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Tsunami, dez anos: 'Atraso de passeio me salvou', conta brasileira

Karina Dubeux lançou há alguns anos um livro no qual contou sua experiência no tsunami - Arquivo pessoal
Karina Dubeux lançou há alguns anos um livro no qual contou sua experiência no tsunami Imagem: Arquivo pessoal

Gerardo Lissardy

26/12/2014 09h11

Depois de ouvir com insistência que precisava ser pontual para um passeio de mergulho na Tailândia, há dez anos, a médica brasileira Karina Dubeux ficou um pouco brava quando o barco saiu 30 minutos depois do horário previsto. O que ela não sabia era que esse atraso salvaria sua vida.

Naquele domingo, 26 de dezembro de 2004, Karina e seu marido passavam férias em Phi Phi, pequeno arquipélago no sul da Tailândia cujas areias brancas e água azul turquesa ficaram conhecidas como locação do filme "A Praia", com Leonardo Di Caprio.

Karina não havia viajado até lá por influência de Hollywood, mas porque era um sonho antigo de seu marido, Isac Szwarc. Como ela, Isac é médico e praticava mergulho submarino havia já alguns anos.

O barco com outros dois turistas, três guias e uma fotógrafa finlandesa finalmente saiu e os levou até Koh Bida Nok. Essa pequena e desabitada ilha é formada por pedra calcárea que surge magicamente do mar. Debaixo da água há um espetáculo colorido de recifes e corais, peixes raros e cavalos marinhos.

Karina tinha então 41 anos e mergulhou por pouco mais de meia hora, a 23,5 metros de profundidade. Quando voltava à superfície, fez uma parada a cinco metros de profundidade, um procedimento de rotina para evitar a síndrome da descompressão.

Então percebeu o primeiro sinal de que algo anormal ocorria.

"Comecei a rodar junto com meu marido e o guia de mergulho. Era jogada contra eles como se estivesse em um liquidificador ou um redemoinho", conta Karina à BBC. "Era jogada contra as pedras."

Fora da água, acabava de acontecer um dos piores desastres naturais da história moderna: o tsunami que deixou 230 mil mortos em vários países banhados pelo Oceano Índico.

Mas naquele momento Karina, submersa naquele fascinante mundo marinho, não sabia disso.

Tsunami é uma palavra de origem japonesa, que junta os termos "porto" e "onda". Trata-se por definição de uma onda gigantesca gerada por um maremoto ou por uma erupção vulcânica no mar.

O de 2004 surgiu de um terremoto de magnitude 9,1 com epicentro no Oceano Índico, perto da costa oeste de Sumatra, na Indonésia. Por conta disso, essa parte da Indonésia sofreu as piores consequências do desastre, seguida por Sri Lanka e Tailândia. No total, o fenômeno provocou danos em 14 países.

Cerca de 2 milhões de pessoas perderam suas casas. Milhares de corpos nunca foram encontrados. Mas muitos sobreviveram por pura sorte, como Karina e Isac.

Turistas desaparecidos

Ao chegar à superfície, Karina notou uma corrente forte de água. Nadou com certa dificuldade até o barco. Como estava protegido atrás de uma pedra em uma baía, o capitão da embarcação nem chegou a ver a onda.

Quando todos estavam de volta a bordo, passou um outro barco com dois tailandeses que gritavam à distância. Um deles dizia que seu próprio barco acabava de ser destruído por uma grande onda e que sete turistas que transportava caíram no mar.

O homem foi resgatado pelo outro barco, mas os turistas desapareceram no mesmo lugar onde o casal faria sua escala seguinte do passeio.

"Se não tivesse havido aquela meia hora de atraso, estaríamos nessa praia e teria acontecido conosco a mesma coisa que com os outros turistas, que morreram", reflete Karina.

Pouco depois, receberam um alerta pelo rádio sobre uma grande onda que havia danificado o cais do hotel.

Karina, que desde pequena tinha interesse pelos tsunamis, conta que nesse momento comentou que poderia se tratar de um. Mas o resto da tripulação riu.

"Há 120 anos que não temos um tsunami nesta região", teria lhe respondido alguém.

Barco encalhado no hotel

Como o barco não podia atracar no cais do hotel, Dubeux e o resto dos mergulhadores tiveram de nadar 150 metros para chegar à costa. O mar estava revolto, escuro, com pedaços de coqueiros flutuando.

Eles andaram por um caminho que os levou até o hotel.

O lugar tinha certa proteção geográfica que evitou maiores danos. Mas Karina lembra que alguns destroços chamavam atenção. A recepção do hotel tinha sido invadida por um barco arrastado pela onda. Estava encalhado ali, "como se fosse fazer o check-in", ela conta.

Não havia feridos à vista, porém. "Ninguém falava de tsunami ainda. Estava todo mundo quieto e assustado", relata.

Karina e seu marido foram ao seu bangalô para tomar um banho e mudar de roupa. Logo passou um empregado do hotel em um carrinho de golf, gritando em inglês: "Outra onda gigante!".

Os dois se dirigiram então depressa ao restaurante do hotel, que ficava no ponto mais alto da ilha. Foi lá que encontraram pela primeira vez várias pessoas feridas, algumas delas jogadas ao chão.

Isac foi buscar seus equipamentos de primeiros socorros. Os dois médicos começaram a prestar assistência como podiam, inclusive dando pontos em cortes.

Chegaram então mais feridos do outro lado da ilha, onde morreram centenas de pessoas. Alguns tinham escoriações, outros tinham politraumatismos, outros hematomas. Mas Karina diz que não havia ninguém que parecesse sob risco de morte.

"O que mais havia era gente em estado de choque. Pessoas que perderam seus entes queridos, que não tiveram a mesma sorte", relata. "Atuei quase como uma psiquiatra, conversei muito com eles", diz.

'Divisor de águas'

Karina conseguiu voltar ao Brasil três dias depois da tragédia. Diz que nunca mais encontrou aquelas pessoas a quem atendeu.

Ela voltou ao sul da Tailândia quatro anos depois e se assombrou com a reconstrução do lugar. E completou então o circuito de mergulho interrompido abruptamente naquele dia.

Há poucos anos, ela publicou o livro Salvos por um Mergulho, no qual relata a experiência.

Uma década depois, está separada e tem planos de viajar à Indonésia. Assegura que o tsunami foi "um divisor de águas muito forte" para ela.

"Mudei muito, inclusive em minha profissão. Eu me tornei uma pessoa mais disponível", afirma. "Mais do que nunca, acredito que a vida é um presente."