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Testes insuficientes e desorganizados deixam Brasil no escuro para controlar pandemia

Índice oficial de testagem no Brasil mostra o país com taxa semelhante à Zâmbia, que aparece na posição 88 em ranking com 111 países - Reuters
Índice oficial de testagem no Brasil mostra o país com taxa semelhante à Zâmbia, que aparece na posição 88 em ranking com 111 países Imagem: Reuters

Laís Alegretti - @laisalegretti - Da BBC News Brasil em Londres

20/05/2021 09h38

Mais de um ano depois do início da pandemia e no momento em que epidemiologistas alertam para risco de colapso no inverno, a testagem contra covid-19 no Brasil ainda é baixa e desorganizada.

O Brasil faz 7.857 exames por 100 mil habitantes, segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde. Com esse índice, o Brasil fica semelhante à Zâmbia, na posição 88 em ranking com 111 países, atrás da Índia e de vizinhos na América do Sul. (Entenda abaixo por que os números de testagem não são considerados precisos no Brasil)

Mesmo com a vacinação contra covid iniciada, epidemiologistas apontam que a testagem em massa é essencial para apontar as tendências da epidemia e embasar decisões das autoridades de saúde para controlar surtos do vírus.

Um dos indicadores essenciais é a proporção de exames positivos, que no Brasil é de cerca de 30%, segundo o Ministério da Saúde.

Quando ele está alto, pode indicar descontrole da epidemia ou baixa capacidade de testagem. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que uma taxa de positividade inferior a 5% é um indicador de que a epidemia está sob controle.

No Brasil, nenhum Estado, desde o início da pandemia, apresentou valores tão baixos, segundo levantamento da Fiocruz.

"Até hoje o Brasil continua testando caso que tem quase certeza de que é covid. Assim, os assintomáticos, que a gente sabe que transmitem covid-19, a gente não está testando praticamente ninguém. Se a pessoa chega numa unidade de saúde sem sintoma, ou dizendo que só teve contato com alguém que teve covid, é difícil que consiga fazer esse teste, porque a oferta é pequena", diz Diego Xavier, epidemiologista da Fiocruz e responsável pelo Monitora Covid.

'Testagem não é prioridade no Brasil'

A testagem em massa, ao apontar as tendências da epidemia, deveria ser o instrumento para embasar a formulação de políticas das autoridades de saúde para controlar a propagação da doença. Sem isso, o poder público pode agir atrasado ou antecipar medidas drásticas que poderiam não ser necessárias.

Esse é o alerta que epidemiologistas fazem desde a chegada do coronavírus. A diferença é que, no começo da pandemia, a baixa disponibilidade de testes fazia com que muitos países tivessem que guardá-los para situações específicas.

Mesmo assim, alguns países conseguiram controlar a pandemia mesmo antes da vacinação, com teste e rastreamento de contatos.

Ainda em maio de 2020, o Vietnã foi um dos países que conseguiram controlar o coronavírus - mesmo com sistema de saúde precário -, ao concentrar esforços na realização de testes em massa e rastreamento agressivo de contatos de doentes.

Hoje, países com a vacinação avançada, como o Reino Unido, usam a testagem para planejar os próximos passos do relaxamento do lockdown e monitorar os riscos de novas variantes. Segundo dados de maio, foram feitos até agora mais de 2.300 testes por mil habitantes no Reino Unido.

No Brasil, a testagem não vem sendo usada para guiar as políticas, como diz o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (RS).

"A testagem não é prioridade porque o Ministério da Saúde nunca entendeu por que que se testa. Parece que o Ministério da Saúde sempre achou que testagem é para contar caso, quando, na verdade, testagem é uma política de saúde para identificar precocemente os casos e evitar a transmissão da doença", disse à BBC News Brasil.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou em maio de 2021 que o Brasil estuda campanha de testagem contra covid. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa disse apenas que o programa de testagem está em elaboração e não informou uma data para lançamento.

Brasil atrás de mais de 80 países

Segundo boletim epidemiológico (de período até 8 de maio) do Ministério da Saúde, o Brasil faz 7.857 exames por 100 mil habitantes, o que significa pouco mais de 16,5 milhões de exames realizados até o início de maio.

Comparada a dados de outros países até a mesma data, a taxa oficial de 78,57 exames por mil habitantes do Brasil é semelhante à Zâmbia (78,13), que fica na posição 88 entre 11 países em ranking da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford.

Isso deixa o Brasil atrás da Índia (217), além de outros países da América do Sul, como Argentina (200), Uruguai (546) e Chile (705). A plataforma não tem dados de testagem do Brasil desde o segundo semestre de 2020.

Ao mesmo tempo, levantamentos alternativos ao do Ministério da Saúde, com base em dados divulgados pelos Estados, apontam números maiores de testagem. Segundo o Painel Covid-19 - Estatísticas do Coronavírus, plataforma criada pelo analista de sistemas e matemático Giscard Stephanou, que explicou que reúne dados das 27 secretarias estaduais de saúde sobre diferentes tipos de testes, o total até meados de maio chega a 48 milhões.

Um dos reflexos da falta de uma coordenação nacional em relação à testagem está na dificuldade para compilação dos dados sobre a quantidade de testes aplicados no país.

A Fiocruz apontou que no Brasil "as testagens são feitas com pouco ou nenhum planejamento" e sequer há "um indicador confiável sobre seus resultados".

Pesquisadores da Fiocruz avaliaram três sistemas de informação diferentes sobre o tema - Sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL), eSUS-VE e SIVEP-Gripe - e concluíram que apresentam sobreposições e inconsistências entre si.

Entre os problemas apontados, estão atraso e perdas no fluxo de dados de testagem, falta de informações e existência de campos não preenchidos ou mal preenchidos e notificação exclusiva de casos positivos já confirmados por teste.

Mesmo com essas limitações, no entanto, os pesquisadores apontam que os dados disponíveis sobre testes no Brasil podem contribuir para o monitoramento mais preciso da ocorrência de covid no país.

Xavier diz que os Estados tiveram que agir sem uma coordenação, o que dificultou o controle da testagem e, consequentemente, dos dados sobre os testes pelo governo central. "Foi a transferência de responsabilidade: o governo federal joga para o governador, que joga para o prefeito, que joga pra população."

"Erramos muito nessa parte de testagem. Há um ano, países controlaram a doença sem vacina na Ásia, testando e rastreando. No Brasil, a gente não consegue nem confiar na informação de testagem, porque é desestruturada", disse Xavier, um dos pesquisadores da Fiocruz responsáveis pelo trabalho.

Ele aponta que, no Brasil, o indicador que vem sendo usado para embasar decisões locais sobre restrições para tentar conter o vírus é a ocupação de leitos de UTI, em vez da testagem. Não deveria ser assim, diz Xavier. "Esse indicador (UTI) já mostra pra gente quando a situação está extremamente grave."

Outro sintoma da falta de coordenação, a perda de testes devido ao vencimento sem uso também é um problema no Brasil. O Ministério da Saúde admitiu ao Ministério Público Federal que existe o risco de perder milhões de testes para covid-19, segundo a Folha de S.Paulo.

No documento, segundo o jornal, o ministério afirma que guardava em abril 4,3 milhões de exames em Guarulhos (SP), dos quais havia estimativa de perda de pelo menos 2,3 milhões por causa do vencimento.

Procurado pela BBC News Brasil para comentar a baixa testagem no Brasil e a falta de coordenação, o Ministério da Saúde disse que "a testagem para diagnóstico da covid-19 cresce constantemente no país" e que, de janeiro a maio deste ano, a pasta registrou 7,9 milhões de testes RT-PCR realizados.

O ministério disse, ainda, que a distribuição é realizada de acordo com as demandas dos Estados e que o número subiu de uma média diária de exames de 1.148 em março de 2020 para 63.982 testes diários em abril de 2021.