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Em conferência, Farc debatem transformação da guerrilha em partido político legal

Membros das Farc abrem a conferência que referendou a paz negociada com o governo da Colômbia - John Vizcaino/Reuters
Membros das Farc abrem a conferência que referendou a paz negociada com o governo da Colômbia Imagem: John Vizcaino/Reuters

El Diamante (Colômbia)

17/09/2016 15h41

A guerrilha das Farc iniciou, neste sábado, em uma área remota do sudeste da Colômbia uma inédita conferência nacional com o objetivo de referendar a paz negociada com o governo e se tornar um movimento político legal após 52 anos de conflito armado.

Com este "histórico" acordo "fica definitivamente claro que nesta guerra não existem vencedores nem vencidos", enfatizou o chefe das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), também conhecido como Timochenko, a partir de um imenso palco instalado em um local remoto do Caguán, sudeste da Colômbia.

"Se nossos adversários querem anunciar que ganharam a guerra, deixem; para as Farc e nosso povo a maior satisfação será sempre ter ganhado a paz", declarou diante de cerca de 500 rebeldes reunidos sob um céu de chumbo nas savanas do Yarí, tradicional reduto da guerrilha nascida em 1964 de uma insurreição camponesa.

Timochenko, nome de guerra de Rodrigo Londoño, impulsiona desde sua chegada à cúpula guerrilheira, em 2011, a solução negociada a um conflito fratricida, que envolveu guerrilhas, paramilitares e agentes do Estado, com um balanço de cerca de 260.000 mortos, 45.000 desaparecidos e 6,9 milhões de deslocados.

"Há todo um povo que está há 52 anos à espera da paz e que batalhou por isso. Nosso compromisso indeclinável com esse povo deve ser ratificado", declarou, pedindo as suas bases que aprovem o acordo de paz "para que seja obrigatório o cumprimento".

"Em suas mãos se encontra o destino da Colômbia", concluiu com solenidade o chefe da guerrilha mais antiga da América, que segundo estimativas oficiais conta com 7.000 combatentes.

17.set.2016 - Membros das Farc durante a conferência nacional que referendou a paz negociada com o governo da Colômbia, grupo se tornará um movimento político legal após 52 anos de conflito armado - Luis Acosta/AFP - Luis Acosta/AFP
Imagem: Luis Acosta/AFP

Obrigada, "eterno presidente" Chávez

Mais de mil guerrilheiros procedentes de toda a Colômbia, entre eles 29 membros do Estado-Maior Central das Farc e cerca de 200 delegados das distintas estruturas rebeldes, assim como 24 presos que obtiveram uma permissão especial para comparecer, deverão se pronunciar sobre o pacto alcançado em 24 de agosto após quase quatro anos de negociações em Cuba.

A Décima Conferência Nacional Guerrilheira das Farc, que será celebrada até 23 de setembro, também prevê iniciar o trâmite para que a organização marxista e de influência bolivariana se converta em um movimento político.

Em seu discurso, Timochenko destacou a "necessidade de uma mensagem nova, fresca, esperançosa pelas mudanças", e não esqueceu uma menção especial ao "eterno presidente" da Venezuela, Hugo Chávez, facilitador das negociações em Cuba e falecido em 2013, sem o qual "nada do alcançado teria sido possível".

Acadêmicos e políticos estão convencidos de que a conferência aprovará o acordo de paz, que será assinado por Timochenko e Santos em uma pomposa cerimônia em 26 de setembro em Cartagena.

Para entrar em vigência, o pacto ainda deve ser aprovado pelos colombianos em um plebiscito convocado para o 2 de outubro.

Embora o "Sim" venha recolhendo um apoio majoritário, a última pesquisa divulgada na sexta-feira revelou uma queda de 9,5 pontos percentuais à respeito da semana anterior, com 55,3% de adesões frente às 38,3% do "Não".

O pacto de 297 páginas estipula, além de pautas para o desenvolvimento agrário, solução ao problema das drogas ilícitas e participação política, o desarmamento dos guerrilheiros e sua reinserção social, assim como o sistema especial de justiça, ao qual poderão se beneficiar, e seu compromisso de reparar as vítimas.

"Não duvidamos que o conjunto de delegados aprovará os acordos alcançados em 24 de agosto em Havana", disse a jornalistas o comandante Carlos Antonio Losada, que neste sábado usava como o resto da dirigência guerrilheira uma camiseta branca com uma imagem do líder histórico das Farc Manuel Marulanda, Tirofijo.

17.set.2016 - Membros das Farc sorriem durante a conferência nacional que referendou a paz negociada com o governo da Colômbia, grupo se tornará um movimento político legal após 52 anos de conflito armado - Luis Acosta/AFP - Luis Acosta/AFP
Membros das Farc sorriem durante a conferência nacional
Imagem: Luis Acosta/AFP

O drone e a menina

Os verdes Llanos del Yarí, onde no passado operava Marulanda, falecido em 2008 de aparentes causas naturais, são cenário da qual espera-se que seja a última conferência das Farc em armas contra o Estado.

Mas a conferência não só não precedentes por debater planos de paz em vez de estratégias de guerra.

"É a primeira vez em 25 anos que líderes e guerrilheiros vão estar juntos. A última vez que se viram cara a cara foi na oitava Conferência em 1993, porque a nona, em 2007, foi (via) digital", pelo assédio das forças militares, disse à AFP Kyle Johnson, analista do International Crisis Group, uma ONG de acompanhamento do conflito colombiano.

Além disso, nunca antes uma conferência nacional das Farc havia sido realizada com o aval das autoridades e aberta à imprensa. Cerca de 400 meios nacionais e internacionais, entre eles de China, Japão e muitos países europeus, estão credenciados.

Como em qualquer grande evento mundial, o ato de abertura neste sábado foi seguido por um enxame de fotógrafos e cinegrafistas, mas também por um drone que sobrevoava a área e cujo zumbido pareceu distrair o próprio Timochenko.

Sara, uma menina de dois anos com calças de corações rosas, filha do guerrilheiro 'Carlos', de 40 anos, sorria enquanto apontava a imensa estrutura com três telões, instaladas como para um show de rock.

O lema desta conferência é "defender o compromisso com a paz", afirmou seu também sorridente pai, de camiseta vermelha com o rosto de Ernesto 'Che' Guevara.

Vítimas das Farc defendem referendo sobre acordo com guerrilha

AFP