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Após se formar, 1ª médica guarani-kaiowá vai combater covid em sua aldeia

Dara Ramires Lemes, primeira mulher guarani-kaiowá a se tornar médica - Arquivo pessoal
Dara Ramires Lemes, primeira mulher guarani-kaiowá a se tornar médica Imagem: Arquivo pessoal

Rodrigo Scapolatempore

Colaboração ao UOL, em Belo Horizonte

18/04/2021 12h38

Campeã estadual pelo futebol feminino do Atlético Mineiro, Dara Ramires Lemes deu a volta por cima depois de precisar largar o esporte em Belo Horizonte. A jovem enfrentou muitas barreiras até conseguir entrar na faculdade de Medicina, no ano de 2015. Agora, aos 25 anos, ela acaba de se tornar a primeira médica guarani-kaiowá.

De volta à comunidade onde nasceu, em Caarapó (MS), Dara já está na linha de frente do combate à pandemia do novo coronavírus. Ela atua em sua aldeia, a Te'yí kue, de quatro mil habitantes, que fica a quase 300 quilômetros da capital Campo Grande.

"Quando os pacientes da minha terra olham para mim, sentem empatia, e me bate uma grande responsabilidade e um orgulho imenso de fazer o melhor. E é aí que vejo que valeu a pena todo esforço que eu fiz para conseguir chegar até aqui", afirmou hoje ao UOL.

A médica também contou que foi depois da temporada 2012-2013, mesmo com o título, que percebeu que era hora de largar os gramados e deixar para trás o sonho de jogar na Seleção Brasileira. À época, o Atlético Mineiro estava redirecionando seus investimentos na modalidade.

Era muito complicado estudar e treinar ao mesmo tempo. "Amo futebol. Joguei no Galo aos 16 anos. Jogava de meia-atacante, meia-direita e às vezes de volante. Mas não dava para conciliar com os estudos e hoje virou um hobby", disse a jovem, que é torcedora do Corinthians.

dara - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Dara Ramires Lemes largou a carreira no futebol para se tornar médica
Imagem: Arquivo pessoal

Sonho da mãe realizado

Foi então que Dara decidiu entrar na faculdade de Medicina, que era o sonho da mãe, a professora Zeni Lemes Ramires. Aos 17 anos, ela foi aprovada em uma universidade no Rio Grande do Sul, distante mais de mil quilômetros da terra natal.

"Como já tinha morado longe antes também por conta do futebol, em Belo Horizonte, eu me adaptei à nova vida no Sul. Não me lembro de reclamar. Até mesmo na época que jogava bola, sabia que tinha que seguir estudando", disse.

Dara não era qualquer jogadora. O UOL conversou hoje com o técnico dela na época do Atlético, Wellison Bitencourt. Ele contou que em um teste com 350 atletas em uma peneira no clube, apenas ela passou.

"Era muito aplicada nos treinos e tinha uma qualidade absurda, explosão ímpar, boa condução de bola em diagonal e marcava muitos gols, além de bater muito bem com os dois pés. Cheguei a indicar ela para a seleção sub-17, mas não quiseram e perderam uma grande atleta", lembrou.

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Povos indígenas estão entre os mais vulneráveis à covid-19
Imagem: Wilson Dias/Agência Brasil

Regresso à aldeia

A formatura em medicina ocorreu no final de 2020. A partir daí, Dara regressou para a aldeia e passou a morar com os pais novamente. Sem tempo para descanso, por conta da pandemia, a médica já começou a atender diariamente as cerca de 400 famílias da comunidade.

Além disso, faz plantão em um hospital local aos finais de semana.

A médica explicou que uma de suas funções por lá é o atendimento primário para a prevenção dos casos de covid-19, mas que também faz questão de prestar um serviço de conscientização para mostrar a importância da vacina nos dias atuais.

Por ser profissional da Saúde e também indígena, ela já recebeu as duas doses do imunizante contra a doença provocada pelo coronavírus.

Rogério Vilhalva Mota, um dos líderes da aldeia e diretor da escola local, foi professor de matemática de Dara quando era criança e chegou a ser atendido por ela recentemente, como médica.

"Menina de ouro, muito orgulho e fico emocionado. Quando ela começou a me atender me passou um filme na cabeça. Me Lembro dela, quando era pequenininha, brincando. Mas ela sempre foi diferenciada. E, agora, falando como uma doutora, é muita felicidade", completou.

Vale lembrar que especialistas de saúde alertam que os povos indígenas são mais vulneráveis à covid-19 do que a população brasileira em geral devido a fatores que vão da falta de cuidados de saúde à cultura de divisão de moradias e alimentos.