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Picciani contesta relação "unha e carne" com Cabral e diz que não foi a festas ou à Olimpíada

presidente licenciado da Alerj Jorge Picciani - Júlio César Guimarães/UOL
presidente licenciado da Alerj Jorge Picciani Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

09/07/2018 15h57

O presidente licenciado da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Jorge Picciani (MDB), disse nesta segunda-feira (9) que nunca teve uma relação "unha e carne" com o ex-governador Sérgio Cabral (MDB) e negou ter recebido propina para atuar em favor de terceiros na Casa.

O parlamentar responde a processo derivado da Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava Jato. Ele é acusado de colaborar com Cabral em um extenso esquema de corrupção no Rio de Janeiro, mas nega a autoria dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Essa foi a primeira vez que Picciani prestou esclarecimentos em audiência da Lava Jato. Ele foi interrogado na tarde desta terça-feira (9) no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), no centro da capital fluminense.

Como presidente da Alerj, segundo narra a denúncia, Picciani recebeu propina para praticar atos de ofício de forma a favorecer empreiteiras e empresas do transporte público. O MPF afirma que houve transferências de dinheiro entre os chefes do Parlamento e do Executivo estadual durante os dois mandatos do governo Cabral.

O objetivo seria manter o esquema de corrupção e garantir o controle das atividades na Alerj de forma a não contrariar os interesses dos que pagavam a propina.

Picciani disse à Justiça que "se dá" com Cabral, a quem chamou de "educado" e "cortês", mas rejeitou a tese acusatória de que seria ele cúmplice do ex-governador. "Eu não fui às Olimpíadas, que todo mundo queria ir. Eu não fui à festa em Paris ser homenageado", afirmou ele, em referência ao episódio que ficou conhecido como a farra dos guardanapos.

"Relação pessoal [com Cabral]? Nenhuma. Qual festa eu estou? Eu estou na república de Mangaratiba ou do Leblon? Eu nunca participei de escolha de secretariado."

Mangaratiba é a cidade da Costa Verde, no litoral fluminense, onde está a mansão de Cabral que foi confiscada pela Justiça após as investigações da Lava Jato --no local, ele costumava dar festas e receber políticos e empresários. Já no Leblon, bairro nobre da zona sul carioca, o ex-governador mantinha um escritório.

A ação penal da Operação Cadeia Velha tramita na segunda instância porque, além de Picciani, dois réus são deputados do MDB: Paulo Melo e Edson Albertassi. As investigações também levaram a processo conduzido pelo juiz de primeiro grau da Lava Jato, Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal (RJ), em relação aos investigados sem foro privilegiado --entre os quais o filho de Picciani, Felipe Picciani.

O presidente licenciado da Alerj também lembrou rusgas políticas entre ele e Cabral dentro do MDB --ambos são considerados caciques da sigla no estado. Um dos exemplos citados pelo interrogado foi a candidatura de Eduardo Paes a prefeito do Rio, em 2008. Na ocasião, Picciani e a bancada federal emedebista defendiam a escolha do então deputado Marcelo Itagiba.

"Da Itália, o Sérgio [à época em seu segundo ano como governador] lança o Eduardo Paes candidato a prefeito. Mesmo o Eduardo sendo filiado ao PSDB e não ao PMDB [hoje MDB]. O Eduardo era secretário nacional do PSDB. Eu fui contra. Ficamos em uma queda de braço no partido que durou oito meses", declarou ele. "A divergência era nítida entre eu e o governador."

Picciani buscou em vários momentos do interrogatório se diferenciar de Cabral, enfatizando que "sempre acordou 5h da manhã para trabalhar" e que não era afeito a festas e ostentação. "Cinco da manhã eu estava na labuta, 19h eu estava em casa", disse ele ao sustentar a tese.

Declarou ainda ter construído uma carreira de sucesso como agropecuarista e que durante mais de 50 anos não teve folga aos fins de semana. "Infelizmente, eu diminuí esse ritmo nos últimos oito anos devido a duas cirurgias de câncer."

Em tom de desabado, o parlamentar disse que, não fosse a decisão favorável a cumprimento de prisão em regime domiciliar, ele "teria morrido" na cadeia. Em março deste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou, por 2 votos a 1, a medida cautelar. O réu foi operado em julho de 2017 para retirada da bexiga e da próstata em razão um tumor maligno e, segundo a defesa, necessitava de tratamento pós-operatório adequado, incompatível com as condições oferecidas pelo presídio.

Nas ações de primeira instância, Cabral já reconheceu mais de uma vez a autoria do crime de caixa 2. Ele alegou ter feito "uso pessoal" de sobras de campanha, mas negou ter autorizado ou sido beneficiário de qualquer esquema de cobrança e pagamento de propina.

Durante a manhã, Jonas Lopes e o também colaborador Carlos Miranda, apontado como operador financeiro de Cabral, foram ouvidos pelo desembargador Abel Gomes, que conduz os trabalhos no TRF-2.

Em seu interrogatório, Miranda afirmou que Picciani recebeu de Cabral uma mesada de R$ 400 mil entre 2011 e 2014, período no qual ele ficou sem mandato eletivo após perder a eleição para senador, em 2014.

Venda de gado

O deputado negou ter utilizado a sua empresa, Agrobilara, para lavagem de dinheiro oriundo de atos de corrupção. Em colaboração premiada, o ex-presidente do TCE-RJ (Tribunal de Contas do RJ) Jonas Lopes afirma ter feito pagamentos "por fora" a Picciani em uma transação de compra de gado.

"Como eu ia saber da origem do dinheiro dele? Eu recebi em espécie e tributei", disse o presidente licenciado da Alerj.

O delator alega ter comprado dez animais por um valor total de R$ 600 mil, em 2014. As parcelas que foram quitadas "por dentro", segundo ele, geraram notas fiscais. O restante teria sido pago em prestações de R$ 50 mil com dinheiro de propina.

"O deputado tinha conhecimento do que ocorria lá no tribunal e que havia recebimento de vantagem indenvida", disse Lopes durante interrogatório.

O deputado defendeu a legalidade da transação e negou que tinha conhecimento da origem dos recursos. "Qual que era a minha vantagem? Eu não teria muita vantagem. Não havia sentido ele falar que eu sabia que ele era um corrupto. Agora é que se sabe."

Deputados se emocionam

Paulo Melo e Edson Albertassi também prestaram esclarecimentos ao TRF-2 nesta terça. O primeiro abriu o interrogatório pedindo desculpas ao desembargador Abel Gomes pelo fato de a Alerj ter convocado, em março, uma sessão para derrubar a decisão da Corte que determinou a prisão dos parlamentares.

Os três chegaram a deixar a cadeia, mas foram detidos novamente depois que o tribunal se reuniu para ratificar o feito. Na ocasião, Gomes reclamou da postura da Casa.

Melo negou todas as acusações e fez uma longa explanação sobre a sua carreira na política. Contestou todas as informações prestadas pelos colaboradores e afirmou categoricamente que nunca foi responsável por fazer indicações políticas para cargos na administração pública. Na versão do MPF, o deputado seria uma espécie de "dono" do Detran (Departamento de Estado de Trânsito). "Acho que eu tinha prestígio político para tal, mas nunca levei um currículo para indicar um secretário", declarou.

No fim, ele se emocionou ao falar do filho, que perdeu o braço após grave acidente de trânsito, e pediu desculpas à família. "Espero que isso [investigações da Lava Jato] sirva de alguma forma para aperfeiçoar e aprimorar. Não tenho nenhum rancor no meu coração."

Por fim, o deputado Edson Albertassi respondeu aos questionamentos do desembargador e do procurador da PRR-2 (Procuradoria Regional da República da 2ª Região) Carlos Aguiar. Ele reconheceu que as três rádios das quais é dono firmaram contratos de publicidade com a Fetranspor (Federação de Transporte de Passageiros do Estado do RJ), mas negou que isso ocorreu mediante favorecimento a empresas do setor no Parlamento. Declarou que se tratavam apenas de acordos no âmbito comercial, sem interesses políticos.

Albertassi negou repetidamente todas as acusações imputadas pela Lava Jato e questionou a versão do delator Marcelo Traça, ex-conselheiro da Fetranspor. O deputado disse que tinha Marcelo como um grande amigo e que costumava ter convívio pessoal com ele. Alegou ainda ter ficado surpreso com a colaboração premiada de Traça. "Ele me acusa de comprar o meu serviço, uma coisa que eu jamais coloquei à venda."

Albertassi também justificou o fato de ter sido nomeado pelo governador Luiz Fernando Pezão (MDB) para uma vaga no TCE-RJ pouco antes da Operação Cadeia Velha, que o levou à prisão. A escolha não foi confirmada porque não chegou a ser votada no plenário na Alerj, mas caso fosse aprovada, daria ao parlamentar foro privilegiado --processos envolvendo conselheiros de Contas do estado são de competência do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Na versão do deputado, seu nome sempre esteve cotado para o TCE-RJ, quando surgiam vagas, devido ao trabalho feito por ele à frente na Comissão de Orçamento da Alerj. Declarou que Pezão havia decidido, com respaldo da PGE (Procuradoria-Geral do Estado), a fazer uma escolha política, e não técnica. E argumentou que só aceitou a nomeação depois que os três auditores que estavam no páreo --eles eram os auditores substitutos concursados-- assinaram uma carta de desistência.

"Eu sabia que uma indicação política faria com que as associações nacionais [entidades de classe] entrariam na Justiça. Eu tinha medo de perder o meu mandato e ficar sem a vaga no conselho", declarou ele, explicando que o deputado indicado para o TCE-RJ precisa renunciar ao mandato eletivo antes de tomar posse.

Ao fim do interrogatório, assim como Paulo Melo, Albertassi embargou a voz e se emocionou. "Essa é a reunião da minha vida. A mais importante da minha vida."