Na Turquia, partido de gays, curdos e mulheres tenta mudar jogo político
Uma vez por semana, um grupo de mulheres se reúne no mesmo parque da Turquia, em um ritual que se repete há anos.
Em comum, elas têm o fato de terem perdido filhos e maridos ao longo dos 30 anos de conflito armado entre os curdos e o governo turco.
Nos rostos destas mulheres é possível ver as marcas da idade e da exaustão. Uma usa um colar com um retrato dos filhos desaparecidos. Outra tem uma pulseira com a bandeira curda.
"A Turquia não acha que nós, curdos, somos humanos", disse Sakine Arat, de 80 anos, que perdeu quatro filhos e uma filha na luta. "Nós tentamos todos os partidos políticos, mas nenhum nos apoiou. Agora, fundamos um, o HDP, que nos trata como iguais. Então, vamos votar nele."
O Partido Democrático do Povo, ou HDP, deve chamar atenção nas eleições parlamentares do próximo domingo (7) na Turquia.
As raízes e as bases de apoio são curdas, mas o partido ampliou-se e se transformou em uma poderosa voz da esquerda do país.
Independentes
Os candidatos do HDP costumavam concorrer de forma independente, ganhando apenas algumas cadeiras no Parlamento. Mas, desta vez, o HDP é um partido único, e as pesquisas de opinião mostram que ele pode ganhar mais do que 10% da cadeiras, o bastante para tirar a maioria do partido do governo, o AKP.
Isso impediria que o presidente, Recep Tayyip Erdogan, mudasse a Constituição para conseguir mais poderes através de uma presidência executiva. E essa é uma das razões pelos quais os opositores mais convictos de Erdogan foram atraídos para o HDP.
"Soldados turcos incendiaram minha casa quatro vezes", afirmou Dilsah Ozgen, de 76 anos, que perdeu o marido e dois filhos. "Acredito no nosso HDP. Vamos passar o (limite) de 10% e afogar Erdogan em uma inundação de votos."
Há cerca de 15 milhões de curdos na Turquia, 20% da população. Por décadas eles foram reprimidos pelo governo.
"Não existem curdos: eles simplesmente são turcos da montanha", afirmava um refrão oficial.
Na década de 1980, formou-se o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), iniciando uma insurgência de três décadas contra o governo turco, alguns lutando por mais autonomia e outros por independência.
Quarenta mil pessoas morreram. O grupo ainda é visto como uma organização terrorista por Turquia, Estados Unidos e União Europeia.
A paz é algo novo. Apesar de as condições para os curdos terem melhorado, o frágil cessar-fogo foi abalado por confrontos enquanto o processo de paz entrou em um impasse e o governo endureceu a retórica nacionalista.
Muitos curdos que apoiavam o AKP agora mudaram e estão migrando ao HDP.
Curdos e turcos
Um candidato regional do HDP, Ziya Pir, encontrou-se com a reportagem da BBC no centro cultural de Diyarbakir, interior da Turquia.
Pir não é curdo, mas, em volta dele, simpatizantes tocavam instrumentos tradicionais e cantavam músicas em curdo e turco --simbolizando a mensagem de união e intersecção cultural que o HDP quer passar.
"Sou turco, do Mar Negro, e inicialmente as pessoas me perguntavam: 'Por que você está indo para um partido curdo?' Mas eu dizia a eles que não é um partido curdo, é um partido turco. Queremos uma Turquia na qual todas as pessoas possam se encontrar", disse Pir.
O tio do candidato, Kemal, foi um dos fundadores do PKK. Mas ele insiste que não há ligação.
"Não sou meu tio. O HDP não tem relação com o PKK. Queremos a paz. Olho nos olhos do povo da Turquia e não vejo esperança. Quero trazer a esperança de volta."
Existe a sensação de que, caso o HDP não conquiste 10% dos votos no pleito de domingo, crescerá a revolta popular, ante a percepção de que pode haver fraude eleitoral.
"Precisamos que nossos representantes cheguem ao Parlamento ou temo que haverá o risco de voltar à década de 1990 --não um conflito entre o PKK e o Exército turco, mas entre o povo curdo e o Exército", disse Pir.
Igualdade
A ascenção do HDP se deve, em parte, à sua forte mensagem de democracia social, que também conta com o apoio dos não-curdos.
Com dois líderes carismáticos, um homem e uma mulher, e muitas candidatas mulheres, o partido é promotor dos direitos femininos e da igualdade de gêneros, algo que chama a atenção em uma sociedade patriarcal.
O partido também tem plataformas para o meio ambiente e os direitos LGBT, abrigando o primeiro candidato abertamente gay da Turquia.
No topo das antigas muralhas de Diyarbakir, a BBC encontra os partidários leais do que, segundo eles, é o primeiro partido realmente democrático da Turquia.
"Sou gay e ninguém tinha apoiado meus direitos até o HDP. Finalmente tenho uma voz", disse Atalay Gocer.
Em uma manhã ensolarada recente, uma multidão ocupou o centro de Diyarbakir para o funeral de uma militar curda que morreu combatendo o grupo Estado Islâmico, na Síria.
O caixão dela foi carregado pelas ruas, coberto pela bandeira curda, acompanhado pelo choro dos presentes e por gritos de "mártires nunca morrem".
A resistência curda na Síria e no Iraque deu uma nova energia a essa comunidade na Turquia, revivendo a luta pela identidade curda. E isso está no centro da luta deles nas eleições de domingo.
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