos.

"Sai, lixo": repórter da BBC Brasil é agredido por PM em SP

BBC Brasil

“A presunção é a de que o Estado é que tem que atuar de forma a garantir que não haja uso excessivo da força que possa causar danos à integridade física das pessoas que participam de uma manifestação. E em particular um jornalista, que nem sequer é parte dos que estão se manifestando: ele está lá para informar à sociedade o que está se passando”, disse.

“Mas é importante também que a Justiça entenda a função que cumpre a liberdade de expressão e não criminalize os jornalistas quando ponderarem sobre casos que os atinjam”, completou.

Ao ser lembrado de decisão judicial recente que isentou o Estado de São Paulo de responsabilidade pela agressão ao fotógrafo Sérgio Silva, que cobria protestos em junho de 2013 –Silva perdeu um olho, atingido por bala de borracha da PM –e estabeleceu que o profissional teve “culpa exclusiva” pelo episódio, Lanza disse ter recebido a sentença com surpresa.

OEA 2 - Rafael Stedile/Futura Press/Estadão Conteúdo - Rafael Stedile/Futura Press/Estadão Conteúdo
Para Lanza, Estado deve "garantir que não haja uso excessivo da força"
Imagem: Rafael Stedile/Futura Press/Estadão Conteúdo

“O Judiciário cumpre um papel fundamental justamente por garantir no âmbito doméstico os direitos fundamentais: é ele que tem de interpretar as normas de direito internacional e de direitos humanos e fazer uma integração a seus direitos. Essa sentença me chamou muito a atenção: não houve qualquer responsabilidade à polícia em disparar e tirar o olho de um jornalista que estava cobrindo uma manifestação”, observou Lanza.

“Não é só a integridade e a vida do jornalista que ficam em risco em uma situação dessa, mas o direito de o conjunto da sociedade ser informada é cerceado. E fica uma segunda mensagem: ´não queremos que nos controlem quando estamos reprimindo, não queremos prestar contas´. E tanto fotógrafo quanto repórter são fundamentais nesse tipo de prestação de contas”, comparou.

Dissolução de conselho na EBC "é preocupante", diz relator

Sobre os rumos do governo de Michel Temer em relação à liberdade de expressão, o relator especial da OEA demonstrou preocupação a respeito dos rumos da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), cujo conselho curador foi dissolvido, em setembro, via medida provisória 744, que acabou com o caráter de empresa de comunicação pública do grupo e exonerou o diretor-presidente Ricardo Melo.

“As TVs públicas são um elemento muito importante nas democracias por serem um contraponto ao sistema comercial, que, muitas vezes, não cobre uma quantidade de temas de interesse público, ou aspectos relacionados a uma informação plural. A dissolução de um conselho curador, que era quem garantia a consulta sobre aspectos de programação, é preocupante”, avaliou Lanza.

Governo rebate críticas

Procurada, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça, informou, por meio da assessoria de imprensa, que "preconiza a necessidade de se formar profissionais capazes de lidar com as diferentes formas de violência, conflitualidades e criminalidade, buscando garantir a qualidade de vida e a integridade das pessoas, por meio de metodologias e técnicas fundamentadas nos princípios da legalidade, proporcionalidade e necessidade."

"No sentido de valorizar a capacidade de utilização crítica e criativa dos conhecimentos, a Matriz Curricular Nacional fornece, no mapeamento das competências, nas diretrizes pedagógicas e na proposta metodológica, subsídios e instrumentos que possibilitam às instituições de ensino de segurança pública a planejarem as ações formativas (inicial e continuada) para que os profissionais da área de segurança pública possam, de maneira autônoma e responsável, refletir e agir criticamente em situações complexas e rotineiras de trabalho", define a nota.

Sobre a EBC, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República informou que, "em seu período sobre a direção indicada pelo presidente Michel Temer", a TV Brasil "está sendo despolitizada e despartidarizada. Foram suprimidos apenas programas com características ideológicas que vocalizavam somente um viés da sociedade brasileira. O Conselho Curador não funcionava para dar voz a minorias e não exerceu o papel de retratar toda a pluralidade da sociedade. Nem impediu o uso político que ficou patente até mesmo com transmissão de comícios de um só partido atrelado ao governo então no poder. As correções atuais buscam retirar esse tipo de padrão antes estabelecido e corriqueiro na programação. A intenção é tornar a emissora um agente do interesse público, que represente e fale por toda a sociedade brasileira", informou o órgão.

A presidente do Conselho Curador que foi cassado, Rita Freire, se manifestou sobre a resposta do órgão do governo federal: "Um agente de interesse público, que represente a sociedade, só pode existir se a sociedade se fizer representar e falar por si mesma, e não sob imposições do governo. Para isso, a lei da EBC criou o Conselho Curador, que sempre teve uma relação tensa os governos. A diferença é que hoje o governo prefere desqualificar e eliminar essa voz".