Como investimentos estrangeiros diretos podem ajudar o Brasil a sair da crise
Brics devem receber até US$ 290 bi neste ano, mas investimento pode salvar Brasil da crise?
Um relatório divulgado na última quinta-feira (6) pela agência das UNCTAD (Nações Unidas para o Desenvolvimento e Comércio) estima um aumento nos níveis de investimento estrangeiro direto nos Brics - bloco de cinco países emergentes do qual o Brasil faz parte - de cerca de 10% em 2016. Isso corresponde a uma quantia entre US$ 270 bilhões (R$ 871 bilhões) e US$ 290 bilhões (R$ 936 bilhões).
China e Índia devem atrair a maior parte disso, enquanto o Brasil disputa o interesse dos investidores com os outros dois integrantes do grupo, Rússia e África do Sul.
Os recursos que se enquadram nessa categoria são aqueles aplicados em atividades produtivas, criações, fusões e aquisições de empresas e empréstimos entre matrizes e filiais.
E, segundo especialistas consultados pela BBC Brasil, podem ter um papel importante na tarefa de tirar o país da crise.
Por que?
Eles explicam que há diversas formas de se incentivar a retomada do crescimento, entre elas o avanço das exportações, do consumo interno, dos gastos públicos e, por fim, o investimento estrangeiro direto.
Essa última opção, avaliam, seria a mais promissora para o país diante do atual contexto econômico.
No caso das exportações, elas geram entrada de capital quando o saldo positivo na balança comercial é positivo - ou seja, quando há mais exportações que importações.
O problema é que o país é um grande vendedor de minérios e bens agrícolas (as chamadas commodities), que atualmente registram preços baixos. Além disso, como lembra o professor Eduardo Gomez, especialista em desenvolvimento internacional e economias emergentes do King's College, de Londres, a economia da China, a principal compradora, passa por processo de desaceleração.
Mas, para o diretor de América Latina da agência de classificação de risco Moody's, Alfredo Coutino, a aposta da gestão faz sentido - e pode, no fim, ajudar o país a voltar a crescer.
"O governo prometeu e mostrou vontade de retornar à disciplina macroeconômica, que é um elemento chave para a retomada de confiança dos mercados. Se isso se materializar, não seria uma surpresa ver o Brasil retomar o crescimento positivo em 2017", disse.
Um dos carros-chefes dos anos petistas, o incentivo ao consumo - sobretudo da classe média - gera demanda do setor produtivo, aquecendo a economia. Com o avanço dos índices de endividamento e desemprego, porém, não parece uma opção viável nos dias atuais.
Menos volátil
"No presente momento no Brasil, estão faltando praticamente todos os ingredientes para o desenvolvimento. Eu não vejo gastos do governo, eu não vejo exportações, eu não vejo consumo. Mas não acho que devemos ser predominantemente pessimistas", avalia Gomez.
"Investidores são sábios e estão se dando conta de que talvez seja boa hora de investir, comprar barato, pois o Brasil passa por ciclos de altos e baixos", avalia.
Investimentos estrangeiros diretos são importantes porque possibilitam o aumento da capacidade produtiva nacional. Isso, na maioria das vezes, pressupõe a montagem de fábricas e escritórios, o que gera ativos e empregos. Ou seja, é diferente do capital especulativo, que entra por meio da bolsa de valores e é volátil.
O investimento estrangeiro direto tampouco pode "fugir" rapidamente do país o que, segundo os especialistas, resulta em benefícios concretos para o desenvolvimento local a médio e longo prazo.
Aplicações nos Brics
Juntos, os cinco países Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) respondem por 41% da população mundial e por quase um quarto (23%) da riqueza mundial. Eles receberam 15% dos investimentos globais diretos em 2015.
O Brasil, porém, é visto como uma das economias aparentemente mais imprevisíveis do bloco.
Porém, Astrit Sulstarova, chefe do departamento de Tendências de Investimento e Dados da UNCTAD, destacou que, apesar das dificuldades, o país vem se mostrando resiliente e promissor.
O grupo ligado à ONU consultou executivos de empresas multinacionais para saber onde eles pretendem investir nos próximos dois anos, e o Brasil ficou em sétimo no ranking mundial, entre México e Japão. No topo da lista estão Estados Unidos, China e Índia.
"Veja, apesar da situação política, o Brasil está entre os 10 mais. Os investidores estão sedentos por barganhas de curto prazo nos países em desenvolvimento", afirmou Sulstarova.
O economista sustenta que uma moeda menos valorizada contribuirá para atrair investimentos e que empresas internacionais estarão de olho nas oportunidades de fusões e aquisições no país.
Cita como exemplo de "pechincha" a compra pela British Tobacco, por US$ 2,45 bilhões (R$ 7,89 bilhões), da operação pertencente à Souza Cruz.
Em 2015, o Brasil recebeu US$ 65 bilhões em investimento estrangeiro direto. No ano anterior, o total registrado fora de US$ 73 bilhões, o que em um comparativo mundial deixava o país em oitavo lugar entre os destinos mais atraentes, segundo dados da UNCTAD divulgados em junho.
O último relatório da UNCTAD afirma que China e Índia estão na liderança do bloco e que a tendência macroeconômica do Brasil e da África do Sul é de queda no fluxo de entrada desses investimentos.
América Latina
No contexto da América Latina, o estudo ressalta ainda que o cancelamento de investimentos da Petrobras e de outras petroleiras, como Pemex (México) e Ecopetrol (Colômbia), levou a uma queda de 86% na entrada de capital no setor em 2015.
Por outro lado, os dados da equipe de Sulstarova apontam uma alta de 80% em fusões e aquisições no primeiro semestre desse ano, principalmente por operações no Brasil, Chile e Colômbia.
Na média, a região deverá seguir a mesma tendência mundial, e o IED deve recuar entre 10% e 15% neste ano, para algo entre US$ 140 bilhões e US$ 160 bilhões. Os maiores investimentos devem ser nas manufaturas de alimentos, bebida, informação e tecnologia.
Cenário mundial
As causas do cenário "um pouco pessimista", segundo o relatório, são a redução do consumo nos países ricos, a ausência de políticas eficazes contra sonegação de impostos, a má performance de exportadores de commodities e a queda da rentabilidade das multinacionais.
Riscos geopolíticos e tensões regionais podem amplificar a retração, afirma o órgão.
De acordo com o relatório, multinacionais estariam em busca de oportunidades de investimento na economia digital e em locais onde o processo de urbanização é observado, criando novos mercados consumidores.
"Nós prevemos que o IED (investimento estrangeiro direto) irá se recuperar em 2017, para então atingir US$ 1,8 trilhões em 2018, porém permanecerá mais baixo que o pico anterior à crise (de 2008)", concluiu em um comunicado o secretário-geral da organização, Dr. Mukisha Kituyi.
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