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Na Turquia, partido de gays, curdos e mulheres tenta mudar jogo político

Grupo que perdeu familiares nos conflitos entre curdos e o governo turco se reúne em um parque uma vez por semana - BBC
Grupo que perdeu familiares nos conflitos entre curdos e o governo turco se reúne em um parque uma vez por semana Imagem: BBC

Mark Lowen

Da BBC News, na Turquia

01/06/2015 15h23

Uma vez por semana, um grupo de mulheres se reúne no mesmo parque da Turquia, em um ritual que se repete há anos.

Em comum, elas têm o fato de terem perdido filhos e maridos ao longo dos 30 anos de conflito armado entre os curdos e o governo turco.

Nos rostos destas mulheres é possível ver as marcas da idade e da exaustão. Uma usa um colar com um retrato dos filhos desaparecidos. Outra tem uma pulseira com a bandeira curda.

"A Turquia não acha que nós, curdos, somos humanos", disse Sakine Arat, de 80 anos, que perdeu quatro filhos e uma filha na luta. "Nós tentamos todos os partidos políticos, mas nenhum nos apoiou. Agora, fundamos um, o HDP, que nos trata como iguais. Então, vamos votar nele."

O Partido Democrático do Povo, ou HDP, deve chamar atenção nas eleições parlamentares do próximo domingo (7) na Turquia.

As raízes e as bases de apoio são curdas, mas o partido ampliou-se e se transformou em uma poderosa voz da esquerda do país.

Independentes

Os candidatos do HDP costumavam concorrer de forma independente, ganhando apenas algumas cadeiras no Parlamento. Mas, desta vez, o HDP é um partido único, e as pesquisas de opinião mostram que ele pode ganhar mais do que 10% da cadeiras, o bastante para tirar a maioria do partido do governo, o AKP.

Isso impediria que o presidente, Recep Tayyip Erdogan, mudasse a Constituição para conseguir mais poderes através de uma presidência executiva. E essa é uma das razões pelos quais os opositores mais convictos de Erdogan foram atraídos para o HDP.

"Soldados turcos incendiaram minha casa quatro vezes", afirmou Dilsah Ozgen, de 76 anos, que perdeu o marido e dois filhos. "Acredito no nosso HDP. Vamos passar o (limite) de 10% e afogar Erdogan em uma inundação de votos."

Há cerca de 15 milhões de curdos na Turquia, 20% da população. Por décadas eles foram reprimidos pelo governo.

"Não existem curdos: eles simplesmente são turcos da montanha", afirmava um refrão oficial.

Na década de 1980, formou-se o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), iniciando uma insurgência de três décadas contra o governo turco, alguns lutando por mais autonomia e outros por independência.

Quarenta mil pessoas morreram. O grupo ainda é visto como uma organização terrorista por Turquia, Estados Unidos e União Europeia.

A paz é algo novo. Apesar de as condições para os curdos terem melhorado, o frágil cessar-fogo foi abalado por confrontos enquanto o processo de paz entrou em um impasse e o governo endureceu a retórica nacionalista.

Muitos curdos que apoiavam o AKP agora mudaram e estão migrando ao HDP.

Curdos e turcos

Um candidato regional do HDP, Ziya Pir, encontrou-se com a reportagem da BBC no centro cultural de Diyarbakir, interior da Turquia.

Pir não é curdo, mas, em volta dele, simpatizantes tocavam instrumentos tradicionais e cantavam músicas em curdo e turco --simbolizando a mensagem de união e intersecção cultural que o HDP quer passar.

"Sou turco, do Mar Negro, e inicialmente as pessoas me perguntavam: 'Por que você está indo para um partido curdo?' Mas eu dizia a eles que não é um partido curdo, é um partido turco. Queremos uma Turquia na qual todas as pessoas possam se encontrar", disse Pir.

O tio do candidato, Kemal, foi um dos fundadores do PKK. Mas ele insiste que não há ligação.

"Não sou meu tio. O HDP não tem relação com o PKK. Queremos a paz. Olho nos olhos do povo da Turquia e não vejo esperança. Quero trazer a esperança de volta."

Existe a sensação de que, caso o HDP não conquiste 10% dos votos no pleito de domingo, crescerá a revolta popular, ante a percepção de que pode haver fraude eleitoral.

"Precisamos que nossos representantes cheguem ao Parlamento ou temo que haverá o risco de voltar à década de 1990 --não um conflito entre o PKK e o Exército turco, mas entre o povo curdo e o Exército", disse Pir.

Igualdade

A ascenção do HDP se deve, em parte, à sua forte mensagem de democracia social, que também conta com o apoio dos não-curdos.

Com dois líderes carismáticos, um homem e uma mulher, e muitas candidatas mulheres, o partido é promotor dos direitos femininos e da igualdade de gêneros, algo que chama a atenção em uma sociedade patriarcal.

O partido também tem plataformas para o meio ambiente e os direitos LGBT, abrigando o primeiro candidato abertamente gay da Turquia.

No topo das antigas muralhas de Diyarbakir, a BBC encontra os partidários leais do que, segundo eles, é o primeiro partido realmente democrático da Turquia.

"Sou gay e ninguém tinha apoiado meus direitos até o HDP. Finalmente tenho uma voz", disse Atalay Gocer.

Em uma manhã ensolarada recente, uma multidão ocupou o centro de Diyarbakir para o funeral de uma militar curda que morreu combatendo o grupo Estado Islâmico, na Síria.

O caixão dela foi carregado pelas ruas, coberto pela bandeira curda, acompanhado pelo choro dos presentes e por gritos de "mártires nunca morrem".

A resistência curda na Síria e no Iraque deu uma nova energia a essa comunidade na Turquia, revivendo a luta pela identidade curda. E isso está no centro da luta deles nas eleições de domingo.