Topo

Entenda as opções do Ocidente para lidar com a crise da Crimeia

04/03/2014 00h04Atualizada em 04/03/2014 09h16

"Um ato descarado de agressão em violação da lei internacional, em violação da Carta das Nações Unidas". Essa foi a forma usada pelo Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, para descrever a intervenção da Rússia na Ucrânia.

Ele ameaçou dizendo que a ação russa pode causar repercussões e também que "todas as opções estão sobre a mesa".

Mas o que os Estados Unidos podem considerar como "todas as opções"? De forma realista, o que os Estados Unidos e o Ocidente podem fazer?

Opções diplomáticas

O primeiro grande passo dado em resposta a uma ofensa internacional é uma condenação pelo Conselho de Segurança - que normalmente é seguido por resoluções prevendo etapas a ser cumpridas pelo ofensor. Quando isso falha, o órgão pode autorizar uma ação militar internacional.

Mas essas opções estão efetivamente descartadas. A Rússia é um membro permanente do conselho e pode - e vai - vetar qualquer tentativa de condenar suas ações. Essa é a falha estrutural do sistema do Conselho de Segurança: ser impotente contra seus membros permanentes.

Mas há outros fóruns possíveis. Sete membros do G8, o grupo das nações mais industrializadas do mundo se voltaram contra seu oitavo membro, a Rússia, ao cancelar as preparações para uma reunião do grupo que ocorreria no país em junho.

Há também outras formas de cooperação com a Rússia que podem ser suspensas. A parceria entre Rússia e União Europeia, como seus encontros a cada dois anos, é uma delas. O Conselho Otan-Rússia é outra.

Mas voltar as costas para a Rússia na diplomacia gera grandes riscos. A cooperação da Rússia é vital para a política do Ocidente no Irã, na Coreia do Norte e no Afeganistão. O país também tem grande peso na Síria.

O Reino Unido teria ordenado um boicote ministerial aos Jogos Paralímpicos que começam nesta sexta-feira em Sochi - que fica a menos de 480 km da capital da Crimeia, Simferopol. Mas muitos países têm se mostrado relutantes para impor boicotes aos esportes desde que retaliações ocorridas em 1980 e 1984, durante a Guerra Fria.

Opções econômicas

Indo além das opções diplomáticas, o Ocidente poderia impor medidas para atingir o país em um ponto sensível: o bolso. E isso pode ser feito sem o apoio da ONU.

A Rússia tem fortes ligações com o Ocidente. Os Estados Unidos recentemente cancelaram negociações com os russos sobre um tratado de investimento bilateral e questões energéticas.

Um dos maiores fatores que podem ser usados pela Europa para pressionar a Rússia - a energia do petróleo e do gás - é também uma fraqueza. A Rússia é o maior fornecedor internacional da Europa, vendendo cerca de 25% do gás em contratos de cerca de US$ 100 milhões por dia. Mas exatamente por causa dessa profunda dependência, a área de petróleo e gás se torna um campo de batalha improvável.

A Europa não têm alternativas para compensar uma eventual escassez dos produtos - apesar do fato de que depois de um inverno ameno o gás estocado deve ser suficiente para suprir o bloco por muitos meses.

A elite rica da Rússia poderia ser um alvo. Visitantes frequentes do Ocidente, ela mantém bilhões investidos em bancos, propriedades e até times de futebol ocidentais.

O analista de segurança especializado em Rússia Mark Galeotti afirma: "A arma mais poderosa contra o Kremlin é mirar nas elites das quais eles dependem."

Ele afirmou que ações possíveis poderiam ser expulsão de autoridades, congelamento de recursos, restrições para vistos e até sanções contra empresas russas.

A pressão econômica do Ocidente sobre a Rússia pode ter que vir a longo prazo e ser focada na redução de investimento e comércio.

Restrições de vistos e congelamento de bens já foram usados antes - notadamente pelos Estados Unidos contra autoridades russas envolvidas na prisão, morte e julgamento póstumo do advogado Sergei Magnitsky. Essas sanções, relativamente limitadas tiveram um efeito ruim para as relações com a Rússia - que retaliou com medidas entre as quais o banimento das adoções entre americanos e russos.

Mas Francesco Giumelli, especialista em sanções internacionais da Universidade de Groningen, na Holanda, diz que esse recurso não pode ser usado indiscriminadamente contra qualquer russo rico. "Legalmente é muito difícil... como você ligaria essas pessoas da elite a ações específicas na Crimeia? Você precisa provar que eles estão envolvidos em alguma coisa errada".

Segundo ele, a proibição de viagens - não as medidas financeiras - são o primeiro passo mais provável, direcionado a generais e autoridades da Defesa com um papel direto na crise da Crimeia, ou parlamentares que tenham apoiado a ação. Segundo ele, isso pode parecer "simbólico" mas mostra um comprometimento em agir - que pode passar por uma escalada mais tarde.

Usar medidas mais duras contra o círculo mais próximo a Vladimir Putin ou que atinjam os empresários russos poderosos é provavelmente uma forma de apenas provocar retaliações. "E como isso pode ajudar a Ucrânia?", diz Giumelli.

"É fácil dizer que nós precisamos ser fortes, mas e se eles (os russos) disserem o mesmo? Eu não acho que a União Europeia tem o desejo de elevar isso a uma situação em que alguém terá que recuar", afirma.

Opções militares

Partir do pressuposto de que o termo "todas as opções" usado por Kerry não descarta a ação militar pode ser uma interpretação literal demais. Analistas concordam que não há perspectivas da Otan entrar em guerra com a Rússia por causa da Ucrânia.

O chanceler britânico, Willian Hague, disse explicitamente: "Por hoje, nenhuma ação militar está na mesa".

A Ucrânia é um país parceiro da Otan mas não um membro da aliança militar ocidental e por causa disso não recebe garantias de segurança.

O principal objetivo neste momento é desmilitarizar a crise e tentar encaminhar negociações diplomáticas entre a Rússia e a Ucrânia, segundo o correspondente diplomático Jonathan Marcus. Assim, a Otan deve se mover com cuidado.

Qualquer envio de forças para a região do Mar Negro ou ofertas de meios de vigilância pode ser visto pode Moscou como uma inclinação da Otan para o lado de Kiev - o que funcionaria como "uma capa vermelha para um touro", segundo o correspondente.

Esse não é o tipo de guerra que a Ucrânia pode vencer em termos militares, com ou sem o apoio da Otan, afirmou ele.

O que esperar

Muitos analistas pensam que uma ação decisiva e súbita do Ocidente é improvável. Quaisquer sanções devem começar pequenas e depois aumentar, e levará tempo para elaborar e implementar qualquer uma delas.

E o Ocidente deverá estar preparado para o fato de que qualquer ação pode prejudicar suas próprias ligações econômicas com a Rússia, especialmente se Moscou escolher retaliar.