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Como investimentos estrangeiros diretos podem ajudar o Brasil a sair da crise

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Marina Wentzel

De Basiléia (Suíça)

09/10/2016 08h23

Brics devem receber até US$ 290 bi neste ano, mas investimento pode salvar Brasil da crise?

Um relatório divulgado na última quinta-feira (6) pela agência das UNCTAD (Nações Unidas para o Desenvolvimento e Comércio) estima um aumento nos níveis de investimento estrangeiro direto nos Brics - bloco de cinco países emergentes do qual o Brasil faz parte - de cerca de 10% em 2016. Isso corresponde a uma quantia entre US$ 270 bilhões (R$ 871 bilhões) e US$ 290 bilhões (R$ 936 bilhões).

China e Índia devem atrair a maior parte disso, enquanto o Brasil disputa o interesse dos investidores com os outros dois integrantes do grupo, Rússia e África do Sul.

Os recursos que se enquadram nessa categoria são aqueles aplicados em atividades produtivas, criações, fusões e aquisições de empresas e empréstimos entre matrizes e filiais.

E, segundo especialistas consultados pela BBC Brasil, podem ter um papel importante na tarefa de tirar o país da crise.

Por que?

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Eles explicam que há diversas formas de se incentivar a retomada do crescimento, entre elas o avanço das exportações, do consumo interno, dos gastos públicos e, por fim, o investimento estrangeiro direto.

Essa última opção, avaliam, seria a mais promissora para o país diante do atual contexto econômico.

No caso das exportações, elas geram entrada de capital quando o saldo positivo na balança comercial é positivo - ou seja, quando há mais exportações que importações.

O problema é que o país é um grande vendedor de minérios e bens agrícolas (as chamadas commodities), que atualmente registram preços baixos. Além disso, como lembra o professor Eduardo Gomez, especialista em desenvolvimento internacional e economias emergentes do King's College, de Londres, a economia da China, a principal compradora, passa por processo de desaceleração.

Outra possibilidade, a geração de empregos por meio do investimento público em grandes obras de infraestrutura, parece distante, uma vez que o governo Michel Temer já deu sinais de que se esforçará em frear o avanço das contas públicas.

Mas, para o diretor de América Latina da agência de classificação de risco Moody's, Alfredo Coutino, a aposta da gestão faz sentido - e pode, no fim, ajudar o país a voltar a crescer.

"O governo prometeu e mostrou vontade de retornar à disciplina macroeconômica, que é um elemento chave para a retomada de confiança dos mercados. Se isso se materializar, não seria uma surpresa ver o Brasil retomar o crescimento positivo em 2017", disse.

Um dos carros-chefes dos anos petistas, o incentivo ao consumo - sobretudo da classe média - gera demanda do setor produtivo, aquecendo a economia. Com o avanço dos índices de endividamento e desemprego, porém, não parece uma opção viável nos dias atuais.

Menos volátil

"No presente momento no Brasil, estão faltando praticamente todos os ingredientes para o desenvolvimento. Eu não vejo gastos do governo, eu não vejo exportações, eu não vejo consumo. Mas não acho que devemos ser predominantemente pessimistas", avalia Gomez.

"Investidores são sábios e estão se dando conta de que talvez seja boa hora de investir, comprar barato, pois o Brasil passa por ciclos de altos e baixos", avalia.

Investimentos estrangeiros diretos são importantes porque possibilitam o aumento da capacidade produtiva nacional. Isso, na maioria das vezes, pressupõe a montagem de fábricas e escritórios, o que gera ativos e empregos. Ou seja, é diferente do capital especulativo, que entra por meio da bolsa de valores e é volátil.

O investimento estrangeiro direto tampouco pode "fugir" rapidamente do país o que, segundo os especialistas, resulta em benefícios concretos para o desenvolvimento local a médio e longo prazo.

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Juntos, os cinco países Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) respondem por 41% da população mundial e por quase um quarto (23%) da riqueza mundial. Eles receberam 15% dos investimentos globais diretos em 2015.

O Brasil, porém, é visto como uma das economias aparentemente mais imprevisíveis do bloco.

Porém, Astrit Sulstarova, chefe do departamento de Tendências de Investimento e Dados da UNCTAD, destacou que, apesar das dificuldades, o país vem se mostrando resiliente e promissor.

O grupo ligado à ONU consultou executivos de empresas multinacionais para saber onde eles pretendem investir nos próximos dois anos, e o Brasil ficou em sétimo no ranking mundial, entre México e Japão. No topo da lista estão Estados Unidos, China e Índia.

"Veja, apesar da situação política, o Brasil está entre os 10 mais. Os investidores estão sedentos por barganhas de curto prazo nos países em desenvolvimento", afirmou Sulstarova.

O economista sustenta que uma moeda menos valorizada contribuirá para atrair investimentos e que empresas internacionais estarão de olho nas oportunidades de fusões e aquisições no país.

Cita como exemplo de "pechincha" a compra pela British Tobacco, por US$ 2,45 bilhões (R$ 7,89 bilhões), da operação pertencente à Souza Cruz.

Coutino concorda. "Certamente uma moeda depreciada está deixando os ativos no Brasil mais atraentes para os investidores. Levará um pouco mais de tempo para eles retornarem, particularmente até que o clima social e político se estabilize, mas as privatizações e as desregulamentações deixarão o Brasil mais atraente."

Em 2015, o Brasil recebeu US$ 65 bilhões em investimento estrangeiro direto. No ano anterior, o total registrado fora de US$ 73 bilhões, o que em um comparativo mundial deixava o país em oitavo lugar entre os destinos mais atraentes, segundo dados da UNCTAD divulgados em junho.

O último relatório da UNCTAD afirma que China e Índia estão na liderança do bloco e que a tendência macroeconômica do Brasil e da África do Sul é de queda no fluxo de entrada desses investimentos.

América Latina

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Imagem: Reprodução/Pulsamerica

No contexto da América Latina, o estudo ressalta ainda que o cancelamento de investimentos da Petrobras e de outras petroleiras, como Pemex (México) e Ecopetrol (Colômbia), levou a uma queda de 86% na entrada de capital no setor em 2015.

Por outro lado, os dados da equipe de Sulstarova apontam uma alta de 80% em fusões e aquisições no primeiro semestre desse ano, principalmente por operações no Brasil, Chile e Colômbia.

Em 2015, os investimentos na América Latina e no Caribe, excluindo transferências bancárias para offshores, totalizaram US$ 168 bilhões.

Na média, a região deverá seguir a mesma tendência mundial, e o IED deve recuar entre 10% e 15% neste ano, para algo entre US$ 140 bilhões e US$ 160 bilhões. Os maiores investimentos devem ser nas manufaturas de alimentos, bebida, informação e tecnologia.

Cenário mundial

As causas do cenário "um pouco pessimista", segundo o relatório, são a redução do consumo nos países ricos, a ausência de políticas eficazes contra sonegação de impostos, a má performance de exportadores de commodities e a queda da rentabilidade das multinacionais.

Riscos geopolíticos e tensões regionais podem amplificar a retração, afirma o órgão.

De acordo com o relatório, multinacionais estariam em busca de oportunidades de investimento na economia digital e em locais onde o processo de urbanização é observado, criando novos mercados consumidores.

"Nós prevemos que o IED (investimento estrangeiro direto) irá se recuperar em 2017, para então atingir US$ 1,8 trilhões em 2018, porém permanecerá mais baixo que o pico anterior à crise (de 2008)", concluiu em um comunicado o secretário-geral da organização, Dr. Mukisha Kituyi.