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'Tinha de dar cheque antes', diz médico que acusa governador afastado do TO

Mauro Carlesse (PSL), governador do Tocantins - Esequias Araújo/Governo do Tocantins/divulgação
Mauro Carlesse (PSL), governador do Tocantins Imagem: Esequias Araújo/Governo do Tocantins/divulgação

Do UOL, em São Paulo

31/10/2021 22h55Atualizada em 31/10/2021 23h27

Médico Luciano de Castro Teixeira, que denunciou esquema de corrupção e levou ao afastamento do governador do Tocantins, Mauro Carlesse (PSL-TO), revelou detalhes de como, segundo ele, funcionava o pedido propina de empresários do setor de saúde durante entrevista ao "Fantástico", da TV Globo.

Há cerca de duas semanas, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou o afastamento de Carlesse por um período de seis meses em razão de uma suposta obstrução de investigações sobre esquema instalado no Plansaúde (Plano de Saúde dos Servidores do Estado do Tocantins).

Segundo a TV Globo, a família de Luciano Teixeira é dona de um dos maiores hospitais de Palmas (TO). Após prestar queixa à polícia, o médico também passou a fazer a denúncias por meio das redes sociais, como o atraso sistemático no repasse de pagamento feito pelo governo do estado a hospitais.

E todo esse atraso de pagamento tinha uma intenção: criar uma dificuldade para vender uma facilidade. Extorquir os hospitais e clínicas"
Médico Luciano Teixeira

Ao ser questionado pela reportagem se não pagasse a propina, não receberia o pagamento do governo, o médico afirmou. "Não, tinha que dar um cheque antes para depois receber."

De acordo com investigações, o esquema funcionava da seguinte forma: empresas emitiam notas de produtos (inexistentes) hospitalares nos valores da propina cobrada pelo governo. Os hospitais extorquidos então pagavam esses valores, e a nota, por sua vez, era cancelada.

Teixeira apontou ainda dois nomes como possíveis operadores no recebimento da propina e que, certa vez, ambos saíram nos tapas após discussão sobre com quem ficaria o dinheiro.

Governador nega acusações

Após o seu afastamento, o governador publicou vídeo nas redes sociais em que nega as acusações.

Eu estou tranquilo. Eu quero agradecer a toda comunidade que tem me apoiado, me ajudado, tem me mandado mensagens de carinho. E dizer que, brevemente, estaremos de volta com fé em Deus"
Carlesse, em vídeo

Em nota à TV Globo, a defesa de Carlesse disse que o governador sempre "exerceu suas funções com correção e probidade" e que ainda "não foi ouvido nem teve acesso às investigações".

Esquema de corrupção

No dia 20 de outubro, Mauro Carlesse foi alvo de mandado de busca e apreensão de duas operações deflagradas hoje pela PF (Polícia Federal) no estado. As operações Éris e Hygea foram determinadas a pedido do ministro relator Mauro Campbell, do STJ. Além do governador, também foi decretado o afastamento do Secretário de Segurança do Estado, Cristiano Barbosa Sampaio.

De acordo com o STJ e a PF, as operações do Ministério Público Federal e da Polícia Federal visam desarticular um grupo que tentava obstruir investigações que apuram irregularidades na cúpula do governo do estado.

"O teor das decisões proferidas pelo ministro relator dos inquéritos foi antecipado aos demais membros da Corte Especial do STJ, as quais serão submetidas ao colegiado para referendo", informa o STJ, em nota. O colegiado poderá votar ainda hoje para manter a decisão do afastamento do governador ou revogá-la.

A operação Éris teve o objetivo desarticular a organização criminosa dentro da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Tocantins, que teria obstruído investigações "utilizando-se de instrumentalização normativa, aparelhamento pessoal e poder normativo e disciplinar contra os policiais envolvidos no combate à corrupção". A PF ainda aponta que a secretaria é suspeita de divulgar dados de investigações em andamento aos próprios investigados.

Já a operação Hygea focou em desmantelar esquemas de propina ligadas ao Plansaúde e a estrutura criada para a lavagem de dinheiro, "assim como demonstrar a integralização dos recursos públicos desviados ao patrimônio dos investigados".

Os inquéritos tramitam sob sigilo e, de acordo com o STJ, indicaram a "presença de fortes indícios do pagamento de vantagens indevidas ligadas ao plano de saúde dos servidores do estado do Tocantins e a estrutura montada para a lavagem de ativos".

Há indícios também de que os recursos desviados foram integralizados ao patrimônio dos investigados. Já foi determinado o bloqueio judicial de R$ 40 milhões.

Prisão na Assembleia

Em 2014, já no PTB, Carlesse alcançou o posto de deputado estadual, primeiro cargo político do hoje governador, que o ajudou a se projetar pelos quatro anos seguintes.

Em julho de 2015, no primeiro ano como deputado estadual, Carlesse, que estava separado de Rosângela Catarina Kiriliuk, ex-esposa dele, ficou detido em uma sala da própria Assembleia Legislativa por não pagar pensão alimentícia.

O então deputado estadual só foi solto quase um mês depois. Posteriormente, as defesas de Carlesse e Rosângela chegaram a um acordo — o então deputado pagaria R$ 400 mil a ex-mulher, além de transferir algumas propriedades a ex-esposa.

Governo interino

Em março de 2018, enquanto presidente da Assembleia Legislativa, o empresário viu o TSE cassar o mandato do então governador e da então vice-governadora do TO, respectivamente Marcelo Miranda e Cláudia Lélis.

No entendimento do TSE, a chapa encabeçada por Miranda praticou arrecadação ilegal de recursos — leia-se: caixa 2 —, inclusive com uso de contas laranjas, uma delas de um estagiário do governo estadual.

Seguindo a linha de sucessão, Carlesse assumiu interinamente o Executivo do Tocantins em 27 de março, mas deixou o posto pouco tempo depois, em 6 de abril, após uma decisão provisória da Justiça reconduzir Miranda e Lélis ao governo estadual.

Posteriormente, porém, o TSE negou o recurso, e Miranda e Lélis foram, novamente, cassados. Carlesse, então, voltou ao cargo de governador interino do TO, que ele ocuparia até a eleição convocada fora do tradicional período eleitoral e agendada para junho daquele ano.

Político de milhões

Nas eleições de 2018, Carlesse declarou R$ 1,8 milhão em bens ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), valor consideravelmente menor do que o que havia sido declarado em 2012 (R$ 32,3 milhões) e em 2014 (R$ 35,3 milhões).

Em 2018, o UOL revelou que Carlesse havia entregado à ex-esposa propriedades que não constavam na declaração de bens que ele havia dado à Justiça Eleitoral para concorrer na eleição suplementar de junho daquele ano.

No processo de divórcio, Rosângela Catarina Kiriliuk disse que o hoje governador afastado usava laranjas para esconder o próprio patrimônio, que, na verdade, teria um valor de aproximadamente R$ 100 milhões.