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O dia em que choveu chocolate em Berlim: as lembranças do difícil pós-guerra na Alemanha

Cerco à parte ocidental de Berlim fez com que "no lugar onde caíam bombas, chovesse chocolate" - Reprodução/BBC
Cerco à parte ocidental de Berlim fez com que "no lugar onde caíam bombas, chovesse chocolate" Imagem: Reprodução/BBC

04/03/2017 15h30

Entre as atrações da cidade alemã de Berlim está um parque construído no local onde, durante a Segunda Guerra Mundial, funcionava o aeroporto de Tempelhof. Hoje, as antigas pistas de pouso são frequentadas por skatistas e praticantes de outros esportes, e os antigos hangares foram convertidos em acomodação para refugiados vindos da Síria e de outros países árabes.

No entanto, em 1948, em plena Guerra Fria, o aeroporto foi palco de uma ousada operação, liderada pelos americanos, que manteve Berlim Ocidental abastecida frente a um bloqueio soviético.

Para o alemão Ulrich Kirschbaum, que vivenciou na pele o cerco a Berlim, havia espaço para brincadeiras e encantamento em meio a tantas dificuldades. Ele contou sua experiência ao programa Witness, do Serviço Mundial da BBC.

O aposentado Ulrich Kirschbaum tinha seis anos durante cerco da União Soviética a Berlim - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
O aposentado Ulrich Kirschbaum tinha seis anos durante cerco da União Soviética a Berlim
Imagem: Reprodução/BBC

"Era a realidade que nós conhecíamos, três ou quatro anos depois do fim da guerra. Em 1948 eu tinha seis anos", disse.

"Havia problemas terríveis. Muitas doenças, nada para comer. Acho que era comum eu ir para a cama com fome. Nossos apartamentos tinham sido destruídos, mas isso não nos incomodava. Costumávamos brincar nas ruínas. "

Aliados x Soviéticos

Logo após o final da Segunda Guerra, a Alemanha foi dividida em quatro chamadas "zonas de ocupação" sob o controle de quatro países - União Soviética, Estados Unidos, Grã-Bretanha e, um pouco mais tarde, França. A ideia era que essas nações supervisionassem a rendição dos nazistas e restabelecessem a ordem.

Os soviéticos ocuparam o leste do país. Os Estados Unidos e seus aliados, o oeste. A capital alemã, Berlim, também foi dividida em quatro partes.

Logo, no entanto, surgiram desavenças entre os dois lados quanto às políticas a serem adotadas na Alemanha do pós-guerra.

Aviões transportavam 12 mil toneladas de suprimentos por dia para abastecer Berlim de alimentos, remédios, combustível e outros - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Aviões transportavam 12 mil toneladas de suprimentos por dia para abastecer Berlim de alimentos, remédios, combustível e outros
Imagem: Reprodução/BBC

Os soviéticos queriam uma Alemanha submissa e desarmada. Já os Estados Unidos favoreciam uma Alemanha forte, capaz de se defender de uma possível expansão soviética.

Em junho de 1948, as negociações entre soviéticos, americanos e britânicos foram rompidas. Dois dias depois, no dia 24 de junho, a União Soviética bloqueou estradas e ferrovias que conectavam Berlim Ocidental ao resto do país.

Foi assim que teve início a impressionante operação de abastecimento da cidade.

Encantamento

Havia três corredores aéreos para Berlim na Alemanha dominada pelas potências ocidentais: a partir de Hamburgo, a partir de Hanover e a partir de Frankfurt.

"Todos os aviões disponíveis foram enviados para a Alemanha, para criar uma ponte aérea. Nunca tinha sido feito nada parecido", diz Kirschbaum.

Garantir suprimentos de alimentos e remédios para dois milhões e meio de pessoas e manter as fábricas de uma cidade em funcionamento é uma operação gigantesca. Os aviões transportavam 12 mil toneladas por dia.

"Eles aterrissavam no aeroporto de Tempelhof. Os caminhões americanos ficavam à espera. Os berlinenses descarregavam os aviões, que voltavam para Frankfurt, em viagens sucessivas de ida e volta."

Kircshbaum viveu na infância as dificuldades do pós-guerra; hoje, acompanha turistas no antigo aeroporto de Tempelhof - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Kircshbaum viveu na infância as dificuldades do pós-guerra; hoje, acompanha turistas no antigo aeroporto de Tempelhof
Imagem: Reprodução/BBC

"Traziam remédios, combustível, suprimentos domésticos, tudo o que uma cidade precisa para sobreviver. Nós ficávamos na sacada e cronometrávamos (os voos). No fim, a cada 90 segundos, um avião passava sobre a nossa casa. Era maravilhoso!"

Bombardeios de chocolate

Mas, para o pequeno Kircshbaum, o melhor ainda estava por vir.

"Um dia, um piloto teve uma ideia. Gail Halvorsen, um tenente de 19 anos, estava parado perto de uma cerca quando um grupo de crianças veio lhe pedir chicletes. Foi aí que ele pensou, 'e se eu jogasse doces lá de cima, do avião?'"

Ideia de jogar chocolates do avião para as crianças foi do tenente Gail Halvorsen, de 19 anos - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Ideia de jogar chocolates do avião para as crianças foi do tenente Gail Halvorsen, de 19 anos
Imagem: Reprodução/BBC

"Então, onde três ou quatro anos antes caíam bombas, agora choviam barrinhas de chocolate, cada uma embalada em um pequeno paraquedas", relembra o alemão.

"Sempre que ele vinha, (Halvorsen) mexia as asas do avião para cima e para baixo. Então, ganhou o apelido de 'Mexe Asas'."

"Depois de um ano e três meses, a ponte aérea terminou", contou Kircshbaum. Hoje aposentado, ele acompanha turistas em passeios ao antigo aeroporto e relembra o período.

Operação especial de potências para abastecer Berlim Ocidental durou um ano e três meses - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Operação especial de potências para abastecer Berlim Ocidental durou um ano e três meses
Imagem: Reprodução/BBC

"Aquela ponte aérea transformou radicalmente nossa atitude em relação aos americanos, aos ingleses e aos franceses. Tínhamos sido inimigos durante a guerra - mas agora éramos grandes amigos."

No dia 12 de maio de 1949, o então líder soviético, Joseph Stalin, suspendeu o bloqueio a Berlim Ocidental.