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Muito mais do que um rosto bonito: conheça a miss que enfurece a China

Impedida de disputar a final do concurso no ano passado, Miss Mundo Canadá concorre ao título novamente neste ano - ANASTASIALIN.COM
Impedida de disputar a final do concurso no ano passado, Miss Mundo Canadá concorre ao título novamente neste ano Imagem: ANASTASIALIN.COM

16/12/2016 15h46

Anastasia Lin é uma modelo e atriz que ostenta a coroa de Miss Mundo Canadá. Ela vai disputar a final internacional do concurso de beleza no próximo domingo, em Washington.

Mas sua atuação vai além das atividades ditadas pela beleza - o que tem lhe causado problemas.

Segundo parentes, amigos e a imprensa americana, Lin, de 26 anos, está sendo obrigada a ficar calada. Nascida na China, mas morando no Canadá há 13 anos, ela se tornou uma ativista dos direitos humanos cujas falas enfurecem sua terra natal.

No ano passado, dois meses após conquistar o título de Miss Mundo Canadá, Anastasia Lin foi convidada a testemunhar numa comissão do Congresso dos Estados Unidos sobre acusações de perseguição religiosa na China.

Ao depor, disparou que queria "falar por aqueles que são espancados, queimados e eletrocutados na China por não abrirem mão de suas crenças".

Ela acredita que essa foi a gota d'água que levou à decisão da China de proibir sua entrada no país para a disputa da final do Miss Mundo 2015, realizada na cidade de Sanya, na província de Hainan.

A proibição levou a organização do mais antigo concurso de beleza do mundo a convidar Lin a disputar a coroa novamente este ano, desta vez nos EUA.

Mas a polêmica envolvendo o veto do governo chinês teve outro efeito: deu à modelo a oportunidade de falar em defesa dos direitos humanos para plateias internacionais.

Ela foi convidada a expor suas ideias na Universidade de Oxford, no National Press Club, a associação jornalística americana, e no Oslo Freedom Forum, na Noruega.

Pianista e líder estudantil

Lin, que também é uma exímia pianista clássica, nasceu na província de Hunan e foi uma líder estudantil que acreditava na autoridade absoluta do Partido Comunista chinês e nos seus ensinamentos.

Depois que emigrou e se tornou cidadã canadense, ela revelou ser praticante da Falun Gong, corrente que prega a meditação e tem raízes nos ensinamentos do budismo sobre verdade, compaixão e tolerância.

Com mais de 100 milhões de praticantes em todo o mundo, a Falun Gong é proibida na China desde 1999, quando foi considerada um culto diabólico contrário ao Partido Comunista. Seus seguidores no país sofreram violenta repressão.

Desde então, grupos de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, têm recebido denúncias de que os praticantes chineses seriam mandados para campos de trabalhos forçados, sofreriam julgamentos sumários, torturas, execução e até extração forçada de órgãos para a comercialização em escala industrial.

O governo chinês nega as acusações.

Anastasia Lin já participou de mais de 20 filmes e produções para TV. O ativismo também está presente nos papéis que interpreta, geralmente carregados de mensagens de liberdade, ética e defesa dos direitos humanos.

O mais recente trabalho dela no cinema é o papel principal no filme The Bleeding Edge (2016), do premiado diretor e documentarista Leon Lee, sobre a repressão na China.

A première nos EUA foi em Washington, há dois dias. Lin só foi autorizada a ir na última hora, acompanhada por representantes do concurso de beleza e sem poder dar entrevistas.

Parentes e amigos dizem que o pai dela, que continua vivendo em Hunan, está sofrendo ameaças das autoridades chinesas.

O concurso e a China

O Miss Mundo foi criado em 1951 pelo britânico Eric Morley. O concurso é atualmente dirigido por sua viúva, Julia Morley, e está na 66ª edição. Seu principal concorrente é o Miss Universo.

É realizado a cada ano em diferentes países, e suas vencedoras passam um ano inteiro viajando como representantes da Miss World Organization e suas causas sociais (projeto batizado de Beleza com Propósito).

O concurso tem profundas ligações com a China. Desde 2003, foi realizado seis vezes na cidade de Sanya.

Além disso, a organização do concurso recebeu milhares de dólares da prefeitura da cidade chinesa e em direitos de transmissão para a TV.

De acordo com a página do Miss Mundo 2016 na internet, todos os patrocinadores e parceiros do evento são empresas chinesas.

No começo da semana, os jornais americanos The New York Times e The Boston Globe publicaram reportagens sugerindo que Anastasia Lin estaria sendo obrigada a ficar calada para não ser desclassificada da competição.

O repórter do Boston Globe conseguiu se aproximar dela no hotel de Washington, mas foi impedido de continuar a entrevista pela organização do concurso.

"Estou tentando obedecer as regras. Não ligo para tudo isso - o cabelo, os vestidos. Só quero subir naquele palco e ser a voz das pessoas que são silenciadas", conseguiu dizer Anastasia ao jornalista Jeff Jacoby, antes de ser levada por representantes do evento.