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Cinco pontos para prestar atenção na visita do papa a Cuba

Papa Francisco, a bordo do papamóvel, é saudado por cubanos em avenidas de Havana - Carlos Garcia/Reuters
Papa Francisco, a bordo do papamóvel, é saudado por cubanos em avenidas de Havana Imagem: Carlos Garcia/Reuters

João Fellet

20/09/2015 07h14

O papa Francisco desembarcou no sábado (19) em Cuba para sua primeira visita ao país. A viagem ocorre poucas semanas após a retomada dos laços diplomáticos entre Havana e Washington, em processo impulsionado pelo pontífice.

Além de Havana, onde neste domingo (20) ele celebra uma missa na Praça da Revolução, Francisco irá a Holguín e a Santiago de Cuba. O giro se encerra na terça-feira (22), quando ele parte para os Estados Unidos.

A BBC Brasil listou cinco dos principais pontos da visita do primeiro papa latino-americano à ilha caribenha.

1. Reaproximação com os Estados Unidos

Os governos de Cuba e dos Estados Unidos disseram que Francisco foi crucial na reaproximação que levou à retomada das relações diplomáticas entre os dois países. Autor da biografia "O Grande Reformista: Francisco e a construção de um papa radical", o jornalista britânico Austen Ivereigh disse à BBC Brasil que o pontífice deu o pontapé inicial no processo há pouco mais de um ano, quando enviou cartas a Raúl Castro e Barack Obama.

"Adoraria saber o que estava escrito naquelas cartas, mas foi o suficiente para aproximá-los. Deve ter sido um apelo muito profundo para uma visão de futuro." Para Ivereigh, a visita atual do papa leva o processo a outro patamar, já que ele viajará aos EUA em seguida.

Em Cuba, Francisco deverá ouvir apelos para que tente convencer o Congresso americano a derrubar o embargo econômico à ilha caribenha, que continua em vigor apesar da retomada do diálogo. Ele discursará a congressistas em Washington na quinta-feira (24).

Em Holguín, Francisco poderá tratar de outro tema sensível aos dois países: a base americana de Guantánamo. O governo cubano exige a devolução do território, ocupado pelos Estados Unidos em 1898, após a Guerra Hispano-Americana. Holguín é uma das cidades cubanas mais próximas da base.

2. Presos cubanos

Um dos pontos mais sensíveis na relação entre a Igreja Católica e Cuba é a questão dos presidiários cubanos. Representantes da igreja e de organizações de direitos humanos criticam Cuba pelas condições de suas prisões e o tamanho de sua população carcerária.

Na semana passada, o governo acenou ao pontífice ao indultar 3.522 pessoas encarceradas por delitos leves. Após vários anos sob cobrança para que divulgasse dados sobre suas prisões, o governo anunciou em 2012 que havia 57 mil detentos no país.

O número equivale a 518 presos por 100 mil habitantes, índice que supera o do Brasil (300 por 100 mil) e só é menor do que o dos Estados Unidos (698 por 100 mil).

3. Abertura econômica

Em célebre discurso durante a primeira viagem de um pontífice a Cuba, em 1998, o papa João Paulo 2º pediu que Cuba se abrisse ao mundo e que o mundo se abrisse a Cuba. Segundo o teólogo Frei Betto, a frase "foi muito importante para melhorar as relações de Cuba com muitos países do mundo", especialmente europeus.

Espera-se que Francisco reforce o discurso do pontífice polonês, que teve destacada atuação pelo fim do comunismo na Europa Oriental. Cuba tem tentado atrair investimentos externos, mas empresários estrangeiros cobram reformas que diminuam a burocracia e a participação do Estado nos empreendimentos.

4. Abertura política

Segundo o bispo auxiliar da capital cubana, Juan de Dios Hernandez, Francisco tem crédito de sobra com o governo cubano para abordar mesmo os temas mais delicados. Um deles poderá ser a sucessão do presidente Raúl Castro, no poder desde 2008 e que assumiu após quase cinco décadas de governo do seu irmão Fidel.

Em discurso neste sábado ao lado de Raúl, Francisco fez uma referência sutil a dissidentes do regime ao se desculpar a pessoas que não encontrará na visita "por diferentes motivos". Acredita-se que o presidente, hoje com 84 anos, ficará no cargo até 2018, mas um processo de transição poderá se iniciar em abril, quando o ocorre o próximo congresso do Partido Comunista de Cuba, também presidido por Raúl.

Analistas dizem que ele pode deixar a presidência do partido no congresso. Um dos mais cotados para assumir seu posto e, posteriormente, a presidência cubana, é o vice-presidente Miguel Diáz-Canel, 55.

5. Sincretismo

"Embora sejam muito religiosos, os cubanos não são propriamente católicos", diz o teólogo brasileiro Frei Betto. Ele afirma que grande parte da população cubana se identifica com o papa e a Igreja Católica, mas pratica uma fé com muitas influências africanas, que tem na santería sua principal expressão.

Antecessor de Francisco, o papa Bento 16 (2005-2013) condenou o sincretismo. Em visita ao Brasil em 2010, ele se disse preocupado com "tudo o que possa ofuscar o ponto mais original da fé católica".

Para Austen Ivereigh, que escreveu uma biografia de Francisco, o pontífice atual tem outras visões sobre o tema. "Acho que Francisco sempre teve a visão de que, se essa é a fé das pessoas, devemos procurar Deus ali."

Segundo ele, o maior desafio em Cuba não são as crenças afrocaribenhas, mas aumentar o número de discípulos que praticam o catolicismo de maneira mais sistemática. "A questão é: eles podem fazer isso antes que Cuba mude tanto? O medo da igreja é que, ao se abrir economicamente, Cuba possa ser tomada por valores de individualismo e consumismo antes de ter a chance de abraçar o evangelho."