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Bolsonaro acena a cristãos contra queda de popularidade, dizem analistas

Bolsonaro cumprimenta simpatizantes ao sair do Palácio da Alvorada - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Bolsonaro cumprimenta simpatizantes ao sair do Palácio da Alvorada Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

03/06/2019 04h00Atualizada em 03/06/2019 14h34

Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez questão de reforçar sua imagem cristã e acenar para o público evangélico. Ele sugeriu a indicação de um ministro evangélico para o STF (Supremo Tribunal Federal), questionou a religião dos atuais ministros da Corte e ressaltou que o Estado é laico, mas ele é cristão. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL, esse movimento indica que, diante da queda de popularidade e da lentidão na recuperação econômica, o presidente está buscando reforçar o apoio de sua militância.

Pesquisa Ibope divulgada no fim de abril apontou que o governo Bolsonaro tinha 35% de aprovação. Já o Instituto Datafolha, em pesquisa divulgada no começo de abril, no marco dos cem primeiros dias de mandato, apontou aprovação de 32% --índice considerado a pior avaliação entre presidentes de 1º mandato.

Na semana passada, dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sinalizaram que o PIB (Produto Interno Bruto) do país caiu 0,2% de janeiro a março, o primeiro resultado negativo trimestral desde o fim de 2016. Já os índices de desemprego alcançaram 13,2 milhões de desempregados.

"Quando Bolsonaro perde popularidade, é sinal de que ele está se afastando do eleitor médio, ou seja, de quem não era radicalmente a favor dele. Para tentar mostrar força, ele se aproxima dos seus nichos", afirma o cientista político Malco Camargos, professor da PUC-MG.

"Dessa forma, sinaliza para o eleitor fiel que ele continua levando a cabo suas políticas públicas e dá as declarações que eles esperam que o presidente faça. O eleitorado evangélico sem dúvida nenhuma foi muito importante, principalmente no segundo turno. Quando um político começa a reforçar o seu nicho é sinal de que está perdendo apoio diante do eleitor médio, que conduz sua vida sem ter valores muito fortes em relação a uma direção ou outra, independentemente da posição política", diz Camargos.

Murilo Cleto, historiador que pesquisa bolsonarismo na UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), também acredita que o presidente esteja em busca de reforçar sua imagem junto à militância. "Bolsonaro viu a sua aprovação se desidratar nos últimos meses. E parte dos que desembarcaram do bolsonarismo são pessoas que votaram nele de uma forma mais pragmática, como o voto anti-PT. O presidente quer manter seus 30% de apoio, e esse apoio é fundamental para ele", explica o professor.

O mais recente levantamento do instituto Ideia Big Data mostra que o desembarque do bolsonarismo tem sido mais significativo em parte expressiva do eleitorado que votou no então candidato do PSL apenas no segundo turno da eleição. "Ele pode abrir mão do apoio da maioria, não há problema nisso. É como Donald Trump faz nos Estados Unicos, por exemplo. Isso desde que Bolsonaro não veja este apoio de 30% derreter", argumenta Cleto.

"Esta é uma maneira de fazer a militância continuar se sentindo representada. E não é só quando ele defende a indicação de um ministro evangélico no STF, mas também quando posta o vídeo católico --é uma tentativa de dizer que o Brasil é uma nação majoritariamente cristã, e que essa representatividade precisa entrar no Supremo", diz o historiador.

Para Cleto, essa representatividade já existe, mas Bolsonaro alimenta a ideia de que "ela não existe, de que nossos políticos não são cristãos". "A lógica de funcionamento do bolsonarismo sempre se pautou na ideia de que o cristianismo, mesmo representando a maioria da população brasileira, não está nas instâncias de poder. E essa é uma tática velha, é só lembrar Dilma Rousseff frequentando as missas no segundo turno para provar que era cristã", afirma Cleto.

"O estado é laico, mas eu sou cristão"

Camargos, da PUC-MG, destaca ainda que, quando as pesquisas de opinião questionam valores e costumes, a sociedade em geral prefere "alguém cristão, que seja temente a Deus, do que alguém que não é".

"Quando Bolsonaro reforça que é cristão, ele está tentando jogar para essa maior parte do eleitorado. Agora, quando ele fala de um ministro evangélico no STF, ele joga com o nicho, esta parcela pequena do eleitorado, mas que assegura sua base de apoio", explica.

O cientista político diz que, neste momento, com o prolongamento da crise econômica, o presidente precisa se voltar ao seu nicho religioso. "Os cidadãos têm consciência sobre o estado da economia atual", diz.

Já Cleto acredita que é possível associar o casamento entre os valores cristãos, da família e o voto anti-PT. "As coisas estão casadas justamente porque o PT virou sinônimo de corrupção e, ao mesmo tempo de degradação dos valores", argumenta.

"Por mais que as menções sobre isso não sejam sempre diretas, elas estão sempre presentes. Para onde você olha, você enxerga o PT, mesmo quando o aspecto em debate é religioso. E isso é curioso porque o governo Dilma fez inúmeras sinalizações para os evangélicos. Muitas pautas não foram aprovadas por causa da pressão da bancada evangélica. E, ainda assim, o bolsonarismo se alimenta dessa ideia de que o PT destrói valores cristãos e da família", afirma o historiador.