Em divórcio, governador de TO entregou a ex-mulher bens que não estavam em declaração à Justiça Eleitoral
O governador interino de Tocantins, Mauro Carlesse (PHS), entregou à ex-mulher propriedades que não constavam em sua declaração de bens à Justiça Eleitoral, apontam autos do processo de divórcio a cujo conteúdo o UOL teve acesso.
Carlesse é candidato a continuar no cargo na eleição suplementar, cujo segundo turno será realizado neste domingo (24) --o governador eleito em 2014 e sua vice foram cassados (veja mais abaixo). Seu adversário é Vicentinho Alves (PR). Há uma semana, o governador interino foi alvo de uma operação da Polícia Federal pela suspeita de liberar recursos de emendas parlamentares para influenciar em seu favor o resultado do pleito.
Ao analisar os documentos a pedido da reportagem, o procurador regional eleitoral do Tocantins, Álvaro Manzano, afirmou que há indícios de irregularidades e que abrirá uma investigação sobre o caso. "Há suspeita razoável de que houve omissão na declaração de bens."
O governador interino afirmou que prestou declarações corretas à Justiça Eleitoral e à Receita Federal e negou-se a comentar o termos de seu divórcio, já que o processo tramitou em sigilo (veja mais abaixo).
Carlesse usa laranjas, disse ex-mulher
Em janeiro de 2015, a dona de casa Rosângela Catarina Kiriliuk entrou com um processo de divórcio na 2ª Vara Cível de Barueri (SP). Ela estava casada havia 28 anos com o empresário e político Mauro Carlesse.
Em sua petição inicial, Rosângela alegava que o casamento havia terminado por causa do envolvimento do político "com uma mulher com idade para ser sua filha". Ela afirmou ainda que Carlesse lhe negava acesso aos bens.
No ano anterior, Carlesse havia sido eleito deputado estadual com 12.187 votos. Em sua declaração de patrimônio ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Tocantins, ele declarou possuir um total de bens que ultrapassava a marca dos R$ 35 milhões.
Desse total, R$ 34 milhões eram referentes ao valor da fazenda Ipanema, localizada no município de Dueré (TO).
Porém, Rosângela afirmou em sua petição que o patrimônio do marido era pelo menos três vezes maior e que ele usava laranjas para esconder parte de suas propriedades. Ela listou 14 fazendas diferentes, além de casas, avião e carros de luxo que seriam do político. A ex-mulher também indicou empresas que estariam em nome de laranjas.
“Anexado à peça inaugural, estão as matrículas de pelo menos 14 fazendas, diversas empresas, diversos imóveis residenciais, aeronave, dentre outro. Portanto, possivelmente, o valor total dos bens do casal ultrapasse R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais). Fato que será comprovado ao término da ação de arrolamento de bens”, lê-se na petição.
Político foi preso por não pagar pensão
Em 31 de julho de 2015, Carlesse foi preso por não pagar pensão alimentícia à ex-mulher. Ele ficou detido em uma sala da Assembleia Legislativa, em Palmas, até ser solto por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), no dia 26 de agosto. Naquela mesma data, os advogados de Carlesse e Rosângela chegaram a um acordo sobre a divisão de bens.
Carlesse aceitou pagar R$ 400 mil a ex-mulher e transferir algumas propriedades para sua posse: uma fazenda localizada na cidade de Aliança de Tocantins, um carro Toyota Hillux, além de itens que estavam em nome de suas duas filhas: três terrenos e um apartamento localizados no estado de São Paulo. Esses bens não constavam em sua declaração à Justiça Eleitoral em 2014.
"Se os terrenos e o apartamento estavam em nome das filhas, mas mesmo assim ele os repassou à ex-mulher, isso significa que ele era o real dono das propriedades e só colocou em nome delas para ocultar a posse", afirmou um advogado especializado em direito penal que analisou a documentação a pedido da reportagem e pediu para não ser identificado.
Especialista em direito eleitoral, o advogado Ademar Costa diz ver "incongruências" entre a declaração de bens do candidato e a lista de posses que constavam no processo de divórcio.
"Em tese, você tem uma infração do artigo 350 do Código Eleitoral", afirma Costa. Esse artigo define como crime eleitoral "omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais".
A omissão de bens pode favorecer um candidato em disputa eleitoral, explica Costa. "Em tese, você tem uma situação que pode favorecê-lo em uma disputa eleitoral já que recursos não identificados poderão ser utilizados, o que configura abuso de poder político e econômico."
Carlesse nega ter cometido irregularidades
Por ser presidente da Assembleia Legislativa de Tocantins, Carlesse assumiu interinamente o governo do estado após o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cassar, em março, o mandato do então governador Marcelo Miranda (PMDB) e da vice-governadora Cláudia Lélis (PV). A corte entendeu, pelo placar de 5 a 2, que eles utilizaram recursos de caixa 2 na campanha de 2014.
Ao concorrer na eleição suplementar, Carlesse afirmou que seu patrimônio havia decaído de R$ 35 milhões em 2014 para atuais R$ 2,9 milhões. No primeiro turno, ele obteve 30% dos votos válidos. Seu adversário, Vicentinho Alves, obteve 22,2%.
Questionado pela reportagem, Carlesse negou ter cometido qualquer irregularidade e não quis comentar os termos de seu divórcio. Leia a nota enviada por sua assessoria de imprensa:
"1º - O processo de [divórcio] teve decretado segredo de Justiça e assim segue atualmente, não sendo permitido qualquer comentário sobre seu conteúdo.
2º - Ainda que fossem permitidos comentários ao conteúdo do processo, o mesmo em nada diz respeito às eleições do Estado do Tocantins ou a atos de gestão de Mauro Carlesse à frente do Governo, estes sim, temas de interesse do povo tocantinense.
3º - Todas as informações prestadas à Receita Federal e à Justiça Eleitoral corresponderam a realidade dos fatos na data citada".
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