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Sindicância aponta irregularidades em investimentos ligados a Trump no Brasil

Fachada do LSH Barra Hotel, antigo Trump Hotel, no Rio de Janeiro. Investimentos para a construção do hotel estão sendo investigados  - Pilar Olivares/Reuters
Fachada do LSH Barra Hotel, antigo Trump Hotel, no Rio de Janeiro. Investimentos para a construção do hotel estão sendo investigados Imagem: Pilar Olivares/Reuters

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

24/01/2017 04h00

Uma sindicância realizada pelo Igeprev (Instituto de Gestão Previdenciária do Estado de Tocantins) detectou indícios de irregularidades nos investimentos feitos pela entidade em um fundo de investimento brasileiro ligado à The Trump Organization, da família do presidente dos Estados Unidos, Donald J. Trump.

Os relatórios foram entregues ao MPF (Ministério Público Federal) na semana passada e mostram que o Igeprev investiu R$ 35 milhões na construção de um hotel da marca Trump no Rio de Janeiro mesmo depois de o órgão técnico do instituto recomendar que o investimento não fosse feito. O MPF investiga se houve pagamento de propina a gestores de fundos de pensão para que eles investissem na construção do hotel. Estes documentos, aos quais o UOL teve acesso, devem ajudar nesta investigação. Procurada pela reportagem, a Trump Hotels, empresa que faz parte da The Trump Organization, disse que não comentaria o caso (leia mais abaixo).

O Igeprev é um instituto criado para administrar o fundo de pensão dos servidores do Estado do Tocantins. Para garantir que o Estado terá recursos para pagar as pensões de seus servidores, o Igeprev aplica os recursos oriundos das contribuições sociais pagas pelos servidores da ativa e dos aportes feitos pelo governo do Estado no mercado financeiro.

Em 2015, em meio a suspeitas de que algumas aplicações estavam causando prejuízo ao fundo e comprometendo a solidez do instituto, o Igeprev realizou uma auditoria interna.

Além das investigações comandadas pelo MPF, as aplicações feitas pelo Igeprev são alvo de pelo menos dez ações civis públicas movidas pelo MP-TO (Ministério Público de Tocantins). 

Relatório aponta investimento como "imprudente"

Entre as aplicações consideradas pela auditoria como irregulares ou sem liquidez está o investimento de R$ 35 milhões feito pelo instituto no FIP (Fundo de Investimentos e Participações) LSH, cuja finalidade era financiar a construção de um hotel de luxo da marca Trump no Rio de Janeiro.

O hotel deveria ter ficado pronto para as Olimpíadas do Rio, em 2016, mas foi aberto com apenas 70 dos seus 170 quartos.

Em dezembro de 2016, após a deflagração da Operação Greenfield, a The Trump Organization anunciou o fim de sua parceria com a LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A, responsável pela construção do hotel, alegando que a visão dos responsáveis pela empresa “não se alinha mais com a marca” Trump. A Operação Greenfield investigou se fundos de pensão adquiriram cotas em oito fundos de investimento por valores "superfaturados". 

A sindicância realizada pelo Igeprev mostrou que o investimento foi feito sem o aval da diretoria de investimentos da entidade.

No dia 6 de agosto de 2014, a diretoria de investimentos do órgão emitiu uma “análise de investimento” sobre a possibilidade de o Igeprev fazer um investimento no FIP LSH.

O relatório apontava que o investimento não apresentava a “liquidez” e “diversificação” esperada pelo instituto.

Os técnicos alertavam para o fato de que o Igeprev não tinha tido acesso ao balanço patrimonial da LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A e que um investimento que dependesse do desempenho de apenas uma empresa representava um “risco muito alto” aos beneficiários do Igeprev, sobretudo considerando que a empresa (LSH Barra) tinha, à época, apenas um ano e oito meses de existência.

A análise concluiu que a aplicação dos recursos do Igeprev no FIP LSH era “imprudente”.

Um dia depois, porém, o então presidente do órgão Francisco Flávio Soares Barbosa contrariou a análise da diretoria de investimentos e autorizou a aplicação de R$ 35 milhões no FIP LSH alegando que a aplicação apresentava “alta liquidez, baixa volatilidade” e proporcionava “diversificação dos ativos” do instituto.

No relatório final da sindicância, o Igeprev diz que ao menos R$ 30 milhões foram investidos no FIP LSH “não com a finalidade de dar rentabilidade ao investidor (o Igeprev)”, mas “com o intuito de favorecer outros interesses”.

Investigações

Em setembro de 2016, a PF (Polícia Federal) deflagrou a Operação Greenfield, que investiga indícios de corrupção na gestão de fundos de pensão como o Petros (dos funcionários da Petrobras), Postalis (dos Correios), entre outros. 

Em outubro do ano passado, o MPF revelou que investigava os investimentos feitos pelo Serpros, o fundo de pensão dos servidores do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e do Igeprev no fundo LSH.

Em um despacho, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes disse que era preciso apurar se “o favorecimento pelas entidades de previdência da empresa LSH Barra Empreendimentos Imobiliários e do grupo empresarial The Trump Organization deu-se por meio de pagamento ilícito de comissões e propinas” como apurado em outros casos investigados pela Operação Greenfield.

A assessoria de imprensa da Procuradoria da República no Rio de Janeiro disse que os documentos produzidos pelo Igeprev haviam sido remetidos ao órgão no final da semana passada e que o procurador do caso, Paulo Gomes, ainda não tinha tido tempo de analisá-los.

Outro lado

Procurada pela reportagem, a LSH Barra, responsável pelo hotel, disse que o capital investido pelo Igeprev no fundo teve uma valorização de 56% ao longo dos últimos anos e que o capital inicial de R$ 35 milhões aplicado em agosto de 2014 hoje vale R$ 54 milhões.

A LSH Barra também disse “desconhecer qualquer relação” entre os gestores do FIP LSH e o ex-presidente do Igeprev Francisco Flávio Sales Barbosa, que autorizou a aplicação. A LSH Barra também negou o pagamento de propina a integrantes da direção para obtenção do investimento.

Questionada sobre o motivo da ruptura da parceria entre a LSH Barra e a Trump Organization, a LSH disse apenas que “os termos do acordo para a rescisão do contrato inicial estão em fase final de negociação”.

A LSH Barra disse ainda que a The Trump Organization não tinha conhecimento sobre os procedimentos relativos à capitalização do FIP LSH. "O contrato com o Trump (sic) era exclusivamente para administração do hotel. Todo o processo de capitalização do fundo foi feito pelo administrador e gestor do fundo", disse a assessoria. 

Por e-mail, a assessoria de imprensa da Trump Hotels disse que o empreendimento localizado no Rio "não faz mais parte do portfólio da companhia" e que, dessa forma, a Trump  Hotels "não sente que é apropriado fazer qualquer comentário" sobre o caso. 

A reportagem do UOL solicitou ao Igeprev os contatos do ex-presidente Francisco Flávio Sales Barbosa, mas o órgão informou que não tinha os telefones dele. A reportagem também tentou localizar os contatos do advogado de Barbosa, Jackson Weber, junto ao cadastro nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), mas ele não informou seus telefones.