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Bolsonaro volta a mentir sobre queimadas na Amazônia para TV italiana

30.out.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), durante Cúpula de Líderes do G20 - Filippo Monteforte/AFP
30.out.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), durante Cúpula de Líderes do G20 Imagem: Filippo Monteforte/AFP

Rafael Neves e Herculano Barreto

Do UOL, em Brasília e São Paulo

31/10/2021 12h05Atualizada em 31/10/2021 13h25

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou hoje a mentir e distorcer fatos ao falar sobre a Amazônia para o canal Sky, da Itália, durante a viagem para a cúpula do G20, em Roma. Entre outros pontos, o presidente disse que a floresta, por ser úmida, "só pega fogo na periferia" do bioma e que o Brasil tem ido tão bem no combate ao desmatamento "que a imprensa não fala mais nada sobre isso".

Na entrevista, em que também falou de economia e atacou o ex-presidente Lula, Bolsonaro havia sido questionado sobre que caminhos o mundo deve seguir para superar a covid e melhorar o meio ambiente. O presidente comentou saídas para a pandemia, mas na área ambiental se limitou a defender o governo. Veja a transcrição da entrevista em italiano.

Amazônia mais seca

Bolsonaro já havia afirmado que, por ser uma floresta úmida, a Amazônia só pega fogo na periferia quando discursou na assembleia-geral da ONU, em 2020. Na ocasião, o presidente acrescentou que "os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares", segundo ele, já desmatados. Estas regiões, segundo Bolsonaro, estariam "no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência".

A atribuição da culpa pelo desmatamento a "índios e caboclos" não tem fundamento. Em setembro do ano passado, a revista Science publicou um trabalho de pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em parceria com a Universidade de Estocolmo, que aponta "apropriação e desmatamento em larga escala", por parte de médios e grandes fazendeiros, como principal fator.

Outro estudo, publicado em julho deste ano na revista Nature, mostra que a Amazônia já tem áreas que emitem mais gás carbônico do que absorvem. Segundo o estudo conduzido pelo Inpe em parceria com universidades, a consequência disso é que a Amazônia não está apenas diminuindo em tamanho, mas também ficando mais seca.

"Dado que a floresta, em vez de equilibrar a crise climática, está contribuindo para piorar, isso faz com que a gente tenha cada vez mais uma aceleração do aquecimento global. Essa aceleração vai aumentar a probabilidade de mais secas na região amazônica em temperaturas mais elevadas", explicou Renata Libonati, professora do departamento de Meteorologia da UFRJ (Univesridade Federal do Rio de Janeiro), em entrevista ao Estadão.

"Se a Amazônia perder a capacidade de remover o dióxido de carbono da atmosfera, isso pode levar ao aumento da temperatura do planeta. E esse fato, por sua vez, faz com que a região fique mais propensa às secas. Ou seja: cada vez menos úmida", explica Libonati.

Números do Brasil

Em outro trecho da entrevista à emissora europeia, Bolsonaro afirma que o desmatamento está sendo tão bem combatido no Brasil, nos últimos tempos, "que a imprensa não fala mais nada sobre isso". Não apenas os números do desmatamento continuam em alta como os veículos de comunicação têm feito alertas frequentes para isso.

No início de outubro, o UOL mostrou que a Amazônia perdeu, nos primeiros mil dias do governo Bolsonaro, uma área de vegetação nativa 74% maior do que nos últimos mil dias antes do início do governo, ou seja, a partir de março de 2016.

Planos do governo

Bolsonaro introduziu a resposta sobre meio ambiente na entrevista afirmando que o Brasil só emite 7% do dióxido de carbono lançado no mundo e que dois terços do território são cobertos por vegetação nativa. O presidente omite, porém, que trabalha a favor de propostas que reduzirão esses percentuais.

Um dos exemplos é o projeto de lei que o governo enviou ao Congresso, no primeiro ano de governo, para abrir terras indígenas à mineração. O ministério da Infraestrutura tem se dedicado a viabilizar obras como a BR-319, a rodovia Manaus-Porto Velho, apesar da recomendação de especialistas para adotar o modal ferroviário.

No Congresso, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) já chegou a apresentar uma proposta para acabar com as reservas legais em propriedades rurais no país. Hoje obrigados pelo Código Florestal a preservar 80% de vegetação nativa em suas terras, proprietários rurais da Amazônia poderiam desmatar livremente dentro de seus limites se o texto tivesse sido aprovado.