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Imigrantes e gays 'trocam lições' nos EUA

17/05/2013 05h26

Se a reforma migratória chegar ao plenário do Senado em junho, como previsto, poderá coincidir com a época em que Supremo dos Estados Unidos decidirá a respeito de dois casos envolvendo o casamento homoafetivo, a principal bandeira do movimento de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).

Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Em um artigo recente no jornal The Washington Post, Frank Sharry, fundador da organização America's Voice, que defende a legalização dos imigrantes, indicou que os importantes avanços na causa dos imigrantes nos últimos anos se deve, em parte, a lições aprendidas com seus colegas ativistas LGBT.

"Tiramos três lições cruciais dos ativistas do movimento LGBT", escreveu Sharry. "Aprendemos que tínhamos de criar um movimento; que não podíamos ter medo de questionar os nossos amigos no poder; e que precisávamos dar um rosto à nossa causa."

Nos últimos anos, as estratégias dos dois movimentos têm seguido estritamente essa cartilha.

Curiosamente, um dos "rostos" dos imigrantes foi também o rosto da causa LGBT: o prêmio Pulitzer de jornalismo José Antonio Vargas, imigrante e gay assumido, que em 2011 revelou estar no país indocumentado.

Vargas ajudou a dar visibilidade aos chamados "sonhadores" - os "dreamers", em referência ao Dream Act, a legislação que abria a possibilidade de cidadania aos filhos de imigrantes trazidos ilegalmente para os EUA quando crianças.

Como Vargas, os sonhadores representavam a ponta do iceberg do potencial desperdiçado no universo de 11 milhões de imigrantes indocumentados que cresceram, estudam e trabalham nos EUA e contribuem com a sociedade americana.

Superando o medo, os sonhadores "saíram das sombras" e fortaleceram o movimento pró-imigração, da mesma forma que "sair do armário" fortalece o orgulho LGBT.

Antes da reforma migratória, a maior vitória dos jovens imigrantes foi forçar o presidente Barack Obama a conceder, em junho do ano passado, uma legalização temporária para os que cumprissem os critérios do Dream Act.

Avanço lento

Mas foi uma vitória construída aos poucos. Por anos, a aposta dos grupos pró-imigração foi aprovar, gradualmente, que alguns Estados concedessem carteiras de motorista ou acesso a fundos públicos educacionais a imigrantes indocumentados.

Construção semelhante também ocorreu no caso do movimento LGBT, que pouco a pouco conseguiu legalizar o casamento em 12 Estados e o Distrito de Colúmbia.

Mas apesar dos avanços, os defensores do casamento gay reconhecem que a maioria dos Estados americanos - 30 - ainda proíbe essa instituição expressamente em suas Constituições.

E este é apenas um dos inúmeros exemplos da inconsistência dos ganhos obtidos pelo movimento.

"Hoje, 21 Estados e mais o Distrito de Colúmbia dizem que é ilegal despedir uma pessoa por ser gay. Mas isso significa também que em 29 isso é perfeitamente legal", exemplifica Crosby Burns, ativista LGBT do Center for American Progress.

"Por isso ainda precisamos de uma lei abrangente, de nível federal, que diga que não importa em que Estado você resida, despedir alguém por ser gay é ilegal."

Pressão no topo

Frank Sharry diz que na busca por sua bandeira, o movimento gay proveu um exemplo de como não se deixar "encantar" pela eleição de um presidente democrata e nunca abandonar a estratégia de "questionar claramente a Casa Branca".

Confrontativo, o movimento LGBT conseguiu pressionar o presidente a extinguir a lei "Não Pergunte, Não Conte", que obrigava os gays nas Forças Armadas americanas a permanecer no armário.

Depois, a Casa Branca também anunciou que não defenderia, no caso que está em exame no Supremo americano, a Lei de Defesa do Casamento, legislação federal que proíbe o reconhecimento dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo por parte da União.

E foi em plena campanha eleitoral que, no ano passado, Obama se tornou o primeiro presidente americano a apoiar abertamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O movimento imigrante foi mais lento em questionar Obama. Mas uma indicação desta mudança de atitude veio em julho de 2011, quando o presidente discursou na conferência anual do Conselho Nacional La Raza, um das principais organizações de imigrantes do país.

Quando tentava explicar aos ativistas que não podia, unilateralmente, mudar as leis de imigração porque essa era uma atribuição do Congresso, um coro de ativistas lhe interrompeu gritando slogans de "Sim, você pode", em alusão à famosa frase de campanha do presidente americano ("Yes, we can"). 

Moedas políticas

A partir das eleições presidenciais de 2012, os dois movimentos conseguiram mostrar toda a força de suas moedas políticas - votos, em um caso, e doações, no outro.

O músculo do voto latino - que superou o percentual de 10% do eleitorado pela primeira vez na história e desequilibrou a votação a favor de Obama - pôs a reforma migratória para 11 milhões de indocumentados na pauta legislativa do país.

Já o movimento LGBT soube tirar vantagem das generosas contribuições provenientes de grupos como o Human Rights Campaign, cinicamente apelidados por seus detratores de "caixas eletrônicos gays".

Só em 2012, segundo a ONG Center for Responsive Politics, as contribuições desses grupos para candidatos, partidos e fundos de campanha chegaram a US$ 6 milhões (R$ 12 milhões). De cada 100 dólares, 93 foram para os caixas democratas.

Nos últimos anos, imigrantes e grupos LGBT trocaram lições e exploraram suas respectivas fortalezas políticas; criaram para si facetas públicas, conquistaram vitórias em nível estadual e exerceram pressão sobre a Casa Branca obter para o máximo de concessões de um Executivo com poderes limitados.

Com a reforma migratória em marcha e duas decisões do Supremo sobre os direitos LGBT no horizonte, ambos os movimentos apostam agora nas suas conquistas em nível nacional mais expressivas em uma geração.