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'Hoje eu não vou': militantes de esquerda querem distância de ato hoje

7.set.2021 - Cartaz de "Fora Corrupto" com Bolsonaro em protestos no Vale do Anhangabaú (SP), convocados pela esquerda - José Dacau/UOL
7.set.2021 - Cartaz de "Fora Corrupto" com Bolsonaro em protestos no Vale do Anhangabaú (SP), convocados pela esquerda Imagem: José Dacau/UOL

Carlos Messias

Colaboração para o UOL, em São Paulo

12/09/2021 04h00

Nomes importantes da esquerda, como o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) e a deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), declararam que vão aderir aos atos de "Fora, Bolsonaro" marcados para hoje. Mas o grosso da militância da esquerda quer distância da mobilização convocada pelo MBL (Movimento Brasil Livre) e pelo Vem pra Rua.

O PT e o PSOL emitiram notas informando que não convocam nem participam da manifestação. A CUT (Central Única dos Trabalhadores) também optou por não aderir.

PT e PSOL são parte da Frente Fora Bolsonaro, que inclui outros partidos como o PDT —o presidenciável Ciro Gomes, inclusive, já disse que estará no protesto hoje. Ao todo, já mobilizaram seis atos contra o governo somente neste ano.

A questão não é ir para a rua, mas as razões para chegar lá. Por isso justificam a ausência com motivos de diferenças ideológicas a desconfianças sobre o objetivo da mobilização.

"Acho que o MBL quer se aproveitar do capital político da esquerda e de nossas bandeiras democráticas para se restabelecer", diz a chef e empresária paulistana Bel Coelho, 42.

Eles marcharam lado a lado com quem defende intervenção militar, sempre disseminaram fake news e estão entre os responsáveis por esse cenário antidemocrático que vemos no Brasil hoje.
Bel Coelho, chef

"Inclusive, falaram mal do nosso movimento, ao qual poderiam ter somado desde o princípio. Aí, agora que interessa e eles precisam de gente para fazer volume, resolvem chamar? Não confio", completa.

Os atos deste dia 12 são declaradamente apenas pelo impeachment do presidente, mas o primeiro produto que aparece na loja online do MBL é uma camiseta com os dizeres "Nem Lula nem Bolsonaro".

João Amoêdo, ex-presidente do Novo, que também confirmou presença no ato, atua como modelo da peça.

"Precisamos tirar o Bolsonaro: essa é a primeira etapa a ser vencida. É nisso que estamos reunidos. Não é uma manifestação para lançamento de terceira via, para propaganda partidária", disse o ex-presidenciável ao UOL. Mas os militantes do campo progressista não parecem convencidos.

"Ir de branco [cor sugerida para destoar do verde e amarelo e do vermelho das demais manifestações] já é uma terceira via", diz o geólogo paulistano Marcelo Bárbara, 52.

"Ir para as ruas agora e fortalecer a terceira via não faz sentido para a esquerda, com Lula liderando todas as pesquisas de intenção de voto", acrescenta.

Ele tampouco acredita que os atos deste fim de semana devam favorecer a democracia.

"O MBL é um think-tank [gabinete estratégico] norte-americano que surfou na onda da antipolítica para depois virar um grupo político", diz.

O MBL reúne um campo de gente que era bolsonarista até ontem, até que sentiu que Bolsonaro é o extremo do extremo. Agora estão procurando alguém menos fascista para eleger. Eles querem pegar o voto do bolsonarista raiz que não vota no Lula de jeito nenhum.
Marcelo Bárbara, geólogo

"A esquerda tem muito mais capilaridade na sociedade, são partidos mais aguerridos. Ir para a rua já está na veia, enquanto a manifestação de domingo me parece oportunismo. A esquerda já faz seus movimentos de 'Fora, Bolsonaro', só não participa quem não quer."

Militantes não esquecem episódios envolvendo líderes do MBL, como as críticas do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) à memória de Marielle Franco (vereadora do PSOL assassinada em 2018); as invasões do vereador Fernando Holiday (Novo, que deixou o MBL em janeiro) a escolas para fiscalizar professores; as ameaças do deputado estadual Arthur do Val (Patriota-SP) ao padre Júlio Lancellotti e até uma foto de 'Mamãe Falei' com uma escopeta ao lado de Eduardo Bolsonaro.

"Não é que a gente não possa ir à rua com diferenças, mas esse ato amplo depende de uma construção conjunta, com embates, debates, coisas que fazem parte de colocar um grande movimento de pé. Não me sinto segura para ir num ato que não sei o que está por trás", diz a roteirista Jô Hallack, 51. "O ato é claramente contra o Lula também."

"Eu sei que não se faz política com mágoa. No mês passado, Lula se encontrou com Eunício de Oliveira [DEM-CE, ex-presidente do Senado], que votou pelo impeachment de Dilma. É assim que se faz política. Agora não dá para se unir a um movimento ideologicamente tão próximo a Bolsonaro e esperar que eles sejam diferentes", diz o cineasta cearense Paulo Colares, 41.

"Não adianta nada um movimento que se diz contra Bolsonaro, mas que na prática é aliado dele no Congresso e vota a seu favor no dia a dia."

Entre as semelhanças, Colares ressalta as questões ligadas a costumes. Em 2017, o MBL criticou a exposição "Queermuseu", de temática LGBTQI+, em Porto Alegre, e levou o Santander Cultural a encerrá-la. O movimento também insuflou a perseguição dos conservadores à Lei Rouanet.

"O MBL é um bando de moleques que só faz barulho. É como marchar com um fascista para derrubar outro fascista", diz o cineasta.

"Não dá para participar de uma manifestação que coloca Bolsonaro e Lula em pé de igualdade. Se é pela democracia, os democratas devem ser valorizados. Quero muito participar de um movimento amplo contra Bolsonaro como foram as Diretas Já. O MBL pode participar, desde que não seja protagonista."