Reinaldo Azevedo

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Opinião

Vitória de Trump: 'sommeliers' de fascismo e nova expressão de negacionismo

Chamar alguém de "fascista" é um instrumento eficaz para vencer uma eleição? Como Kamala Harris foi derrotada — e a vitória de Donald Trump só parece acachapante em razão do absurdo colégio eleitoral —, a primeira tentação é dizer que se trata de um erro. Não existe resposta certa para pergunta errada. Não se tratava de uma estratégia ou de um instrumento eleitoreiro.

Trump diz e promete coisas tipicamente fascistas. Sempre acharei bom que se chamem as coisas por seu nome. Especialistas no próprio pensamento se tornaram "sommeliers" de fascismos. Sem aroma de Mussolini, com retrogosto hitleriano e notas de franquismo, rejeitam o emprego da palavra, depois de meterem seu nariz na taça. Fico com o mais longevo e maior estudioso vivo do tema: Robert Paxton. Chamar Trump de fascista passou a ser "não só aceitável, mas necessário". Ele escreveu "A Anatomia do Fascismo"; os tais "sommeliers", bem..., nada que preste.

A vitória de Trump, que está sendo tratada como se estivéssemos diante da reedição da reeleição de Reagan, que só perdeu em Minnesota e Washington DC — aquilo, sim, foi acachapante! —, está dando à luz um novo tipo de negacionista: aquele que se recusa a reconhecer os estragos que a extrema direita, tendo como aliadas as redes sociais, produz mundo afora.

Os EUA vivem um dos melhores momentos econômicos de sua história. "Ah, mas há os deserdados da globalização..." Eu sei. Mas isso faz tempo, e aquele mundo não volta mais. O país experimenta o pleno emprego — desemprego de 4,1% —, crescimento robusto e inflação em 2,1%. "Ah, mas esteve mais alta..." A exemplo do que se deu no resto do mundo em razão da covid. Parte dela também se deveu à fantástica injeção de dinheiro público na atividade privada para, como direi?, girar a máquina do capitalismo.

Paul Krugman escreveu dezenas de artigos apontando que a percepção dos americanos sobre a situação econômica do país dissentia, com frequência, da qualidade de vida dos próprios respondentes. Por mais que se queira atribuir "à economia, estúpido" a avaliação negativa sobre o governo Biden, a verdade é que inflação de 2,1% é inflação de 2,1%, e desemprego de 4,1% é desemprego de 4,1%. Fazer o quê? Então não é a economia, estúpido! Os que não se aproveitaram do melhor da globalização não surgiram nos últimos quatro anos.

Os EUA e o mundo não são um exemplo notável de distribuição de renda. Sim, é verdade, esse capitalismo globalizado, que deslocou cadeias produtivas para países longínquos e que desregulamentou no limite da irresponsabilidade o mercado de trabalho concentrou ainda mais renda. Lá e aqui. Há estudos a respeito. Mas será que Biden faz uma gestão interna que merece a reprovação de mais de 60%? A tese é insustentável.

Há, isto sim, uma espécie de onda antigovernista democracias afora, e os que se beneficiam desse descontentamento que navega nas redes são as correntes de extrema direita porque estão sempre presentes com suas soluções simples e erradas para problemas difíceis. Em comum, todas elas envergam as vestes do conservadorismo nos costumes para ameaçar a população com fantasmas e criam alguns bodes expiatórios para mobilizar os ódios. No caso de Trump, são os imigrantes. Bolsonaro prefere se fixar no "comunismo" e na "ideologia de gênero".

Trump fez, como já destaquei nesta coluna, um discurso até que manso. Prometeu reconstruir o país — está, por acaso, em escombros? — e anunciou uma "era de ouro". Santo Deus! Raoul Girardet, em "Mitos Mitologias Políticas", já caracterizou há muito tempo o discurso de líderes autoritários. Invariavelmente, eles se referem a um "momento da queda", atribuído a adversários, e anunciam a "idade do ouro", desde que a população se subordine às vontades do líder.

E como Trump promete fazer isso? Suponho, então, que os EUA teriam de ter um desemprego ainda menor, uma renda maior dos salários e uma inflação mais baixa... Qual a chance de isso acontecer? Bem, ele promete redução de impostos, o que provocará aumento da dívida pública, sobretaxação de importações, o que induzirá um aumento de preços, e deportação em massa, o que implicará encarecimento da mão de obra. Se fizer o que promete, que "era de ouro" vai entregar aos americanos?

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Uma nota à margem: a parte bolsonarista do agro brasileiro, que também deve ser trumpista, está disposta a aplaudir a sobretaxação da sua produção? Ou acha que o protecionismo, se vier, vai se limitar à indústria e só vai valer para a China? Sigamos.

Qual é o ponto?

A tese de que foi a economia que derrotou os democratas é, reitero, uma forma de negacionismo. Que haja os descontentes, como em qualquer parte, bem, isso é razoável. Sem contar que muitos milhões sempre serão republicanos, não é? Negar que a máquina da desinformação — pilotada, entre outros, por Elon Musk, saudado como gênio no discurso da vitória — teve um peso brutal na eleição é uma forma de se recusar a reconhecer o óbvio. Não tardará, e alguém ainda vai culpar a Taylor Swift pela derrota de Kamala...

Trump foi chamado de "fascista" porque disse e fez coisas que, bem..., fascistas dizem e fazem. Se isso rende votos ou não, nem eu nem ninguém temos condições de avaliar. O que dá para dizer com segurança é que, se cumprir suas promessas, Trump não entregará um desemprego menor, uma inflação mais baixa nem um crescimento maior. O que ele vai conseguir, isto sim, é exportar sua desordem mental para o resto do mundo. Que terá de responder a suas ações ou com protecionismo reativo, o que é ruim para todo mundo, e com novas alianças que hão de se fazer como proteção. Veremos quais.

No momento, Trump supera Kamala por 3,3 pontos percentuais dos votos totais. Não me parece ser exatamente uma vitória arrasadora. É possível que tenha, sim, cometido erros de campanha — que não seriam apontados, claro!, se tivesse vencido. Entre eles, entendo, não está chamar de fascista quem diz e faz coisas que fascistas dizem e fazem. Estou com Paxton: recorrer à palavra, que é uma definição, é não só aceitável como necessário.

PS: De resto, não deixa de ser divertido ver supostos liberais brasileiros se regozijando com promessas de Trump na área econômica que aqui seriam classificadas, por esses mesmos, de nefastas porque "nacional-desenvolvimentistas" do século passado. Essa gente é seletiva até quando aplaude o atraso.

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