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Agência alertou sobre possível uso de veículos em atentados na França

Daniela Fernandes

De Paris para a BBC Brasil

15/07/2016 13h53

O chefe da Direção-Geral da Segurança Interna (DGSI), o serviço de inteligência da França, Patrick Calvar, já havia alertado em maio deste ano sobre os riscos de atentados "de massa" com a utilização de veículos no país.

As declarações, consideradas agora "premonitórias" pela imprensa francesa, foram feitas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou os atentados de 2015 na França.

O relatório com as conclusões e o conteúdo das audiências foi divulgado pela Câmara dos Deputados na última quarta-feira, véspera do ataque em Nice.

Um franco-tunisiano de 31 anos utilizou um caminhão para atropelar a multidão que participava das comemorações do Dia da Bastilha, o feriado nacional mais importante do país, na cidade.

Um outro volume do mesmo documento cita a possibilidade de um atentado contra a delegação francesa na Olimpíada do Rio de Janeiro, em agosto. A menção consta de uma fala de um general do país que, por esquecimento, deixou de ser suprimida da transcrição que foi divulgada ao público.

Durante a sessão da CPI da qual participou no final de maio, Calvar disse estar "persuadido" de que os autores de ataques mudariam seu modo de operação e reforçariam a escalada de violência.

O chefe da DGSI evocou a possibilidade de atentados com carros-bomba e com a utilização de explosivos. Ele não citou explicitamente a possibilidade de que um caminhão fosse atirado contra uma multidão, mas alertou sobre os riscos ligados a veículos.

"Estou persuadido de que eles passarão ao estágio de carros-bomba e de explosivos. Sabemos que vão recorrer a esse modo de operação: eles viram os resultados de operações de massa", afirmou aos parlamentares, acrescentando que a nova estratégia seria maximizar o grau de destruição e evitar, ao mesmo tempo, enviar os combatentes à morte.

Calvar também declarou temer "100 vezes mais" a radicalização islâmica de jovens do que o terrorismo.

"Saberemos enfrentar o terrorismo, sofremos eventos muito graves ao longo de nossa história. Mas essa radicalização rastejante, que irá afetar o equilíbrio da sociedade, é muito mais grave", acrescentou o chefe dos serviços de inteligência.

Nenhum grupo reivindicou até o momento o ataque em Nice. Não se sabe ainda se o autor agiu sozinho.

O presidente da região Provença-Alpes-Côte d'Azur, onde se situa Nice, Christian Estrosi, cujo o cargo equivaleria ao de um "governador regional", havia escrito ao presidente François Hollande na véspera do ataque na cidade balneária para pedir um "grande plano de emergência para proteger nossos policiais e dar a eles meios de ação".

"A Eurocopa foi realizada em boas condições, mas nosso país continua em uma situação de perigo sem precedentes que mobiliza diariamente nossas forças de segurança", diz a carta para Hollande, com data de 13 de julho, divulgada pela imprensa francesa.

"Nossos policiais estão cansados", escreve Estrosi, ressaltando a carga de trabalho suplementar após os atentados de 2015 e os recentes protestos sociais no país.

Críticas

O presidente da CPI dos atentados de 2015, o deputado Georges Fenech (Os Republicanos, da oposição), afirmou nesta sexta-feira que o ataque de Nice "era previsível" e disse "lamentar" que as recomendações da comissão não tenham sido levadas em conta pelo governo.

"Temos a impressão de termos trabalhado para nada. Estou amargo porque acho que o anúncio, pelo presidente francês, da prolongação do estado de emergência não será suficiente", declarou o deputado, um ex-juiz.

Após seis meses de trabalhos, o relatório da CPI sobre os atentados, um documento de 300 páginas, apresentou 40 recomendações sobre variados temas ligados à luta antiterrorista, como a organização das operações de socorro, a segurança do país e as falhas dos serviços de inteligência.

Uma das recomendações foi a criação de uma agência nacional antiterrorista, ligada diretamente ao primeiro-ministro, que já foi descartada pelo governo.

A CPI também recomendou uma melhor coordenação dos serviços antiterroristas, fazendo uma fusão entre órgãos de prevenção e luta. Um deles, a Unidade de Coordenação da Luta Antiterrorista, é ligado à Polícia Civil e não tem autoridade sobre outros serviços, como a Polícia Militar.

O ex-primeiro-ministro Alain Juppé, da direita, também afirmou que há falhas no serviços de inteligência e ressaltou que a CPI recomendou justamente a melhor coordenação dessas operações.

"Se todos os meios tivessem sido tomados, esse drama não teria acontecido", afirmou Juppé.

Ataque

O atentado ocorreu por volta das 23h locais (18h de Brasília), quando um caminhão em alta velocidade avançou sobre a multidão que tinha acabado de assistir a uma queima de fogos na Promenade des Anglais, a principal avenida beira-mar de Nice, no sul da França.

Havia uma atmosfera de celebração e o público havia assistido a uma demonstração da força aérea durante o evento.

O veículo percorreu um trajeto de aproximados 2 km, deixando mortos e feridos. O motorista, um francês de origem tunisiana de 31 anos, foi morto pela polícia.

Ainda não se sabe como ele conseguiu entrar com o caminhão na avenida, que estava fechada ao trânsito. Desde os atentados de novembro de 2015 em Paris, a França está em estado de emergência e há inúmeros controles de segurança em espaços públicos e lojas.

Segundo o jornal francês Le Figaro, o motorista teria subido com o caminhão na calçada. Como não havia nenhum tipo de obstáculo, ele conseguiu alcançar a avenida e avançar sobre a multidão.

Alguns policiais e até mesmo pedestres tentaram neutralizar o motorista, e houve troca de tiros com a polícia.

Nice é uma das cidades francesas de onde mais saíram combatentes para se juntar ao grupo autodenominado Estado Islâmico na Síria e no Iraque.