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Citada por Bolsonaro, proxalutamida não tem eficácia contra covid ou câncer

Gabryella Garcia

Colaboração para o UOL

18/07/2021 14h04Atualizada em 19/07/2021 09h06

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deixou o Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, na manhã de hoje após ser internado por uma obstrução intestinal e, ao conversar com jornalistas na saída, fez coro para mais um tratamento sem eficácia comprovada contra a covid-19, a proxalutamida.

Bolsonaro afirmou que vai se encontrar nessa segunda-feira com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para tratar sobre a droga. Além disso, enquanto estava internado, o presidente afirmou ter lido estudos do CDC (Centro de Controle de Doenças) dos Estados Unidos, sem citar quais foram, e pediu que fossem feitos estudos com a proxalutamida no Brasil.

Medicamento não aprovado para tratamento de câncer

A proxalutamida é um medicamento anti-androgênico que impede que células do corpo reconheçam os hormônios andrógenos. Ele é estudado para o tratamento de cânceres (próstata e mama), mas segundo o virologista Rômulo Neris, que foi selecionado para estudar a covid-19 com uma bolsa da Dimensions Sciences, nem sequer para o tratamento do câncer a droga chegou a ser aprovada.

"Ao contrário de outras drogas estudadas contra a covid-19 como a cloroquina e a ivermectina, a proxalutamida não é um reposicionamento de um fármaco, ou seja, ele não é utilizado para tratar outra coisa e está sendo testado para a covid. Ele ainda está em fase de testes para casos de câncer de mama e próstata resistente à castração", explica. "Está na fase 3 dos testes no câncer de próstata e na fase 1 para o câncer de mama."

A primeira fase de testes seria de estudos pré-clínicos, não existem estudos mostrando o papel da droga em laboratório que comprovem se há ou não algum efeito direto no sentido de impedir a replicação do novo coronavírus. Tampouco existem estudos em modelo animal para saber qual é a tolerância e distribuição do medicamento, que são parâmetros importantes antes de se iniciar os testes em humanos.

Há alguns estudos que começaram pulando uma etapa muito importante de avaliação. Mesmo drogas sem eficácia [contra a covid-19] como a cloroquina e a ivermectina possuíam ao menos dados pré-clínicos disponíveis e também modelos animais que tentaram investigar isso. Mas, para a proxalutamida, não existem esses estudos."
Rômulo Neris, virologista

Estudos para casos de covid têm limitações, aponta virologista

O especialista também explicou que existem basicamente três estudos da proxalutamida para casos de covid-19, e dois deles foram feitos no Brasil. Um deles foi feito com pacientes hospitalizados que não necessitavam de ventilação mecânica (feito no Brasil), e outros dois em pacientes com covid-19 mas com sintomas leves ou moderados, que não precisaram ser hospitalizados.

"Basicamente esses estudos têm um manuscrito de conclusão do trabalho, mas têm algumas limitações, como o fato de a maioria dos dados brutos desses trabalhos não estarem disponíveis."

Segundo ele, há apenas um artigo que resume os achados, mas sem detalhes da evolução do quadro. Também não são descritos os tratamentos utilizados no grupo placebo. "O que queremos são dados que possam ser analisados e, até o momento, não temos estudos suficientes para isso."

Os estudos citados por Rômulo, apesar de incompletos, trouxeram alguns resultados positivos. O tempo de hospitalização dos pacientes foi reduzido de 70% a 90% e também houve uma redução de 49% para 11% no número de óbitos. "Seria um desfecho maravilhoso e todo pesquisador quer encontrar drogas eficazes, mas temos muitas limitações (nesses estudos)", completou.

Suspeitas de fraude e falhas

Sobre os poucos trabalhos que já foram realizados, pairam fortes suspeitas de fraudes e falhas graves. Uma investigação sigilosa feita pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) constatou uma série de irregularidades.

Embora a investigação sobre as infrações na condução dos estudos seja sigilosa, Neris aponta que eles começaram a ser feitos antes da aprovação do Conep.

A ideia de se usar e testar a proxalutamida contra a covid-19 surgiu pelo fato de o novo coronavírus utilizar a proteína Spike para a entrada nas células humanas: a proxalutamida atuaria justamente impedindo essa ligação com a proteína.