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Delações apontam que PSDB-SP cobrou R$ 97 mi para caixa 2, R$ 39 mi a Serra

Vista aérea das obras do Rodoanel Norte, às margens da rodovia Fernão Dias (BR-381), na altura do km 92, em Guarulhos, na Grande São Paulo (21.jun.2018) - Luis Moura/WPP/Estadão Conteúdo
Vista aérea das obras do Rodoanel Norte, às margens da rodovia Fernão Dias (BR-381), na altura do km 92, em Guarulhos, na Grande São Paulo (21.jun.2018) Imagem: Luis Moura/WPP/Estadão Conteúdo

Aiuri Rebello e Wellington Ramalhoso*

Do UOL, em São Paulo

26/04/2019 04h00Atualizada em 27/04/2019 11h26

Resumo da notícia

  • Delatores apontam que políticos do PSDB cobraram propina de R$ 97,4 milhões de 2004 a 2012
  • Segundo as delações investigadas, senador José Serra foi principal beneficiado
  • Dinheiro teria sido desviado de obras para caixa 2 de campanhas; empreiteiras colaboram na Lava Jato
  • Tanto José Serra como o PSDB negam irregularidades

Delações de executivos das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez investigadas na Justiça Eleitoral, no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e pelas forças-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo e Curitiba apontam que o senador José Serra e outros políticos do PSDB paulista, além de operadores ligados ao grupo, cobraram ao menos R$ 97,2 milhões em propinas ao longo de oito anos.

Serra teria, segundo delatores, sido o maior beneficiado no esquema, tendo recebido no mínimo R$ 39,1 milhões para caixa 2 de diferentes campanhas suas. O dinheiro teria sido obtido por meio de contratos de obras de infraestrutura do governo do estado.

Os recursos seriam destinados também ao caixa 2 de campanhas do PSDB. Serra governou o estado de 2007 a 2010. Além do senador, são citados nas delações o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), o ex-senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) e ainda Gilberto Kassab (ex-DEM, hoje PSD-SP), ex-prefeito de SP. O senador, o partido e os outros citados pelos delatores negam as acusações (leia mais abaixo).

O UOL teve acesso a oito processos de improbidade administrativa que correm no TJ-SP contra Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, ex-diretor da Dersa (empresa estatal responsável pelas rodovias paulistas). Ele é apontado pela Lava Jato como operador do PSDB.

O mais antigo dos processos é de 2014 e o mais novo, de fevereiro deste ano, em um total de quase 10.000 páginas de documentos.

Além de estarem no TJ-SP, estes casos também são investigadas na esfera eleitoral pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), na criminal pelas forças-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo e Curitiba, e foram analisados em inquérito contra o senador José Serra no STF (Supremo Tribunal Federal).

No final do ano passado, o STF arquivou parte do inquérito contra Serra e enviou o restante para ser apurado pela Justiça Eleitoral, já que os crimes teriam sido praticados com finalidade de financiar eleições e teriam sido cometidos antes de o senador iniciar o mandato -- o que não justificaria o foro privilegiado de acordo com o atual entendimento do STF.

Investigação aponta superfaturamentos desde 2004

As delações e investigações apontam que os superfaturamentos e desvios aconteciam pelo menos desde 2004, com doações não contabilizadas para o caixa 2 de campanhas tucanas, e se estenderam pelo menos até 2012.

O período em que teria funcionado o esquema que beneficiava empreiteiras em troca de propina para o caixa 2 do PSDB, porém, pode ser maior -- assim como o valor total desviado.

Na semana passada, a Justiça de São Paulo determinou o bloqueio dos bens do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), por suspeita de ter recebido propina de R$ 7,8 milhões da Odebrecht para o caixa 2 de sua campanha à reeleição em 2014.

Executivos assumem cartel nas obras do Rodoanel

Em 2006, as duas empreiteiras - Andrade Gutierrez e Odebrecht, na companhia de outras nove empresas - participaram da formação de um cartel destinado a ganhar e dividir entre si os lotes da licitação do trecho sul do Rodoanel, obra viária na região metropolitana de São Paulo que custou cerca de R$ 3,5 bilhões aos cofres públicos.

Executivos das empreiteiras envolvidas assumiram o crime em delação premiada e colaboram com as investigações. Também foram apontadas propinas em outras obras viárias, na construção de linhas do Metrô da capital paulista e até propinas a "fundo perdido" -- pagas sem nenhuma contrapartida imediata ou específica, com o objetivo de "ficar bem" com Serra e seu grupo político.

Serra teria sido maior beneficiado

O senador José Serra (PSDB-SP) - Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo - 24.jun.2017 - Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo - 24.jun.2017
O senador José Serra (PSDB-SP)
Imagem: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo - 24.jun.2017
De acordo com os delatores, quem mais se beneficiou com o esquema de corrupção do PSDB em São Paulo foi o senador José Serra. O ex-senador Aloysio Nunes Ferreira, o ex-governador Alckmin e o ex-prefeito Kassab também são citados.

Os delatores apresentaram no processo supostas provas destas delações -- como registro nos sistemas internos que computavam propina, trocas de emails com os políticos ou auxiliares, comprovantes de depósitos internacionais, números de contas e seus donos, agendas e recibos de hotéis e restaurantes onde aconteciam as tratativas --, usadas na condenação de Paulo Preto e nos outros processos e inquéritos que correm sobre o caso.

De acordo com os delatores da Odebrecht, pelo menos R$ 39,1 milhões dos R$ 97,2 milhões pagos em propina ao PSDB foram destinados a campanhas do senador José Serra.

Cartel teria abastecido campanhas de Alckmin, Serra e Kassab

De acordo com os delatores da Odebrecht, em 2004, ainda na gestão de Alckmin frente ao governo paulista, o então diretor de Engenharia da Dersa, Mario Rodrigues, começou a organizar um cartel e cobrou propina de pelo menos R$ 30 milhões -- o valor pode chegar a R$ 40 milhões e é investigado pela Lava Jato -- a ser paga proporcionalmente entre as oito construtoras que participaram do acerto formado para ganhar a licitação do trecho sul do Rodoanel Mario Covas.

O dinheiro seria destinado ao caixa 2 de campanhas tucanas e à campanha do PFL (atual DEM) à prefeitura. Em 2006, Alckmin concorreu à Presidência da República, e Serra elegeu-se governador. Dois anos depois, em 2008, Kassab, então no PFL, reelegeu-se prefeito de São Paulo.

Em resposta ao UOL, Kassab afirma que "desconhece tal informação e reafirma que as doações recebidas obedeceram a legislação vigente à época". Apesar de citado, ele não consta como investigado ou réu nos inquéritos e processos específicos sobre o Rodoanel paulista. Em dezembro de 2018, Kassab foi alvo de uma operação de busca e apreensão da PF por conta de outra delação, a da J&F, que o acusou de receber propina entre os anos 2010 e 2016. Depois disto, licenciou-se do cargo de secretário da Casa Civil do governo de João Doria (PSDB). Apesar do afastamento, Kassab nega ter recebido qualquer propina da empresa.

Geraldo Alckmin não respondeu questionamentos da reportagem, apenas se manifestando por nota do PSDB (veja mais abaixo).

Ainda em 2006, Mario Rodrigues teria cobrado mais R$ 1,2 milhão de propina da Odebrecht para o caixa 2 de campanhas tucanas (sem especificar os candidatos) por causa de itens aprovados nas planilhas de preços que tinham sido solicitados pela construtora.

Procurado pela reportagem, Rodrigues afirmou que "não comenta assuntos que estão sob exame do Poder Judiciário". Quando já era investigado pela Lava Jato, ele foi nomeado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) como diretor-geral da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), com mandato até 2020. Na semana passada, foi alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal por ser suspeito de participar de um esquema de superfaturamento de pedágios em Goiás, Bahia e Espírito Santo.

A investigação do suposto cartel para a construção do Rodoanel em São Paulo foi desmembrada em oito ações penais e possuí 32 réus afora Paulo Preto. Outros nomes ainda são investigados em inquéritos.

A "gestão Paulo Preto" na Dersa

Paulo Preto  - Mateus Bruxel/Folhapress - Mateus Bruxel/Folhapress
Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto
Imagem: Mateus Bruxel/Folhapress
Já governador de São Paulo, em 2007, Serra nomeou Paulo Preto para o lugar de Rodrigues na diretoria de Engenharia da Dersa.

De acordo com delatores da Odebrecht, um de seus primeiros atos no cargo foi cobrar 0,75% de propina dos valores recebidos pelo consórcio liderado pela empresa, em contrapartida a uma alteração contratual que permitiria que as empresas elevassem suas margens de lucro em pelo menos R$ 70 milhões.

Segundo a investigação, as empreiteiras pagavam R$ 200 mil mensalmente. Os pagamentos da propina que seria destinada ao caixa 2 de Serra teriam terminado quando a soma estava em R$ 2,2 milhões -- o Ministério Público, em análise das alterações contratuais, firmou um acordo para que as empresas devolvessem ao estado a economia feita com a mudança no regime de preços. Com o "prejuízo" no caso, os repasses cessaram.

O primeiro condenado

No início de abril, Paulo Preto assumiu ser dono de contas na Suíça por onde passaram R$ 137 milhões. Em 2017, já com seu nome implicado na Operação Lava Jato, o ex-diretor da Dersa transferiu o dinheiro que lá estava para um banco em outro paraíso fiscal, nas Bahamas, e desde então o paradeiro da fortuna é desconhecido. Ele responde a outros processos na Lava Jato.

Paulo Preto está preso e foi condenado duas vezes em março: uma a 145 anos de prisão, e na outra a 27 anos de prisão, pela Operação Lava Jato em São Paulo. Nos dois casos, por desvios na construção do Rodoanel e obras relacionadas.

Paulo Preto foi o primeiro condenado neste caso, que possui dezenas de investigados em diversos inquéritos e processos diferentes.

O "vizinho" de Serra

Pedro Novis, um dos executivos da Odebrecht que delatou o senador, diz que Serra cobrou pessoalmente para o caixa 2 de suas campanhas R$ 2 milhões em 2004, R$ 4 milhões em 2006 -- valores, segundo ele, pagos em uma conta de terceiro no exterior -- e R$ 3 milhões em 2008, quando já era governador. O UOL procurou o delator para falar sobre os episódios, mas ele não retornou.

Novis vivia em uma casa próximo à de Serra, na zona oeste de São Paulo, e por isso o codinome do político na planilha de propinas da empresa seria "Vizinho". Novis diz que os dois desenvolveram "grande amizade", e com a proximidade o senador sentia-se à vontade para fazer os pedidos de dinheiro abertamente. O executivo contou que todo ano enviava caixas de bons vinhos a Serra em seu aniversário.

Durante a gestão do tucano em São Paulo, de 2007 a 2010, enquanto trabalhava no Rodoanel, a Odebrecht venceu diversas licitações: obras de recuperação do córrego Pirajuçara, o Lote 2 da recuperação ambiental da Baixada Santista, concessão do corredor da rodovia Dom Pedro I e lote 7 da linha 2 do Metrô de São Paulo, dentre outros grandes projetos.

Em sua delação, Novis, que foi presidente da Odebrecht, contou ainda que a primeira doação não declarada (ou seja, caixa 2) que fez para campanhas de Serra foi em 2002, quando o tucano concorreu à Presidência da República contra o petista Luiz Inácio Lula da Silva, que ganhou. Na ocasião, a empreiteira teria contribuído com R$ 15 milhões para o caixa 2. Porém, o delator não possuía nenhum registro ou prova da transação para apresentar à Polícia Federal e ao MPF, e assim este episódio não está sendo investigado pela Lava Jato. Pelo mesmo motivo, não está sendo contabilizado nas quantias (R$ 97 milhões para o PSDB, sendo R$ 39 milhões para José Serra) que estão no título desta matéria

Desbloqueios facilitados de dinheiro viraram propina

Segundo a investigação da Lava Jato, em 2009, o então presidente do PSDB, deputado federal Sérgio Guerra (morto em 2014), teria se reunido com executivos da Odebrecht para cobrar R$ 30 milhões em propina para o caixa 2 de campanhas tucanas no ano seguinte, principalmente a campanha presidencial de Serra -- ele seria derrotado por Dilma Rousseff em 2010.

Os executivos não concordaram, disseram que a empresa estava sem caixa para este tipo de ajuda sem contrapartida, mas fez uma contraproposta: se os tucanos e seus operadores ajudassem a liberar pagamentos em disputa na Justiça entre a empresa e o governo do estado, seria possível destinar parte do valor ao caixa 2 das campanhas tucanas. O acerto acabou resultando em um pagamento de quase R$ 200 milhões para a Odebrecht [que está sendo analisado na Justiça] e uma propina de R$ 23,3 milhões ao PSDB.

Segundo os delatores da Odebrecht, Serra teria ainda cobrado da empresa outros R$ 4,6 milhões em 2012 para sua campanha à Prefeitura de São Paulo naquele ano -- ele seria derrotado pelo petista Fernando Haddad.

Os delatores da Odebrecht ainda relatam o pagamento de 6 milhões de euros em contas de pessoas indicadas pessoalmente por Serra, equivalente a aproximadamente R$ 26 milhões no câmbio de terça-feira passada (16). Um destes supostos operadores, o ex-deputado tucano e empresário Ronaldo Cezar Coelho, admitiu em depoimento à PF que recebeu dinheiro no exterior. Porém, afirmou que não sabia que a origem era a Odebrecht e que o pagamento era referente ao aluguel de uma aeronave para campanhas do PSDB.

Por fim, executivos da Odebrecht afirmaram que o ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira teria recebido R$ 500 mil da Odebrecht para o caixa 2 de sua campanha ao Senado em 2010. Durante a administração de Serra, ele era o secretário da Casa Civil.

Nunes Ferreira foi alvo de uma operação de busca e apreensão da PF em fevereiro, acusado de ter recebido e usado um cartão de crédito emitido por Paulo Preto. Após a operação, ele demitiu-se do governo Doria, onde chefiava a InvesteSP (Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade).

Serra nega acusações e espera que tudo seja esclarecido

Em nota enviada à reportagem, por meio de sua assessoria de imprensa, o senador José Serra reafirma que jamais recebeu vantagens indevidas ao longo dos seus mais de 40 anos de vida pública e sempre pautou sua carreira política na lisura e austeridade em relação aos gastos públicos.

"Todas suas contas de campanhas ficaram a cargo do partido e foram aprovadas pela Justiça Eleitoral", diz a nota enviada ao UOL. "Serra espera que tudo seja esclarecido da melhor forma possível para evitar que prosperem acusações falsas que atinjam sua honra e ilibada trajetória pública."

Procurados pelo UOL, por meio de suas assessorias de imprensa ou advogados, Aloysio Nunes Ferreira e Paulo Preto não responderam aos questionamentos da reportagem.

Alckmin, que preside o PSDB, não respondeu diretamente aos questionamentos da reportagem. O partido afirmou, por meio de nota do diretório estadual, que obras públicas "nunca foram usadas com a finalidade de angariar recursos para contribuições eleitorais". "O que se tem notícia - e já é objeto de investigação e de ações judiciais reparatórias - é da prática de cartel contra a administração pública, levada a efeito por empresas privadas, mediante eventual participação de agentes públicos sem nenhuma relação com o partido, que igualmente deverão responder por seus atos perante o Poder Judiciário".

Posteriormente, em nota enviada à redação na noite de hoje, a assessoria de imprensa do PSDB contestou o título desta matéria e enviou a seguinte nota.

"A reportagem "Delações apontam que PSDB-SP cobrou R$ 97 milhões em propina" erra ao responsabilizar o partido por atos aos quais nem a instituição nem seus dirigentes são acusados ou investigados em qualquer dos processos citados. O PSDB-SP é absolutamente favorável às investigações e não tem compromisso com quaisquer desvios de conduta que possam ter sido cometidos por pessoas ligadas à instituição, mas lamenta que a matéria não saiba diferenciar supostas iniciativas para individuais de atos institucionais", explicou o partido.

O governo paulista, comandado atualmente pelo tucano João Doria, se manifestou por meio da Dersa. "A nova gestão da Dersa apoia toda e qualquer investigação e vai colaborar de forma integral com a Justiça para a elucidação de dúvidas em busca do interesse público". A estatal criou um canal para o envio de denúncias de práticas de corrupção, fraudes e atos ilícitos.

A Andrade Gutierrez e a Odebrecht disseram que apoiam as investigações de casos de corrupção e que passaram a adotar normas para garantir lisura e transparência nas relações comerciais.

* (Colaborou Flávio Costa, do UOL em São Paulo)

Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do que foi informado inicialmente, as duas condenações de Paulo Preto são pela Operação Lava Jato de São Paulo, e não uma delas pela Operação Lava Jato de Curitiba. A informação foi corrigida.